29.7.21

Idosos que usaram plataformas digitais para comunicar durante a pandemia sentiram-se mais solitários do que os que não tiveram qualquer contacto

in Visão

O estudo focou-se em adultos com idades superiores a 60 anos e verificou que quando comunicavam, sobretudo, virtualmente com a família e amigos, os benefícios para a saúde mental eram menores do que quem não tinha qualquer tipo de contacto

A pandemia de Covid-19 reduziu drasticamente o contacto físico entre as famílias, prejudicando, sobretudo, os adultos a partir dos 60 anos, por serem o grupo de maior risco. A maioria das pessoas manteve contacto com a família e amigos durante o isolamento através do telemóvel, por chamadas de vídeo, zoom e outras plataformas digitais, como forma de reduzir o isolamento.

Um estudo, publicado esta segunda-feira na Frontiers in Sociology, examinou como o contacto presencial e virtual entre famílias, bem como a combinação das duas formas de contacto, está relacionado com o bem-estar mental dos idosos durante a pandemia. Serviram-se de dados recolhidos entre 2018 e 2019 e em junho de 2020, dos mesmos indivíduos, para comparação com dados do Health and Retirement Study, nos EUA e da associação Understanding Society, no Reino Unido.

“Ficamos surpreendidos com a descoberta de que uma pessoa idosa que apenas teve contacto virtual durante o confinamento sentiu mais solidão e mais impactos negativos na saúde mental do que uma pessoa idosa que não teve contacto com outras pessoas”, afirmou Yang Hu, co-autor da investigação e especialista em sociologia da Universidade de Lancaster ao The Guardian.

Já vários estudos tinham relatado um aumento acentuado no sofrimento mental, distúrbios psiquiátricos e solidão nos Estados Unidos e no Reino Unido durante a pandemia. Mas os resultados desta investigação acrescentaram que o contacto presencial entre as famílias ajuda a manter o bem-estar mental dos idosos e que o contacto virtual não era uma alternativa qualitativamente equivalente.

Os dados mostraram um aumento significativo na solidão nos EUA e um declínio no bem-estar mental geral no Reino Unido depois do confinamento. Os três fatores que mais contribuíram para esta situação foram o facto de as chamadas e mensagens de texto geralmente serem insuficientes para simular o contacto cara a cara, a dependência do acesso à internet, dos recursos do dispositivo e do know-how tecnológico, que muitas vezes são estratificados devido às condições socioeconómicas e, por fim, o uso intensivo de tecnologia poder causar stress ou até mesmo levar ao esgotamento de quem não está tão à vontade para mexer com aparelhos tecnológicos.

No Reino Unido a escala de bem-estar mental geral diminuiu de 62,6% antes da Covid-19 para 46,3% durante a pandemia e nos EUA não houve grande alteração. Relativamente à solidão, 28,7% dos americanos ficaram mais solitários durante a pandemia, em comparação a 11,1% no Reino Unido. Portanto, o impacto negativo da pandemia e das medidas associadas sobre a solidão dos idosos parece ter sido maior nos Estados Unidos do que no Reino Unido.

“Não é apenas a solidão que piorou com o contacto virtual, mas a saúde mental geral. As pessoas estavam mais deprimidas, mais isoladas e sentiam-se mais infelizes como resultado direto do uso de tecnologia para comunicar”, acrescentou o especialista.

Por norma, no Reino Unido, as mulheres eram mais propensas do que os homens a depender apenas do contacto virtual com a família e nos EUA, o contacto apenas virtual foi relatado com mais frequência por aqueles que têm um curso superior, que trabalharam durante a pandemia e/ou são imigrantes. Curiosamente, em ambos os países, as pessoas que vivem sozinhas tendem a estar mais vezes fisicamente com a família, do que as pessoas que viveram com outras pessoas durante a pandemia.

Nos EUA, o contacto cara a cara mais frequente entre as famílias foi associado a um melhor bem-estar mental geral durante a pandemia, mas não foi associado a mudanças no bem-estar mental geral antes e durante a pandemia.

No Reino Unido, o contacto cara a cara frequente foi associado a um melhor bem-estar mental geral durante a pandemia e a um menor declínio do bem-estar mental após o início da pandemia.

As conclusões indicam que a pandemia prejudicou o bem-estar mental dos idosos, como evidenciado pelo notável aumento da solidão nos EUA e o declínio do bem-estar mental geral no Reino Unido e destacam que as interações entre as famílias são um recurso-chave para ajudar na manutenção da saúde psicológica dos mais velhos.

Em Portugal, de acordo com os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, 65,3% das pessoas com idades entre os 55 e 64 usou internet e 39% com idades entre os 65 e 74. A maioria utilizou este recurso durante o confinamento para comunicar e aceder a informação.