26.3.14

Adriano Moreira. Falta a Portugal um conceito estratégico nacional

in Online

A inclusão do ensino e da investigação científica e técnica como matérias decisivas do conceito de estratégia nacional tinha já sido antes sublinhado na sua intervenção

O professor e ensaísta Adriano Moreira advertiu hoje durante um debate em Lisboa que falta a Portugal, desde 1974, um "conceito estratégico nacional", que não deve ser confundido com a “teologia do mercado”.

O académico, 91 anos, presidente do Instituto de Altos Estudos da Academia de Ciências de Lisboa foi o orador convidado num almoço-debate promovido pelo “International Club of Portugal” com o tema “Conceito Estratégico Português”.

Ao frisar as diferenças face ao conceito estratégico de segurança e defesa, para o qual existem duas formulações, Adriano Moreia considerou, à margem do debate, que o conceito estratégico nacional deveria surgir previamente, por significar “a definição dos valores espirituais e materiais que são fundamentais para que a identidade portuguesa se mantenha e o seu lugar, com igual dignidade na comunidade das nações, seja mantido”.

O professor e ensaísta, que se dirigiu a uma plateia onde predominavam empresários, embaixadores e responsáveis políticos como o veterano dirigente do PS Almeida Santos, considerou que não houve preocupação em Portugal com este aspeto, um “descuido” onde o país é “acompanhado pela União Europeia (UE), que também não tem conceito estratégico próprio”.

A UE “vive naquela hesitação de objetivo final e o meu receio é que se a UE não resolver essa hesitação a voz da Europa deixa de ser ouvida no globalismo em que vivemos”, afirmou.

Apesar de admitir que Portugal sempre necessitou de “apoio externo” para garantir uma “posição de igual dignidade na comunidade das nações” e de reconhecer que “neste momento esse único amparo é a UE”, Adriano Moreira considerou que Bruxelas não possui um conceito estratégico definido, um projeto cada vez mais difícil de definir devido aos sinais de divisão internos entre alguns Estados-membros, e que se “multiplicam”.

Assim, defendeu que o país deve valorizar o que definiu como “janelas de liberdade de Portugal”, numa referência à Comunidade dos Países e Língua Portuguesa (CPLP) e à extensão da plataforma continental.

“Insisto nisso, e devo dizer que o público geral não sabe, que além de investigações de serviços oficiais, as próprias universidades em que destaco, sem querer cometer injustiças, a de Aveiro, do Algarve e dos Açores, têm aumentado os nossos conhecimentos de uma maneira extraordinária. Só que não faz parte do programa de nenhum partido”, afirmou.

A inclusão do ensino e da investigação científica e técnica como matérias decisivas do conceito de estratégia nacional tinha já sido antes sublinhado na sua intervenção.

“Pertencem à soberania definida para o século sem bússola em que estamos a viver, e não a teologia do mercado que ameaça todas as estruturas indispensáveis e a esperança da comunidade pelo abandono do conceito de Estado social”, assinalou.

Adriano Moreira insistiu na "necessidade indispensável, inadiável”, de formular um conceito “que não temos desde 1974, que não se confunde com a teologia de mercado, o neoliberalismo repressivo e a limitação do projeto a um orçamentalismo que lembra a ética do pirata em toda a Europa, incluindo a que não tem fronteiras marítimas”.

O académico disse que a “abundância de conceitos estratégicos e de defesa nacional” coincide com o “enfraquecimento progressivo do aparelho militar terrestre, aéreo, naval, com o habitual abuso da semântica a tornar difícil a visibilidade da situação real de Portugal, exíguo, exógeno, em protetorado”.

Para Adriano Moreia, como frisou com particular ênfase na intervenção, uma “estratégia integrada” que possa “definir, esclarecer e fortalecer” o conceito estratégico de segurança e defesa constitui “base indispensável para conseguir o consenso, até hoje impossível, das forças políticas sobre a maneira portuguesa de estar no mundo, isto é, o interesse nacional por todos participado”.

No final, arriscou abordar o atual estado do mundo e as perspetivas para o futuro. “Juízos de certeza são impossíveis, juízos de probabilidade são uma audácia, juízos de possibilidade obrigam-nos a estar sempre à espera que apareça aquele cisne negro a que se referiu [Karl] Popper, e que nos impede de dizer que todos os cisnes são brancos”.

E concluiu: “A única coisa que posso dizer é que na minha convicção o imprevisível está à espera de uma oportunidade.