por Eugénio Fonseca, (Presidente da Cáritas Diocesana de Setúbal e da Cáritas Portuguesa, in Setúbal na Rede
O mundo atravessa uma crise sem precedentes, que se carateriza por dimensões sistémicas e internacionais. É uma conjugação de diferentes crises: alimentar, energética, climática, financeira, económica e social, sem esquecer a de valores, que está na base de todas. As consequências são evidentes: o aumento das desigualdades, a exclusão, a violência, a agudização dos conflitos, a migração forçada, o empobrecimento de um número, cada vez maior, de pessoas e o escândalo de mil milhões de pessoas que passam fome.
É neste contexto que, há pouco mais de uma semana, se realizou uma nova Conferência, sob a égide das Nações Unidas, que pretendia reunir os principais líderes do mundo para, desta vez, tomarem decisões em ordem a um desenvolvimento mais sustentável. Designou-se por “Rio+20”.
Queria a ONU acrescentar mais caminho ao já, supostamente, andado a partir da histórica Declaração do Rio de 1992 do Plano de Ação Agenda 21, que possibilitou, em alguns países, a criação de politicas de desenvolvimento sustentado, dando uma resposta estrutural aos desafios que, passados 20 anos, são ainda maiores.
A “Rio+20” seria ainda a oportunidade para avançar, com maior credibilidade e eficiência, para este modelo de desenvolvimento e para a erradicação da pobreza. O que estava em causa era conseguir-se o respeito incondicional pelos direitos humanos, das atuais e futuras gerações, a sustentabilidade, a participação generalizada, ativa e igual dos cidadãos, assim como o respeito pela transparência, responsabilidade e não-regressão dos progressos alcançados.
É óbvio que colocar as exigências de uma Cimeira destas a este nível, obriga a um maior envolvimento e responsabilização dos estados e das entidades da sociedade civil, com elevados padrões de participação
Logo, neste aspeto, a “Rio+20” ficou aquém das expectativas, porque três Chefes de Estado de países determinantes optaram por não participar. Talvez o resultado fosse o mesmo em termos de compromissos futuros, porque, mais uma vez, não foram assumidas medidas concretas que conduzissem a compromissos específicos responsabilizadores dos países, conforme as potencialidades de cada um.
Ficou adiada a segurança alimentar para os mais carenciados, porque nada se decidiu de objetivo para se conseguir a necessária articulação entre as políticas agrícolas e as climáticas. Pouco se concluiu sobre a responsabilidade das empresas, em particular das multinacionais, pela crise em que vivemos, concretamente, no que diz respeito aos impactos ambientais e sociais, bem como no desrespeito pelos direitos humanos. Pelo contrário, como bem constatou António Manganella da Terre Solidaire na referência que fez às conclusões, dando nota de que “O texto dá prioridade aos mercados e ao crescimento, e apresenta como remédio para todos os males, a inclusão do setor privado em governação e cooperação internacional. Países como a França estão a insistir nas parcerias público-privadas, mesmo por parte daqueles que já experimentaram as suas limitações”.
Mas apesar destas limitações, vale a pena continuar a investir neste tipo de cimeiras internacionais. O “caminho faz-se caminhando”, pois é de relevar o muito que acontece de trabalho preparatório que não tem sido só dos líderes políticos, mas de muitas organizações da sociedade civil. Viu-se o dinamismo destas organizações nos milhares que se congregaram no Rio sob o lema “As mudanças que precisamos para o futuro que queremos”. E o futuro desejável depende de cinco condições fundamentais:
- Que se faça da luta contra a fome uma prioridade, e que através de intervenções coordenadas se assegure o direito à alimentação, prevenindo crises alimentares a curto e a médio prazo;
- Que se mantenham os compromissos que visam alcançar os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio. É necessário aprofundar o sentido e a necessidade destes objetivos com as pessoas mais afetadas, de modo a que sejam adaptados às reais necessidades;
- Que a capacidade transformadora do ser humano seja utilizada para cuidar da criação e se incentivem a dinamização de projetos, ideias e medidas que preservem o meio ambiente;
- Que a ideia de uma “economia verde” respeite princípios éticos de equidade e solidariedade. Ou seja, que não tenha os princípios neoliberais como meta para o crescimento; Que o mercado não se assuma como gestor da sustentabilidade; Que a adjudicação de preços não ultrapasse o razoável; Que não aposte na privatização de bens comuns (água, oceanos, bosques…);
- Que se desenvolva um código de conduta para uma cidadania global solidária, assegurando um novo contrato social, que tome em conta a interdependência humana e o apelo ao cuidado pelo bem comum.
Ninguém esta dispensado de percorrer este caminho, dado que as verdadeiras mudanças começam por cada um, como agentes de um futuro sustentável.