Eslovénia recebe de Portugal a presidência do Conselho da União Europeia. Nos próximos seis meses, o país promete ajudar a facilitar a retoma e a reforçar o Estado de Direito, mas é neste ponto que mais dúvidas levanta. O dia de inauguração não ficou isento de polémicas com vários avisos da Comissão para a liberdade de imprensa e a independência do sistema judicial
A conferência de imprensa arrancou com um longo atraso, num clima de tensão nada habitual para um arranque de presidência. E foi o sinal de que a reunião, momentos antes, entre a Comissão Europeia de Ursula von der Leyen e o primeiro-ministro da Eslovénia não tinha corrido bem. Perante uma sala cheia de jornalistas vindos de Bruxelas - na habitual viagem de imprensa de arranque da presidência -, Janez Janša tentava manter a pompa do momento e não poupava nos elogios ao trabalho do executivo comunitário na gestão da pandemia, mas Ursula von der Leyen mal esboçava um sorriso.
A razão do incómodo: "os assuntos difíceis" (segundo o próprio Janša) que tinham discutido antes - a pressão sobre a imprensa e também sobre o sistema judicial, com o impasse na nomeação dos dois procuradores-delegados eslovenos para Procuradoria Europeia. Mas foi uma fotografia que fez o mal-estar subir de tom.
No decorrer da reunião, quando se discutia o Estado de Direito, Janez Janša argumentou que era alvo de campanha política e para confirmar a tese mostrou aos restantes uma fotografia na qual dois juízes eslovenos surgiam ao lado de vários membros dos Socialistas Europeus, incluindo eurodeputados. Janša é da família do Partido Popular Europeu. A acusação não caiu bem no colégio de comissários - e não só naqueles que são socialistas -, foi considerada inapropriada e enfureceu o vice-presidente da Comissão Frans Timmermans. O holandês recusou-se a ficar na foto de família de arranque da presidência.
Numa nota enviada a vários jornalistas, incluindo ao Expresso, Timmermans justificou a decisão. "Simplesmente não pude estar no mesmo pódio com o primeiro-ministro depois do inaceitável ataque e difamação a dois juízes e dois eurodeputados do S&D. Pôs em causa a sua integridade porque estavam na mesma fotografia. A independência judicial e o respeito pelo papel dos eurodeputados eleitos são pedras angulares do Estado de Direito sem as quais a UE não pode funcionar."
No encontro à porta fechada, e ao que o Expresso apurou, Von der Leyen também terá sido dura ao deixar claro que não tinha ido a Liubliana para discutir aquela fotografia. Na conferência de imprensa foi mais subtil, mas não abdicou dos recados. A certa altura, no meio de uma resposta, afirmou que os juízes têm uma vida e "podem ser membros de partidos políticos, um facto em qualquer democracia". A afirmação pareceu deslocada de contexto até ser conhecido o episódio polémico da reunião da tarde.
O reforço do Estado de Direito está entre as prioridades da presidência eslovena e, segundo Janša, está também no centro da civilização europeia. O primeiro-ministro saiu em defesa do Estado de Direito para defender em seguida que em caso de disputa é nos tribunais que se resolve. Só que para o chefe do Governo esloveno há "problemas com a independência do poder judicial" no país.
Argumenta que as recomendações sobre Estado de Direito que foram feitas à Eslovénia quando aderiu à UE nunca foram inteiramente aplicadas nesta área, mas espera que "com a ajuda da Comissão" venham a sê-lo agora. E se Janša quer ajuda, Von der Leyen pareceu disposta a explicar-lhe por mais do que uma vez que uma "imprensa livre" e com espaço para a crítica é essencial em qualquer sociedade democrática.
Ao longo dos meses tem crescido a sombra da pressão e dos ataque que o Governo esloveno estará a exercer sobre jornalistas e meios de comunicação. Esta quinta-feira voltou a ser questionado sobre quando é que finalmente desbloqueia o financiamento da Agência de Notícias Eslovena, que está em risco de ter de fechar. "Precisamos de um documento para poder pagar-lhes", argumenta. "Felizmente encontrámos uma solução e este assunto vai desaparecer."
É também isso que espera von der Leyen, que diz ficar atenta "ao desbloqueio dos fundos" e às garantias de pluralismo.
A outra grande polémica que ensombra a presidência eslovena diz respeito à Procuradoria Europeia. O país continua sem nomear os dois procuradores-delegados que, a partir da Eslovénia, vão trabalhar para o novo organismo de investigação de fraudes com fundos europeus.
O governo vetou os dois nomes que estavam escolhidos e relançou todo o processo, o que tem merecido várias críticas da procuradora-geral europeia. Laura Kovesi acusa o executivo de Janša de "falta de cooperação sincera" e de pôr em risco o funcionamento da Procuradoria.
"É crucial para proteger o dinheiro dos contribuintes", diz von der Leyen. "É tempo de a Eslovénia nomear os procuradores-delegados, conto com o primeiro-ministro para apresentar nomes urgentemente." Ao lado de von der Leyen, Janša desdramatizou a polémica e lembra que, ao contrário da Suécia, a Eslovénia decidiu participar na Procuradoria Europeia. Argumenta ainda que o país que dirige é um Estado soberano e que há que respeitar a repetição dos processo de seleção de procuradores. Até "ao outono" deverá estar concluído.
Pela frente, o Governo esloveno tem também seis meses aos comandos da presidência rotativa do Conselho. É a oportunidade para brilhar na política externa e interna, mas é também um período em que mais olhos estarão postos no que diz e decide Liubliana.
Esta quinta-feira, a Comissão deu também luz verde ao plano de recuperação e resiliência esloveno, no valor de 2,5 mil milhões de euros. Mas no meio de tanta tensão e mal-estar não houve troca de sorrisos e elogios como tem vindo a acontecer noutras visitas da presidente às capitais.