31.3.14

Quando é o pai quem emigra

Texto de Ana Maria Henriques, in Público on-line (P3)

Lígia, Marta e Joana viram os pais emigrar depois dos 50 — mas não dramatizam. Aplaudem o sentido de aventura que os pais tiveram mas não escondem a revolta por viverem num país que não dá segurança aos mais velhos

O pai de Lígia Grave emigrou com 60 anos: foi para o Brasil, em Setembro de 2013, à procura de trabalho. Já as irmãs Marta e Joana Bastos viram o pai, de 52, trocar Matosinhos por Cabinda, em Angola, há apenas poucas semanas. Ficar em Portugal quando um pai, depois de muitos anos de trabalho, se vê obrigado a começar do zero lá fora “é complicado”, concordam as três jovens entrevistadas pelo P3. Tentam não dramatizar porque sabem que os pais estão bem e tomaram a melhor decisão possível, mas a mudança custa. “A emigração é hoje uma coisa muito mais positiva do que era há uns anos”, defende Lígia Grave.

“Como a minha vocação seguiu a dele, desde pequena que estou habituada a ver os projectos”, diz a arquitecta de 34 anos, filha de um técnico de desenho que viu as oportunidades de trabalho no sector da construção diminuírem muito nos últimos anos. “O meu pai é uma pessoa activa, para ele reformar-se era impensável. Como sempre teve muita iniciativa e gosta de se actualizar, talvez tenha sido mais fácil sair”, conta. Por ter família no Rio de Janeiro e “já ter os filhos criados”, decidiu arriscar e procurar uma melhor qualidade de vida naquele país, onde hoje “colabora com várias entidades”. “Fez sentido para ele, é aventureiro e ainda acredita que pode ter uma vida melhor.”

A indecisão de não saber quando poderá voltar a ver o pai (ou quando o seu próprio filho voltará a ver o avô) foi o que mais pesou no dia em que o levou ao aeroporto. Mas quando amplia a visão — pensando no que levou João Tordo a escrever uma carta ao pai, no seu blogue, há cerca de um mês — percebe que o que mais lhe custa é ver que aquela geração, “neste momento, não pode ter uma vida confortável”. “Isto reflecte uma espécie de inconformismo: o meu pai não quis continuar aqui e, confrontado com os dados que tinha em cima da mesa, achou que o melhor era ir para um país novo, readaptar-se”, reflecte a arquitecta. “É de louvar esse rasgo numa altura em que era suposto começar-se a pensar em descansar. E tem tudo para ser positivo, não vamos criar dramatismos.”

Sair para não retroceder

O avião que, no início de Fevereiro, levou o pai de Joana e Marta Bastos para Angola ia “completamente cheio”. “E não eram jovens. Eram pessoas até aos 65 anos, reformados, empregados de escritório que iam para as obras sem saber o que os esperava”, ressalva Joana, a irmã mais nova, de 22 anos. Em Cabinda, o técnico superior de tintas que se viu desempregado em 2013 está a montar, de raiz, uma fábrica de tintas e também trabalha como chefe de produção de uma outra fábrica.

“Sinto-me um bocado revoltada e triste por ver o meu pai ir embora mas, ao mesmo tempo, não posso estar porque sei que era uma coisa que ele queria. Sempre teve o sonho de ir para Angola — a crise deu um empurrãozinho”, diz Joana. “Mas claro que preferia que tivesse ido com outra perspectiva, porque sei que o fez também por nós, para nos dar uma melhor qualidade de vida”, continua. O pai destas irmãs de Matosinhos saiu “para não retroceder no caminho que construiu em Portugal”. Marta, de 26 anos, é pragmática: “Pensando na idade e nas poucas oportunidades que existem no nosso país, sei que ele foi fazer uma coisa que gosta e lutar por um sonho”. “Não foi fácil para o meu pai deixar o país, a família, mas foi o melhor — por isso não quero ver isto como algo negativo”, resume a jovem, que está a terminar o mestrado em Neuropsicologia Aplicada.

Nesta família, que se vê separada entre aquele país africano e Lisboa — onde Marta vive e trabalha — a emigração é um tema muito falado. Joana, licenciada em tradução, não exclui esta hipótese, e Marta, que não vê “progressão na carreira” enquanto terapeuta ocupacional, também não. “Acho que não somos valorizados o suficiente”, desabafa. A família começa a desagregar-se. “Os filhos também sofrem porque estão habituados a ter a protecção dos pais e da família. Perder isto momentaneamente custa muito”, diz Joana, ainda que a conversa diária através do Skype atenue a ausência. “Nota-se pela cara dele que está feliz com o que faz e isso é o mais importante.”

Novos emigrantes, motivações semelhantes

José Carlos Marques investiga os fluxos migratórios portugueses e está a trabalhar num estudo sobre a nova emigração portuguesa (sobretudo a que começou a partir do ano 2000). Apesar de apenas poder falar a partir de “dados parcelares”, aponta “algumas divergências” face a movimentos migratórios passados. “Parece-me que participam vários grupos etários na população, quer mais jovens quer activos mais avançados na idade, uma característica nova”, revela, ao mesmo tempo que verifica uma emigração “mais qualificada” decorrente, naturalmente, da evolução no nível educativo do país. Os actuais fluxos, continua, envolvem ausências do país “mais temporárias” — a facilidade de transporte e viagem no espaço comunitário ajuda — e para outros destinos, sobretudo para fora da Europa.

As razões por detrás desta nova emigração “ainda não estão esclarecidas”, sublinha o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, mas a ideia generalizada é que, tal como em anteriores vagas, sejam de “natureza económica — mas não necessariamente ligadas ao próprio”. No caso de emigrantes com mais de 50 anos, “podem ter a ver com garantir a sobrevivência da família ou meios para que elementos desta possam continuar a estudar”. Outra questão importante, refere, tem a ver com a dificuldade em “encontrar nova colocação nessa faixa etária”. “As pessoas ainda não se sentem no final da sua vida activa”, diz José Carlos — o que corrobora as motivações dos pais de Lígia, Joana e Marta.