23.7.21

O teletrabalho foi bom ou mau? Patrões e trabalhadores em desacordo

Victor Ferreira, in Público on-line

Inquérito nacional a 4600 pessoas e 100 empresas evidencia que há mais empresas a dar nota negativa à produtividade e apostadas no regresso ao escritório.

Na vida de uma empresa, há duas coisas garantidas: impostos e diferenças de opinião. E no que toca ao teletrabalho, as opiniões dificilmente poderiam ser mais díspares.

Num inquérito nacional envolvendo uma amostra com 4600 pessoas e 100 empresas, 63% dos trabalhadores dizem que a empresa ficou mais ou muito mais produtiva com o teletrabalho. Porém, apenas 26% dos patrões comungam dessa opinião. A maioria (53%) acha que ficou tudo igual.

Embora empresas e funcionários estejam de acordo sobre a boa transição do escritório para o trabalho remoto, e sobre as áreas que funcionaram melhor e pior no regime do teletrabalho, o consenso desaparece quando se trata de avaliar a evolução da produtividade.

Entre trabalhadores, apenas 7% dos inquiridos admitiram que a empresa ficou menos ou muito menos produtiva. Entre patrões, essa proporção foi mais do dobro, 16%.

Não admira por isso que haja mais empresas com pressa num regresso ao escritório. Entre funcionários, 48% esperam voltar até ao Outono, com pelo menos 50% do tempo no escritório, ao passo que esse cenário é esperado por 79% das empresas.

Há uma percentagem menor de empresas (13%) que acham que esse regresso só acontecerá em 2022. Por outro lado, há 14% de trabalhadores que esperam nunca ter de voltar a passar pelo menos metade do tempo no escritório.

Também há pontos de vista muito distintos sobre como melhorar a eficiência do teletrabalho no futuro.

Os trabalhadores pedem material de escritório, um dia de trabalho flexível, ajuda na gestão do volume de trabalho e um apoio nas despesas domésticas (que terão um acréscimo de 189 euros em material de escritório e uma despesa mensal de quase 70 euros em consumíveis e commodities). As empresas, por seu lado, planeiam dar ferramentas e tecnologias de suporte, formação para a eficiência, material de escritório e formação a gerentes.

O inquérito foi realizado pela consultora PwC em Portugal. Em termos de amostra, a idade média é de 44 anos e 57% são mulheres. Os sectores dos serviços estão em clara maioria, com destaque para a banca (14%), seguros (9%) e tecnologia-telecomunicações (9%). O turismo representa apenas 3% da amostra, tal como o sector público.

Além do balanço, o objectivo do estudo, cujos resultados foram apresentados há alguns dias, era avaliar as expectativas sobre o futuro do trabalho.


Antes da pandemia, apenas 11% das empresas tinham metade do pessoal em teletrabalho. Depois de 2020, passaram a ser 42%. As razões mais invocadas para continuar longe do escritório daqui em diante são atrair novos trabalhadores (27%), a saúde dos trabalhadores (26%) e a redução do tempo de deslocação (26%).

A vontade de continuar em trabalho remoto é especialmente forte entre funcionários. Apenas 2,1% dos inquiridos rejeitam esse regime, 56% querem três dias ou mais em casa e 81% querem pelo menos um dia de teletrabalho.
Sem posicionamento “sólido”

Nas empresas, ainda que 56% já tenham alterado as políticas de teletrabalho, prevejam adaptar ou adoptá-las, “não existe um posicionamento sólido quanto à aplicação do trabalho remoto à força de trabalho”, conclui a PwC.

O cepticismo, ou a prudência, nos sectores dos serviços é seguido de forma mais geral pelas empresas portuguesas de muitos outros sectores. Basta lembrar as palavras de um dos vice-presidentes da maior confederação patronal, a CIP, que em Maio considerava que o debate sobre teletrabalho estava “enviesado” para o tema dos custos e dos benefícios.

“Ninguém pode dizer que ganhou com o teletrabalho”, sustentou Armindo Monteiro, quando apresentou dados de outro inquérito, a 441 empresas, com forte presença das de grande dimensão em que apenas 33% dessa amostra aplicavam o teletrabalho.

No inquérito da PwC, apenas 1% das empresas diz que está melhor agora com toda a gente em trabalho remoto. A maioria acha que é preciso estar dois ou três dias na empresa para “manter a cultura da empresa”. Somente 9% consideram que a performance comercial não foi prejudicada e admitem, por isso, manter o nível de trabalho remoto ou, provavelmente, aumentá-lo.

Ainda que 30% das empresas achem que “não há como voltar atrás” e que a rotatividade no escritório e o trabalho remoto vieram para ficar, 31% de empresas preferem horários de trabalho limitados, porque se preocupam com a performance comercial.

Só ficam neste sistema porque acham que “as pessoas gostam, incluindo o talento futuro”. Mas há também 30% de empresas que vão voltar atrás e declaram que preferem regressar ao escritório “o mais rapidamente possível”. “Somos melhores presencialmente”, dizem.

Para os trabalhadores, o escritório é valorizado como espaço para cultivar relações, colaborar com equipas, celebrar conquistas. Aqueles que querem estar mais de metade do tempo na empresa valorizam igualmente de forma acentuada o acesso a equipamento.

Para as empresas, o escritório ajuda a promover a cultura interna (85%), permite uma colaboração eficiente (67%), fornece espaço de trabalho aos que não podem estar em remoto (59%) e espaços para reuniões com clientes (51%).

Um terço das empresas inquiridas (33%) espera reduzir o espaço de escritório. As principais razões para tal são o corte nos custos operacionais, aumento do número de pessoas em teletrabalho e o aumento da frequência no trabalho remoto.

Há 14% que esperam aumentar o espaço, para aumentar o distanciamento físico entre funcionários, ou porque esperam contratar mais pessoas e querem criar mais espaços de colaboração.

Dez por cento das empresas não decidiram ainda e preferem esperar para ver como evolui a situação sanitária, o negócio imobiliário e o ambiente laboral.