13.3.14

'O Papa é revolucionário'

Rosa Pedroso Lima,
in Expresso


Mário Soares, Maria de Belém, Arménio Carlos, Carlos Gonçalves, Carlos Silva, Santana Lopes e José Manuel Pureza falam sobre o primeiro ano de pontificado do Papa que veio "do fim do mundo". Leia os depoimentos.

Mário Soares, ex-Presidente da República

"É o Papa mais notável entre todos os que conheci"

"Não sou religioso, mas considero este Papa excecional. Merece a consideração e o interesse de todas as pessoas de bem, religiosas ou não. É um Papa notável, o mais notável entre todos aqueles que conheci ao longo da minha vida, que já é longa.

É um Papa extraordinário, em primeiro lugar porque é o Papa dos pobres, das pessoas que não são religiosas, ou que têm outra religião, conseguindo falar com toda a gente e fazendo a sua defesa.

Tem uma perceção muito séria do que corre mal no mundo. Diz, por exemplo, que a austeridade mata - e é verdade. Está a matar Portugal e muitos outros Estados.

É um Papa que fala com protestantes, católicos, ateus e não ateus da mesma maneira, que acha que são todos filhos de Deus e por isso os considera a todos por igual.

Para mim, há duas pessoas no mundo excecionalíssimas - o Papa Francisco, que, sendo jesuíta, optou por ser franciscano ao adotar o nome de Francisco; e Barack Obama. São ambos figuras muito interessantes e importantes no mundo de hoje, tão complexo e difícil.

Este Papa deve ser respeitado por toda a gente, crentes e não crentes. Gosta dos pobres e humildes, tem consideração pelas mulheres e está a mudar o Vaticano aos poucos. Não quer a corrupção e isso é qualquer coisa que me cai bem."


Maria de Belém Roseira, presidente do Partido Socialista e católica

"Foi um ano revolucionário"

"Este primeiro ano de pontificado do Papa Francisco foi um ano fantástico. Podia até chamar-lhe 'revolucionário'. Porque o Papa reconduziu a Igreja ao seu sentido inicial, de viver para as pessoas e não para si própria. Porque veio trazer alegria, que é igualmente um retorno à matriz original do Evangelho. Porque alargou o seu discurso à noção de que a Igreja tem de se adaptar às necessidades das pessoas e não ser contra elas. Esta Igreja alegre, séria e defensora da sociedade da comunhão vai contra a ideia de uma hierarquia que apenas castiga. O Papa é revolucionário pela coragem de regressar à raiz do cristianismo.

Desde o próprio dia inicial que o Papa Francisco marcou a diferença. Mas a viagem inicial a Lampedusa foi muito emblemática, como também o foi a sua exortação apostólica 'Evangelii Gaudium'. O Papa sublinha a importância do Evangelho para a prática de uma religião com coração, mas também que é capaz de denunciar esta economia que se transformou num autêntico deus, esmagador e predador das pessoas. Este discurso é importantíssimo, porque apela à redução das desigualdades e afirma a desconfiança numa espécie de caridade, sem sacrifício nem dor. Nesse aspecto, o Papa repesca toda a doutrina social da Igreja, que afirma que a riqueza é de todos.

Numa das 'Conferências do Casino', Antero de Quental afirmou que 'o Cristianismo é sentimento, a Igreja é organização'. A organização passou a ser tão grande que a Igreja esqueceu o seu trabalho. O Papa está a reconduzi-la para a sua missão iniciática, como prática e responsabilidade de todos os cristãos. E retira a ideia do pecado apenas das questões da moral sexual, para assumir como pecado todas as atitudes que impedem os Homens de viver com dignidade."


Arménio Carlos, secretário geral da CGTP

"É uma mensagem positiva, mas é preciso passar das palavras aos atos"

"O Papa Francisco trouxe uma mensagem, que afirma a prioridade na defesa dos interesses dos mais desfavorecidos e dos mais pobres e faz uma chamada de atenção ao mundo sobre a tirania do capitalismo. É uma mensagem positiva e que faz uma rutura com a mensagem tradicional da Igreja.

