Cláudia Bancaleiro e Sérgio Aníbal, in Público on-line
Índice de Gini baixou em 2012, mas diferencial de rendimentos entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres aumentou. O indicador de risco de pobreza subiu para o valor mais alto desde 2005.
Um estudo publicado este mês pelo FMI, que defendia que Portugal tinha sido um dos países em que a austeridade mais tinha poupado os de menores rendimentos, relançou o debate: estaria a desigualdade de rendimento em Portugal a aumentar ou a diminuir desde a chegada da troika ao país?
Os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE) para 2012 publicados nesta segunda-feira não dão apenas uma resposta a esta questão. Se, por um lado, o índice de Gini – o indicador mais usado para medir a desigualdade dos rendimentos – diminui em 2012 face a 2011, outros indicadores, como a diferença de rendimentos entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, voltam a alargar-se.
Estes dados, à primeira vista contraditórios, o que mostram é que, no Portugal atingido pelas medidas de austeridade, os rendimentos tornaram-se cada vez mais iguais nos escalões intermédios, mas ficaram mais distantes uns dos outros nas extremidades, ou seja, entre os muito ricos e os muito pobres. Este cenário é ainda reforçado pelo aumento do número de pessoas em risco de pobreza em 2012 e pelo acréscimo do indicador de privação material em 2013, dados também revelados agora pelo INE.
Carlos Farinha Rodrigues, economista que se tem dedicado às questões da pobreza e desigualdade, dá uma explicação para a diferença na evolução entre o índice de Gini e os outros indicadores de desigualdade. “Observou-se em 2012 uma igualização dos rendimentos na parte central da distribuição. Mas nas classes de rendimento menos dependentes dos salários e das pensões – os mais ricos e os mais pobres – as disparidades aumentaram”, afirma.
O índice de Gini, que leva em consideração todos os escalões de rendimento, tinha subido de 34,2% para 34,5% em 2011, mas regressou em 2012, ano de aplicação de fortes medidas de austeridade, para 34,2% (uma diminuição representa uma redução da desigualdade). No entanto, os 10% mais ricos ganham agora mais 10,7 vezes que os 10% mais pobres, quando esse diferencial era, em 2011, de dez vezes.
Segundo este especialista, este alargamento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres “deve-se às reduções registadas em prestações como o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o Complemento de Solidariedade para Idosos”, a par da subida do desemprego provocada pela recessão económica.
O facto de, entre os escalões intermédios de rendimento, se ter registado um recuo da desigualdade encontra explicação naquilo que foi dito pelo FMI no seu recente relatório sobre este tema. As medidas de austeridade aplicadas em Portugal – nomeadamente nos salários da função pública e nas pensões – tiveram uma característica de progressividade. Isto é, a percentagem de corte aplicada foi mais alta quanto maior era o rendimento sobre o qual incidia. Foi assim que se operou uma igualização dos rendimentos na classe média. O FMI também assinalava no seu relatório que os cortes nas prestações sociais não tiveram a mesma característica de progressividade, afectando particularmente os mais pobres.
Agravamento da pobreza
Onde parece não haver duas leituras possíveis é na evolução da pobreza. A taxa de risco de pobreza em Portugal – que mede o número de pessoas que vivem com menos de 60% do rendimento mediano em Portugal – aumentou em 2012 para 18,7%, ou seja, afectava quase dois milhões de portugueses, segundo os dados recolhidos pelo INE. Esta é a taxa mais elevada desde 2005 e representa uma subida face aos 17,9% de 2011.
Esta evolução é ainda mais preocupante se se levar em conta que o limiar do risco de pobreza agora considerado se tornou ainda menos exigente do que em 2011, uma vez que se registou, em termos globais, uma redução dos rendimentos em Portugal. Para entrar nesta contabilidade, uma pessoa tinha de receber menos 4904 euros anuais, ou seja, pouco mais de 400 euros por mês. Estes valores representam uma quebra relativamente aos valores de 2011: 4994 e 416, respectivamente.
No relatório do INE, calcula-se quanto é que seria a taxa de risco de pobreza, caso se considerassem os rendimentos medianos de 2009 (apenas actualizados com a inflação). Nesse caso, o indicador teria subido de 20,1% em 2011 para 22,4% em 2012.
A taxa de risco de pobreza para as famílias com crianças dependentes subiu para 22,2%, contra os 20,5% de 2011. A maior incidência revelou-se nas famílias monoparentais com um filho a cargo (33,6%) e nas famílias constituídas por dois adultos e três ou mais crianças (40,4%) e por três ou mais adultos com menores (23,7%).
Depois dos menores e das famílias com filhos, os desempregados estão entre os que mais arriscavam em 2012 uma situação de pobreza, como uma taxa de 40,2%, que compara com os 38,3% do ano anterior.
Outro indicador de pobreza (que tem a vantagem de não depender do rendimento médio da população) é o que mede a privação material das pessoas. O INE faz um inquérito em que avalia de que modo é que as pessoas conseguem satisfazer necessidades que vão da compra de roupa nova até às condições da habitação, passando pela possibilidade de ter momentos de lazer. Neste caso, já há dados para 2013.
No ano passado, 25,5% dos residentes em Portugal viviam em privação material, mais 3,7 pontos percentuais do que em 2012 (21,8%), enquanto 10,9% da população estavam em privação material severa, ou seja, existiam famílias sem acesso a pelo menos quatro dos itens considerados pelo INE.
Para Carlos Farinha Rodrigues, os dados agora publicados são “a fotografia mais completa e consistente do impacto da austeridade na pobreza e na desigualdade” e os números registados “são extremamente preocupantes”, nomeadamente no que diz respeito ao aumento da pobreza entre as crianças e os jovens. Para este economista, o que se está a assistir é “uma completa inversão do ciclo de redução da pobreza que se tinha verificado atá 2009”.