9.7.12
“Diferença de salário entre homens e mulheres torna economia mais pobre”
Por Ana Rute Silva, in Público on-line
Quando a discrepância salarial não é justificada pela produtividade, um país perde dinheiro, afirma o professor e investigador José A. Tavares.
José A. Tavares, 46 anos, analisou os custos da discriminação salarial entre homens e mulheres, em conjunto com Tiago Cavalcanti, professor na Universidade de Cambridge. O professor associado da Universidade Nova de Lisboa, investigador do Centre for Economic Policy Research, em Londres, e membro do conselho científico da Fundação Francisco Manuel dos Santos, acredita que o aumento do desemprego e a pressão para baixar salários pode reduzir a desigualdade de ordenados, mas “pelas piores razões”. Ter uma economia com ordenado mínimo e igual para todos não é o modelo a seguir.
Na União Europeia as mulheres ganham em média menos 17,5% do que os homens. Quanto é que custa esta desigualdade?
O maior custo é o custo social associado à discriminação. São custos diários e comezinhos, como o facto de as mulheres terem uma proporção mais elevada das tarefas domésticas a seu cargo. Mas se falarmos a nível económico, de um ponto de vista macro, verificamos que há economias onde esses custos explicam grande parte da diferença de produtividade e de produto por trabalhador em relação a outros países, como os Estados Unidos. Essas são as sociedades que mais discriminam e não são, em geral, europeias. São sobretudo do Médio Oriente e algumas só não são pobres porque têm a bonança do petróleo.
Nos países onde hoje se verifica uma grande crescimento económico, como o Brasil e a China, detectaram alguma diminuição da desigualdade salarial?
Olhamos mais para experiências de longo prazo, mas o que se sabe é que os países emergentes têm em geral grandes taxas de criação de empresas. O Brasil é mais empreendedor do que os EUA. Países muito pobres da África subsariana são muito mais empreendedores do que o Japão. É uma reacção à falta de instituições de governo da sociedade. A boa notícia é que quando há mais empreendedorismo, há uma maior participação das mulheres. Numa sociedade desenvolvida, como a portuguesa, as mulheres são uma minoria de empreendedores. Nas menos desenvolvidas acaba por ser uma forma de emancipação.
Podemos dividir o mundo por blocos? Quanto mais desenvolvido menos desigualdade salarial?
A discriminação está associada a várias coisas, nomeadamente a questões culturais. Em geral, em países mais desenvolvidos há menos discriminação salarial. O empreendedorismo de que falámos pode até ser uma compensação dessa realidade, mas parcial. A verdade é que se pode explicar a mudança de atitude dos homens por questões de desenvolvimento. Ou seja, se o parceiro decide que não é apropriado a parceira trabalhar, isso implica um custo de rendimento para o casal. Se a economia é mais desenvolvida, o custo é mais alto.
Porque há um patamar de produtividade maior, conseguido por mais mulheres integradas no mercado de trabalho?
Ter uma pessoa em casa tem um maior custo de oportunidade. Mesmo que culturalmente uma sociedade seja inclinada a discriminar, felizmente à medida que a economia seja mais produtiva e rica, os agentes que discriminam pensam duas vezes. A cultura também é endógena. Se pensarmos na Primavera Árabe, por exemplo, na Tunísia, se as mulheres começarem a ter mais poder isso vai alterar a atitude da sociedade e tornará a economia mais robusta.
No estudo que fez com Tiago Cavalcanti concluiu que um aumento de 50% no desequilíbrio salarial reduz 25% o rendimento per capita. Como chegaram a esta conclusão?