Mas importa passar das palavras aos atos. Interessa abrir perspectivas de mudança, porque não basta ficar pela mensagem. Importa dar sinais sobre a necessidade de dignificar os trabalhadores, de valorizar o trabalho e de assegurar a efetivação de um conjunto de princípios que têm uma relação direta com os direitos humanos.

As palavras do Papa têm necessariamente um grande impacto, sobretudo numa Igreja marcada por uma postura tradicionalmente conservadora. Mas esta mensagem de progresso e de justiça social confronta-se com as contradições internas da própria Igreja e com os lobbies instalados. O grande desafio é fazer com que os apelos de viragem para os pobres e a mensagem de rompimento com o passado conservador se traduzam em respostas concretas assumidas dentro da própria Igreja.

Por último, o apelo à irreverência feito pelo Papa é muito importante. Num quadro muito difícil como aquele em que vivemos, é um apelo ao combate à resignação. Porque a mudança é o desafio de que mais precisamos."


Carlos Gonçalves, membro da comissão política do comité central do PCP

"Há uma nova esperança de que a Igreja se aproxime dos explorados"

"Para muitos católicos, incluindo membros do PCP, há uma nova esperança de que a igreja se aproxime dos explorados e oprimidos e se bata aqui e agora pela justiça social.

A Igreja Católica decidirá o seu caminho. Bom seria que esse percurso fosse cada vez mais comprometido com o progresso de toda a humanidade."


Carlos Silva, líder da UGT

"O Papa trouxe o afecto de um pai"

"A Igreja católica apostólica romana necessita de uma reforma que a aproxime mais das pessoas, que a transfigure sem a macular, tornando-a mais transparente, e menos hermética, aos olhos de todos quantos acreditam na palavra e nos textos canónicos e se identificam com a Sua mensagem de paz e amor, através do culto, da fé, da esperança e da caridade - virtudes reconhecidas pela Igreja como essenciais na prossecução dos princípios que advoga e cultiva.

O facto de serem homens a governá-la desde sempre, e a sua imagem terrena e humana, torna-a falível para quem, em pleno século XXI, faz do conhecimento, da democracia e das liberdades uma arma, que contesta, põe em causa, desconfia de tudo quanto se auto-intitula "infalível" e "dogmático". No nosso tempo a Igreja está mais exposta do que sempre esteve à crítica, muitas vezes mordaz e impiedosa, mas tantas outras vezes dentro da razão.

Os escândalos tão escondidos da pedofilia para uma organização que condena a homossexualidade, o impedimento do acesso das mulheres ao sacerdócio, a condenação de práticas mundanas, que há alguns séculos eram alvo de sentença de morte, mas hoje estão banalizadas e até aceites por muitas democracias, são questões que devem fazer a Igreja repensar o seu papel evangelizador e difusor de uma mensagem com dois mil anos, mais adequada à modernidade.

Os dois anteriores Papas trouxeram ao mundo uma mensagem de proximidade, palpável, de alguém que ao longo de séculos foi considerado infalível e controlador do poder político, senhor da guerra e da paz, mas hoje um cidadão cuja diferença dos restantes e a função que ocupa, escolhido de entre os seus pares, de forma relativamente democrática, sem a auréola divina e santificada. Um homem como os outros, que sofre, que adoece, que mostra ao mundo que é um ser humano.

Mas Francisco trouxe mais. Trouxe o afecto de um pai ou de um avô, capaz de ser próximo, tocado e sensível, mas simultaneamente desinibido na forma como aborda matérias que até agora, só o facto de poderem ser proferidas, se transformavam num escândalo.

A substituição de homens da Igreja suspeitos de corrupção, indiciam por parte de Francsico, a vontade de afastar da gestão da coisa material quem profana o sagrado dever da honradez e da seriedade. A sua abordagem sincera do mundo do trabalho e a existência e a luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores, na senda do que foi defendido por Leão XIII em 1891, quando se instituiu a doutrina social da Igreja, vem dar mais um contributo sério sobre o papel dos políticos na satisfação das necessidades das pessoas que os elegem para os governar, e que afinal se auto-governam.

São palavras que, vindas de quem vem, assumem um significado mais do que simbólico, pois são farpas dirigidas a todos quantos, no alto do seu efémero pedestal do poder político, se arrogam o direito de maltratar os seus concidadãos, invocando necessidades que so eles vêem, para combater inevitabilidades que só eles determinam e antecipam.

