Por Rosa Ramos, in iOnline
Vinte sul-africanos viajavam num cruzeiro e desapareceram no porto de Lisboa. O esquema é novo e preocupa as polícias
Há uma nova rota de imigração ilegal a crescer e que usa Portugal como porta de entrada. O fenómeno começa a preocupar as polícias e o último caso aconteceu este fim-de-semana. No sábado, um cruzeiro vindo do Brasil atracou em Lisboa e os passageiros abandonaram o porto, mas um grupo de 20 sul-africanos não regressou ao navio e está desaparecido desde então. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pôs os Centros de Cooperação Policial e Aduaneira em alerta e existem "fortes indícios" de que os passageiros, quase todos bolivianos, viajavam com vistos falsos. "Deixaram os documentos que entregaram à empresa de cruzeiros no barco", conta fonte do SEF, adiantando que a documentação está a ser alvo de perícias. Os inspectores acreditam que os sul-africanos já não estão em Portugal, que continua a ser usado como plataforma de acesso a outros países da União Europeia.
O SEF não respondeu às perguntas enviadas pelo i, mas fontes do serviço confirmam que os cruzeiros são cada vez mais utilizados como meio de transporte de imigrantes ilegais para a Europa. Desde logo, porque os preços dos bilhetes são baixos. Um camarote num cruzeiro vindo da América do Sul rumo aos portos europeus pode custar entre 1200 e 1400 euros e é dividido por vários imigrantes.
Além disso, o turismo de cruzeiro tem conhecido um grande aumento. Nos últimos cinco anos, o número de passageiros que passaram pelos portos portugueses subiu 58%. Segundo o mais recente Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo do SEF, em 2012 foram controlados mais de 2 milhões de turistas nos portos marítimos, número que representa um aumento de cerca de 300 mil pessoas face ao ano anterior. Um crescimento de quase 15%, apesar de o número de embarcações controladas pelo SEF ter caído 1,26%.
A imigração clandestina para Portugal por via marítima não é recente. Na última década, o SEF sinalizou clandestinos em embarcações, mas o fenómeno tinha contornos diferentes. Os imigrantes viajavam integrados nas tripulações de barcos de pesca, sobretudo vindos de África. Em 2005, ano em que o SEF fiscalizou 18 732 embarcações, foram instaurados 106 processos por auxílio à imigração ilegal. Por norma, os imigrantes africanos viajavam sozinhos, dando as famílias como garantia aos passadores nos países de origem. Um passaporte para a Europa num barco de pesca podia custar entre 600 e 1500 euros e a dívida só era paga depois de os imigrantes encontrarem trabalho em território europeu.
Plataforma O último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) voltou a chamar a atenção para o papel de Portugal no contexto das rotas da imigração ilegal. O documento sublinha que em 2012 até se registou uma ligeira diminuição do fenómeno - culpa da crise económica na Europa. Ainda assim, Portugal continua a ser uma das principais portas de entrada da imigração ilegal, que tenta chegar a países como a Alemanha. "A consolidação de Portugal como plataforma de trânsito para diversos destinos dentro do Espaço Schengen (bem como para outros destinos) para imigrantes oriundos dos continentes sul-africano e sul-americano resulta da convergência de três factores que se inter-relacionam: posição geoestratégica, relacionamento histórico e político com alguns países das principais origens", explica o relatório.
A maioria dos ilegais chega por via aérea. A ligação Bissau-Lisboa, explicam fontes do SEF, era uma das mais problemáticas e foi suspensa a seguir ao caso dos 74 sírios que chegaram em Dezembro a Lisboa com documentos falsos. A suspensão, porém, não resolveu o problema. "Agora os imigrantes provenientes de países como a Síria voam até Casablanca, em Marrocos, onde apanham o avião para Portugal", conta um inspector. A ligação directa entre Lisboa e o Dubai também levantou problemas de segurança, tendo sido detectados casos de fraude documental relacionados com imigrantes de países do Médio Oriente. As rotas provenientes de Dakar (Senegal) e de Bamako (Mali) também são consideradas problemáticas, bem como os voos a partir de Istambul.
Já a ligação Atenas-Lisboa é frequentemente utilizada por imigrantes dos Balcãs que tentam chegar, a partir de Portugal, a países como o Canadá. Ultimamente, segundo as mesmas fontes, os voos vindos do Brasil têm merecido maior atenção. "Imigrantes de países como a Índia, o Paquistão e o Bangladesh viajam até ao Brasil para aproveitar as ligações frequentes com Lisboa", explica um inspector.
Devolvidos Segundo um relatório publicado ontem pela Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, Portugal é um dos poucos países europeus que não punem criminalmente os imigrantes em situação irregular. Em Itália, por exemplo, um ilegal pode ser multado até 10 mil euros e há países em que a pena de prisão pode variar entre um mês e cinco anos. Por cá, os imigrantes ilegais são devolvidos aos países de origem e cabe ao Estado português pagar-lhes as viagens.
Assim que o SEF detecta um passageiro inadmissível (que não reúne condições para poder entrar em Portugal), seja num aeroporto seja num porto, o viajante é entregue ao comandante do avião ou do navio, que fica encarregado de o transportar de volta. "Depois fazem--se contactos diplomáticos através das embaixadas, avisando que vão chegar clandestinos", conta uma fonte do SEF. Outro inspector garante, porém, que "raramente" há confirmação de os passageiros clandestinos terem chegado ao país de onde vieram.