27.7.21

Apoio às escolas em meios desfavorecidos falha objetivos

Isabel Leiria, in Expresso 

Fosso entre os resultados dos alunos das escolas que recebem mais recursos e autonomia e os restantes não diminuiu em mais de dez anos do programa TEIP

É o mais importante e duradouro programa de apoio a escolas inseridas em meios economicamente desfavorecidos, onde o número elevado de alunos em risco de exclusão social e escolar justifica medidas de discriminação positiva, como a atribuição de mais professores e técnicos, recursos materiais e autonomia. Mas, apesar destes reforços, um dos principais objetivos deste programa de intervenção sobre os chamados “territórios educativos de intervenção prioritária” (TEIP) não tem sido alcançado: ao fim de 14 anos, os resultados dos alunos das escolas de ensino secundário apoiadas não só não se aproximaram das notas dos colegas da maioria das escolas públicas como até divergiram um pouco.

A conclusão resulta de um estudo de doutoramento realizado por Hélder Ferraz, orientado pelos professores da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto Tiago Neves e Gil Nata, ambos com trabalho de investigação nesta área. A originalidade da tese prende-se com a abrangência da avaliação sobre o programa TEIP: o investigador analisou todas as classificações internas (dadas pelos professores) e notas de exames atribuídas entre 2001/2002 e 2014/2015 (mais de 4 milhões de classificações do secundário), acompanhando a evolução das escolas antes, nas várias fases do programa, e em comparação com os restantes estabelecimentos de ensino.

O que se verifica é que se os pontos de partida são naturalmente diferentes — as condições socioeconómicas têm um impacto amplamente estudado no sucesso escolar —, eles chegam a divergir já com este programa em curso [ver gráficos]. Sobretudo nas notas nos exames. Isto apesar do volume de recursos financeiros e humanos investido ao longo de mais de uma década. Os TEIP tiveram uma primeira fase entre 1996 e 1999, com 35 escolas, e foram retomados em 2006, com o número de estabelecimentos a ser progressivamente alargado: hoje, abrangem 136 agrupamentos, onde se incluem 51 secundárias, integrando cerca de 15% dos estudantes matriculados no sistema educativo. E o Governo vai lançar a fase 4 deste programa.

Há que ressalvar que a melhoria dos resultados escolares não é o único objetivo. Mas é uma das metas, e muito relevante, já que das notas depende a transição entre níveis de ensino e o acesso ao ensino superior, que continua a ser um garante de melhores rendimentos e estabilidade no emprego. E o que também se verificou foi uma diminuição relativa no número de exames nacionais realizados nas escolas TEIP. O que significa que a percentagem de estudantes nestas escolas a candidatarem-se ao ensino superior também caiu. Uma das estratégias encontradas tem sido o recurso aos cursos profissionais como alternativa para os estudantes com maiores dificuldades. E depois é difícil estes alunos chegarem à universidade.

Além da análise quantitativa das classificações, Hélder Ferraz fez uma seleção de escolas para perceber as estratégias postas em prática e quais demonstraram ser mais eficazes. Mas aqui surgiram outras duas constatações não muito abonatórias: “Uma análise feita escola a escola a partir de vários indicadores escolares (exames, retenção, abandono) não permitiu encontrar uma única com um percurso inequívoco de sucesso (entendido como aproximação sistemática e consistente às restantes escolas públicas) ao longo do tempo.”

ESTRATÉGIAS IGUAIS

Perante esta constatação, a análise mais qualitativa acabou por incidir em meia dúzia de escolas, umas com progressão positiva e outras negativa. A principal conclusão, a partir de entrevistas com os respetivos diretores, foi a de que os estabelecimentos tendem a não adotar diferentes estratégias. Pelo contrário, aplicam “soluções similares entre si e onde não é clara a relação com as características de contexto”.

Outro dado assinalado pelos professores remete para uma tensão e dificuldade de aproximação entre escolas e famílias, com estas a demonstrarem pouco reconhecimento pelo trabalho dos docentes e baixas expectativas em relação ao percurso escolar dos seus filhos, e as primeiras a transferirem a responsabilidade do insucesso para os estudantes. Nestas escolas, uma percentagem relevante de crianças e jovens não tem o Português como língua materna, muitas são apoiadas pela ação social escolar e as suas famílias dependem do rendimento social de inserção.

Ainda assim, assinala o investigador, há uma “opacidade” em torno dos TEIP que não permite conhecer, por exemplo, os indicadores socioeconómicos que levam uma escola a integrar ou não o programa e os critérios que determinam os recursos a alocar a cada uma. Mesmo em relação às verbas envolvidas, suportadas sobretudo por fundos comunitários, é difícil ter acesso a números. Um anúncio de concurso para o triénio 2018/19-2020/21 previa €44 milhões só para escolas da região Norte

A falta de eficácia deste tipo de programas não é um exclusivo nacional e foi detetada também por estudos feitos nos EUA, em França ou no Reino Unido. Hélder Ferraz reconhece a injustiça de colocar na escola a responsabilidade de transformar uma sociedade onde as desigualdades a montante são muitas. E admite que só em conjunto com outras políticas redistributivas e sociais a exclusão pode ser combatida. Mas também defende que tal não deve levar à resignação nem desistir de encontrar outras medidas que permitam à educação compensar as desigualdades sociais com mais sucesso. “Embora os resultados apurados apontem para um insucesso generalizado ou para ganhos pouco animadores, a insistência em programas de educação compensatória tem-se mantido, o que reforça a urgência de avaliações que contribuam para refletir sobre o caminho percorrido, os resultados alcançados e para repensar o modelo”, conclui.