O nosso modelo explica três variáveis: o crescimento, a natalidade e participação feminina. A discriminação é uma variável que não explicamos. Modelamos esta economia como se fosse a economia americana, ou seja, os dados que usamos como referência (como a taxa de juro ou de progresso tecnológico) são dos EUA. Tendo essa base, colectámos, por exemplo, o índice de discriminação de um país como o Egipto e colocámo-lo na simulação da economia americana. É como ter uma economia em tudo americana excepto na discriminação de género, que é a do Egipto. Resultado: altera-se o crescimento económico, a natalidade e a participação. A discriminação de género da Arábia Saudita, por exemplo, levaria uma economia como a americana a níveis de produto inferiores ao observado para esse país do Médio Oriente.
Como se posiciona Portugal face a outros países?
Portugal surge como um dos países em que a discriminação de género “explica” menos. E, de facto, se olharmos as duas consequências de discriminação de género no nosso modelo (baixa participação laboral feminina e alta fertilidade) não são características da nossa economia. Por outro lado, a nossa diferença de rendimento em relação ao país de referência, os Estados Unidos, é demasiado elevada para que um factor tão parcelar como a discriminação “conte grande parte da história”. Com a Espanha e a Itália é diferente, evidenciam maiores perdas com a discriminação, que explica uma parte substancial do seu menor produto per capita em relação aos Estados Unidos da América.
O ganho médio mensal das mulheres portuguesas corresponde a 79% do valor pago aos homens. Esta realidade prejudica o desenvolvimento económico do país?
Historicamente Portugal tem níveis de participação mais elevados do que países com o mesmo nível de desenvolvimento. Há a comparação clássica com a Espanha. São culturas semelhantes mas em Espanha a participação das mulheres é menos elevada. Nesse sentido, Portugal tem um menor custo de discriminação. O facto de a imigração ter sido mais intensa cá, ou a Guerra Colonial, podem ajudar a explicar esta diferença em relação a Espanha.
Há também dados que indicam que quanto mais qualificadas, maior é a desigualdade salarial face aos homens.
Tem também a ver com progressões de carreira, interrompida pela gravidez por exemplo. Essa desigualdade tem a ver com discriminação.
Portugal conseguiria ter uma economia mais robusta se diminuísse o gap salarial?
A diferença salarial relacionada com a produtividade (quer seja entre homens e mulheres, quer entre os trabalhadores em geral) faz parte do funcionamento geral da economia. O que chamamos de discriminação são diferenças que não têm a ver com produtividade. Ou seja, entre uma mulher e um homem igualmente produtivos, a mulher recebe um salário menor. Sempre que isto acontece, é o mesmo que deitar dinheiro à rua. Sempre que há uma diferença de salário sem diferença de produtividade a economia está a tornar-se mais pobre.
Que consequências práticas é que isso provoca?
Se uma mulher tem uma produtividade de 100 e só é paga a 50 e vive num país onde há muita discriminação, pensará duas vezes se quer trabalhar ou não. E ao não trabalhar está a diminuir o produto da economia. Esta mulher estava disposta a trabalhar por 100. Além, claro, das questões de motivação. Se ao longo dos anos, as mulheres verificam que a sua progressão não é a mesma dos homens, desmotivam-se.
O aumento do desemprego, a quebra de rendimento e a pressão para aceitar salários mais baixos podem fazer reduzir a diferença salarial em Portugal?
Pode atenuar-se pelas piores razões. A discriminação não deve ser encarada isoladamente. Se uma economia for feita só de pobres a desigualdade é mínima, mas não é esta a sociedade que queremos. Se tivermos uma economia onde todos ganhem o salário mínimo não há discriminação entre homens e mulheres, mas não é isso que queremos. É preciso equilíbrio.
Quando a retoma chegar, chegará mais para os homens?
A longo prazo, a boa notícia é que a diferença salarial tende a diminuir. As pessoas trabalham mais, há menos discriminação, logo há mais produtividade. Um trabalho muito interessante feito por uma economista da Universidade de Nova Iorque mostra que às vezes há choques culturais que mudam a discriminação. Quando os americanos participaram na II Guerra Mundial, as mulheres foram chamadas a participar. Os homens que observaram as suas mães irem para o mercado de trabalho durante a guerra discriminaram menos.