Por Eduardo Oliveira Silva, in iOnline
Os portugueses estão confrontados com o facto de a degradação das condições sociais ser uma consequência incontornável da austeridade, designadamente a que atinge as populações mais frágeis como uma espécie de tsunami que chega, devastadoramente, algum tempo depois do sismo.
Apesar de os números macroeconómicos apontarem tímidos dados positivos, diariamente se noticiam situações que ilustram um enorme descalabro social.
Nos últimos dias soube-se, por exemplo, que as farmácias vendem fiado, mensalmente, cerca de 30 milhões de euros de medicamentos, à boa maneira das mercearias do antigamente, onde se pagava ao fim do mês, tradição que foi rompida pelos super e hipermercados e substituída pela utilização do cartão de crédito bancário – que também é fiar, mas a 30% ao ano.
Mais ou menos em simultâneo, sabia-se que, desde 2011, as famílias perderam cerca de mil milhões de euros devido ao corte de benefícios e deduções fiscais, o que é uma verdadeira brutalidade…
Se a isto juntarmos a revelação de que ainda falta fazer um corte suplementar de dois mil milhões de euros na despesa para satisfazer as mais recentes exigências da troika, para fechar com distinção a penúltima avaliação, dá para ter uma ideia antecipada do que aí vem.
Ora, para pior, já basta assim. Por exemplo, o relatório da OCDE publicado ontem refere que são destruídos semanalmente 2700 empregos, que seis em cada dez desempregados não recebem subsídio e que há 850 mil pessoas sem trabalho há mais de um ano, tendo diminuído em 30% o número de portugueses que têm subsídio social de inserção.
A isso se junta a circunstância de 15% da população jovem não ter qualquer tipo de ocupação e de o país estar a envelhecer drasticamente e ser aquele onde, na Europa, há maior desigualdade social.
Nenhum dos dados citados é propriamente uma novidade, mas os seus efeitos somados explicam muita coisa e permitem fazer um retrato objectivamente dramático do que se passa em Portugal.
Um sinal suplementar disso mesmo foi dado ontem numa entrevista do presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia à Antena 1, na qual denunciou que a crise está a ter um efeito de aumento do consumo de álcool no grupo etário superior a 40 anos, havendo também simultaneamente mais jovens a beber, até porque, em Portugal, o acesso à bebida é relativamente fácil e não existe propriamente uma censura social do facto.
Hoje em dia vivemos uma situação extrema, do ponto de vista social, em que o limite do empobrecimento foi atingido, já não sendo possível reunir, como aconteceu no início do governo de Passos Coelho, uma espécie de sinergia colectiva que faça com que o país aceite a inevitabilidade de novos sacrifícios. Pelo contrário, existe a noção colectiva de que se ultrapassou o que era mesmo necessário, transformando-se o empobrecimento numa política nacional, ao jeito do que sucede com alguns países que estão na União, mas não integram o euro, e que dão um jeitão para alargar mercados e produzir barato.