Paula Brito, in Jornal de Notícias
Bagão Felix, antigo ministro do Trabalho e das Finanças, defende que é preciso um consenso alargado para se avançar com a reforma do Estado e que se sente "envergonhado" por serem os técnicos da 'troika', que não conhecem a realidade do país, a decidirem onde cortar os quatro mil milhões de euros que irão permitir alcançar um défice de 2,5% em 2014.
Estes cortes são realmente necessários?
Para que se consiga alcançar o défice de 2,5% em 2014 é preciso cortar quatro mil milhões de euros. E tal só é possível cortar do lado da despesa, porque do lado dos impostos já se atingiu o limite do tolerável para as pessoas e para a economia.
O que é preciso?
Esta reforma estrutural [da despesa pública] precisa do consenso dos três principais partidos e do ponto vista social.
E em todas aquelas áreas: saúde, educação, segurança social (3,5 mil milhões de euros) e defesa, justiça e segurança (500 milhões)?
Fiz umas contas, e se formos à despesa total em 1995, passando por 2003 até à prevista para 2013, já descontando a inflação, percebe-se que gastámos mais do dobro em termos reais. O que nos leva a pensar que alguma coisa está mal.
E o que está mal?
Além dos aspetos exógenos ao Estado, como a demografia que leva a um aumento da despesa, em relação ao resto é preciso escrutinar a função do Estado, escrutinar instituições a instituição para não se gaste o dobro. O mesmo com as empresas municipais, com os institutos. É preciso perceber as razões da sua existência.
É um trabalho de vistoria com uma metodologia de consenso. Por exemplo, o Ministério da Educação, embora eu considere que o ministro tem feito bom trabalho, hoje há menos alunos do que em 1995 e gasta-se muito mais, mesmo descontado a inflação. Justifica-se?
Que lhe parece?
Há duas maneiras de abordar o assunto da despesa pública: pelo efeito do preço, através do corte e congelamento de salários ou progressão na carreira, ou através de uma redução estrutural que passa pelo corte de uma despesa que nunca mais irá voltar. Isto pode levar a uma discussão prolixa, ideológica mas o Estado encontra-se numa situação de alta necessidade.
Como vê o Governo neste momento?
Crítico o Governo, pois não é ao fim de ano e meio que se começam a anunciar estas medidas que levam tempo a implementar, exigem seriedade e afastamento ideológico sem estar de um lado os que estão a favor do estado social e do outro os que estão contra.
E o que acha serem técnicos da Troika a definirem os cortes. O Estado português é incapaz de o fazer?
A ser verdade que são os técnicos da Troika que estão a ajudar nesta reforma sinto-me envergonhado, porque é certo que temos um memorando de entendimento assinado, metas a concretizar, estamos dependentes das instituições, mas não dos seus funcionários. Quem escrutinou esses funcionários que não conhecem o país? E agora vêm com regra e esquadro aplicar modelos sem conhecer o povo, o país, a sua história. Este tipo de análise exige conhecimento profundo enraizado na realidade portuguesa.
Estas medidas levam tempo a implementar, exigem seriedade e afastamento ideológico, diz o antigo ministro do Trabalho e das Finanças