Samuel Silva, in Público on-line
Resultados internos e nos exames nacionais em escolas TEIP estão cada vez mais longe dos das restantes, aponta um trabalho pioneiro de um investigador da Universidade do Porto.
O fosso entre as escolas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) e as restantes acentuou-se, apesar do investimento feito neste programa nacional destinado a estabelecimentos de ensino em contextos desfavorecidos. Uma investigação pioneira de Hélder Ferraz, no âmbito do seu doutoramento na Universidade do Porto, mostra como as notas internas e dos exames nacionais do ensino secundário em ambos os grupos de escolas se foram afastando ao longo dos anos.
“Os resultados das análises realizadas demonstram que as escolas TEIP não têm conseguido aproximar os resultados escolares dos seus estudantes dos obtidos nas escolas públicas não-TEIP”, sublinha ao PÚBLICO Hélder Ferraz. Pelo contrário. Ao longo de quase década e meia, as médias dos alunos das escolas desfavorecidas pioram ligeiramente, enquanto para os outros colegas as notas melhoram.
Esta análise tem em conta dados de toda a população escolar, ao longo de um período de 14 anos, entre os anos lectivos de 2001/02 e 2014/15. O programa TEIP foi reintroduzido em 2006, pela ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues, depois de ter sido testado pela primeira vez nos anos 1990, também num Governo do PS. Actualmente é integrado por 136 escolas e agrupamentos. Cerca de um terço tem oferta de ensino secundário, que é o nível de ensino sobre o qual se debruça este estudo.
O estudo analisa duas classes de resultados. Nas notas internas, aquelas que são atribuídas pelos professores, os alunos das escolas TEIP obtinham, em 2001/02, uma média de 13,00 valores. Em 2006/07, quando o programa é reintroduzido, as classificações tinham baixado para 12,97. Em 2014/15, a média estava fixada em 12,99.
No mesmo período, os resultados das escolas não-TEIP evoluíram de 13,11 para 13,54 – a média estava nos 13,24 valores no ano em que o programa foi reintroduzido. Ou seja, a diferença entre os alunos dos dois grupos de escolas aumentou de 0,11 para 0,55 valores ao longo de quase década e meia.
Olhando para as notas nos exames do ensino secundário, a tendência é semelhante. No início do século, os alunos das escolas TEIP tinham uma média de 9,14 valores nas provas nacionais, ao passo que os colegas de escolas não-TEIP tiravam 9,51. Passados 14 anos, os resultados dos estudantes das escolas desfavorecidas tinham baixado (média 8,87), enquanto os restantes colegas melhoraram (9,81). Assim, a diferença entre os dois grupos passou de 0,37 para quase 1 valor (0,94).
Mais: numa análise posterior, que, além das classificações internas e nos exames nacionais, considerou um conjunto de indicadores alargados como as taxas de retenção e desistência, os “chumbos” ou a progressão dos resultados às disciplinas de Português e a Matemática, “não vislumbrámos um único caso inequívoco de sucesso”, aponta Hélder Ferraz.
Os “dados objectivos” mostram que os resultados do programa TEIP “não são satisfatórios”, salienta o investigador, cujo doutoramento na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto foi aprovado no início do mês passado – naquela instituição, as teses não têm classificação qualitativa.
Grande parte da investigação de Ferraz foi publicada nos últimos anos em revistas científicas, em co-autoria com Gil Nata e Tiago Neves, pioneiros no estudo da inflação de notas no acesso ao ensino superior, que orientaram este trabalho.
As conclusões do investigador da Universidade do Porto chocam com o que tem sido a avaliação feita pelos Governos, que têm considerado o TEIP um programa de sucesso, responsável, por exemplo pela redução para mínimos históricos dos indicadores de abandono escolar precoce, conhecida no início deste ano.
O estudo de Hélder Ferraz é pioneiro. Os resultados dos estudantes de escolas TEIP nunca tinham sido avaliados ao longo de mais de uma década e em comparação com os colegas dos outros estabelecimentos de ensino público.
Falta avaliação
O investigador considera importante que os dados recolhidos na sua investigação sejam trazidos para debate público, suscitando “uma reflexão sobre o programa”. O TEIP, considera, “tem que ser repensado”. “Se o programa TEIP não está a conseguir melhorar o sucesso escolar e potenciar o acesso destes estudantes ao ensino superior, podemos estar a manter um ciclo de pobreza e de exclusão social, que não vai alterar a vida destes jovens de contextos tão difíceis”, acrescenta.
Para o investigador da Universidade do Porto, esta reflexão é ainda mais importante num momento em que o Governo anunciou que vai avançar para uma nova fase do programa TEIP – medida que integra o plano 21/23 para a recuperação das aprendizagens afectadas pela pandemia, que foi apresentado no início do mês passado. Esta quinta-feira, o Ministério da Educação anunciou que dez novos agrupamentos, situados nas regiões da Grande Lisboa e do Algarve, vão integrar o programa pelo facto de terem mais
de 20% de alunos migrantes.
O secretário de Estado Educação, João Costa, também admitiu recentemente que as escolas TEIP podem passar a ter mais autonomia para escolher os professores. De resto, o “selo” TEIP tem sido usado como referência para outros programas nacionais. Por exemplo, o plano nacional de combate ao racismo e à discriminação 2021-2025, apresentado em Abril, prevê a criação de um contingente especial para acesso ao ensino superior destinado precisamente a estudantes de escolas que integram o programa.
Hélder Ferraz lamenta ainda que o Ministério da Educação não tenha feito uma “avaliação sistemática” do programa que permita trazer mais dados para esta reflexão. Até ao final de 2020, havia apenas dois relatórios TEIP divulgados, apesar de a Lei estabelecer que esta avaliação deve ser publicada anualmente, como Ferraz apontou em vários artigos científicos publicados nos últimos anos. No final do ano passado, foram divulgados no site da Direcção-Geral de Educação os relatórios de 2012 a 2020.
O Ministério da Educação contrapõe que uma equipa de investigadores da Universidade Nova de Lisboa, coordenada por Vítor Teodoro, publicou em Setembro de 2019 um relatório onde apresenta a análise estatística da evolução de resultados nas escolas TEIP, tendo por base os relatório do período de 2012 a 2018.
Notícia actualizada às 9h15: corrige a data no terceiro parágrafo. O estudo tem em conta 14 anos, entre os anos lectivos de 2001/02 e 2014/15 (e não 2015/16), como de resto se percebe pela informação que aparece nos parágrafos seguintes e nos gráficos que acompanham o artigo.
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