Fiquei satisfeito com a lucidez do Papa Francisco, pois o seu próprio país natal e o seu povo argentino sabem bem avaliar a maléfica intevenção das políticas de austeridade do FMI e de outras instâncias financeiras internacionais, sempre contra os povos e os seus direitos tão arduamente conquistados, à custa de muito sangue, suor e lágrimas.

E as palavras do Papa a exigir maior solidariedade e apoio a quem sofre deveriam poduzir eco nos governantes deste mundo. Oxalá mantenha o seu verbo ao serviço dos que menos tem e menos podem.

A sua voz pode alimentar a resistência passiva de quem tem que rejeitar a opressão e a humilhação de ser condenado, democraticamente, à pobreza. Francisco - o seu trabalho e a sua intervenção são um suplemento de energia e de força anímica aos trabalhadores, tal qual como se de um sindicalista, ainda que de almas, se trate."


Pedro Santana Lopes, ex-primeiro ministro

"A figura de um Papa é uma inspiração"

"Faz um ano que o Papa Francisco assumiu o papel de Chefe da Igreja Católica. Tenho lido e acompanhado muito do que o Papa Francisco tem dito. Gosto, no geral, da sua linha de pensamento e do modo como exprime a doutrina da Igreja.

A sua forma de comunicar, simples e directa, e o uso das novas tecnologias para potenciar a sua mensagem, será talvez aquilo que mais entusiasmou as pessoas neste seu primeiro ano de Pontificado. Quanto a grandes reformas ainda é cedo para fazer qualquer tipo de balanço, até porque este tipo de processos exige moderação, muita ponderação e tempo.

Penso que a figura de um Papa é uma inspiração e deve estar situada nesse nível. Um Papa carrega a esperança de ser um agente de transformação neste mundo, através dos seus gestos e palavras que permitem aproximar as pessoas à Igreja e a encontrar a sua Fé.

Com milhares de pessoas a atravessarem momentos tão difíceis, é importante que a Igreja esteja próxima, sobretudo, daqueles que mais necessitam, com generosidade e sem ostentação. Esperemos que continue com este pontificado de Fé e Esperança. O mundo bem precisa."

José Manuel Pureza, dirigente do Bloco de Esquerda e católico

"Francisco inspira confiança e traz a força do testemunho"

"Um ano de pontificado do Papa Francisco tiveram, para mim, três coisas muito importantes. A primeira, é o facto de "a forma ser o conteúdo". Isto é, todo o conjunto de gestos deste Papa - espontâneos ou ensaiados, pouco importa - mostram uma informalidade e uma proximidade muito grande com as pessoas mais variadas, o que representa uma agenda e uma marca clara da forma de ser pastor.

Em segundo lugar, o facto de vir "do fim do mundo". Esta frase, que lhe deve ter saído do coração no momento em que falou ao mundo, é importante porque é o retrato de um homem que não encarna a matriz tradicional de quem governa a Igreja, mas que vem de uma experiência de periferia. É um homem que vem desse mundo, que traz essa experiência da pobreza funda, das assimetrias e que por isso não se quer ver, nem se vê a si mesmo como um príncipe da Igreja. Daí ter prescindido dos aposentos papais, afirmando-se como um habitante transitório, um inquilino passageiro da Santa Sé.

Finalmente, foi um ano clarissimamente marcado pela concretização do nome que trouxe para Papa: Francisco, de São Francisco de Assis. Este Papa trouxa a proposta de por os pobres no centro da vida da Igreja e que é essa a maior tarefa de evangelização que a Igreja tem pela frente. A meta não é a de reevangelizar a Europa, ou de instituir um conjunto de regras e de normas. É a de converter a própria Igreja. No "Evangelii Gaudium" o Papa usa palavras deliberadamente fortes para mostrar que há uma voz forte e inequívoca contra um sistema económico que produz pobres. E isso, acrescenta o Papa, é "uma vergonha".

Francisco é um homem que inspira confiança e que traz a força do testemunho. É uma resposta forte aos anseios das pessoas do nosso tempo."