26.3.14

O centro da crise

in Diário de Notícias

O Instituto Nacional de Estatística (INE) acaba de apresentar o retrato mais atualizado da qualidade de vida em Portugal. Os valores reportam a 2012 e espelham, com a crueza dos números, as extremas dificuldades - com tendência de agravamento - das condições de vida de um conjunto muito amplo de portugueses.

E confirmam o desemprego como o epicentro do verdadeiro terramoto social que esta crise de dívida pública e de competitividade da economia tem vindo a provocar em Portugal, ao longo dos últimos anos.

Constatar que quatro em cada dez desempregados arriscam cair na pobreza é um grito de alarme, por várias razões. Desde logo, porque se tem reduzido o apoio aos desempregados, de 2012 até hoje, com o efeito cumulativo desastroso de termos agora maior número de portugueses em idade de serem ativos e produtivos, atirados para a condição degradante de desempregados de longa duração. A passagem do tempo passou a funcionar contra eles: encurtam-se os subsídios e a sua duração, mas não se agilizam soluções de nova empregabilidade. Segundo o INE, feitas as contas, há 350 mil portugueses ameaçados de pobreza (com rendimento inferior a 400 euros por mês), mas essa sombra estende-se aos seus agregados familiares, ascendentes e descendentes (com a agravante de existirem 13 mil famílias com os dois adultos desempregados). Esta é a verdadeira emergência social, profundamente enraizada na sociedade, que se estende a dois milhões de habitantes deste país.

As condições de sustentabilidade do crescimento económico, de que fala o Governo e centra as atenções das jornadas parlamentares do PSD, parecem ser difíceis e lentas de alcançar: a ministra das Finanças admite poder, neste ano e nos dois próximos, reduzir em meio ponto percentual a taxa anual do desemprego. Esse valor representa tirar menos de 30 mil trabalhadores dessa lista negra ao ano, quando há mais de 800 mil à procura de emprego.

O tempo corre contra os marginalizados. A pobreza - a este ritmo - alastrará nos próximos anos. É urgente um grande debate - 40 anos após o 25 de Abril! - sobre o fortalecimento da economia, com inclusão e melhoria social. Ou será que os portugueses querem um país com empresas mais prósperas e uma população mais pobre?

A extrema-direita

Dois anos após subir ao poder, o Presidente francês François Hollande e o Partido Socialista receberam um cartão amarelo do eleitorado na primeira volta das municipais, no último fim de semana. Proporcionalmente, o grande vencedor - embora haja que ter em conta a segunda volta do próximo fim de semana - foi a Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen. Partido antieuropeu e anti-imigração, a FN conseguiu inclusive afirmar-se em municípios operários onde faria sentido que ganhasse a esquerda.

Esta vitória da extrema-direita em França deve constituir um sério alerta para os políticos europeus. Tanto mais que, recentemente, a extrema-direita conseguiu na Suíça, um outro país europeu que não da UE, fazer aprovar quotas para a imigração. O cavalgar da FN em França revela que os partidos tradicionais - PS e UMP - não dão resposta aos problemas e aspirações do eleitorado. Causticados pela crise financeira, os eleitores já não confiam nos partidos que os têm governado e deixam-se convencer pelos demagogos. Receita que se pode aplicar a qualquer país europeu.