Cristina Sambado,in RTP
"Há um conjunto de indicadores que apontam para o eventual agravamento das desigualdades e da pobreza”, alerta Carlos Farinha Rodrigues
Portugal permanece como um dos países “mais desiguais na União Europeia”, apesar do fosso entre os mais pobres e os mais ricos ter diminuído ligeiramente nos últimos vinte anos. Os dados, que constam do estudo “Desigualdade Económica em Portugal” que vai ser apresentado no Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza e debatido quinta-feira no Conselho Económico e Social, revelam ainda que na região de Lisboa a taxa de pobreza subiu cerca de 80 por cento nas últimas duas décadas, em contraciclo com a tendência nacional, que entre 1993 e 2009, viu descer o número de pobres de 22,5 por cento da população para 17,9 por cento.
“Ao longo dos últimos anos, a desigualdade familiar tem vindo a atenuar-se ligeiramente, como é demonstrado pela redução do índice Geni, que aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos, em cerca de cinco pontos percentuais”, afirma a agência Lusa que cita o estudo realizado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) para a Fundação Manuel dos Santos que pretende fazer uma análise detalhada e rigorosa do que o que aconteceu à desigualdade económica em Portugal nos últimos 30 anos.
Carlos Farinha Rodrigues, o coordenador do estudo, salvaguardou que o estudo termina em 2009, último ano para o qual existem estatísticas oficiais sobre a distribuição do rendimento em Portugal: “De alguma forma, ele fica na antecâmara da atual crise”.
Segundo o coordenador, “o estudo termina num ano que, provavelmente, representará o fim do ciclo de redução de desigualdades. Todos os sinais que nós temos apontam para que a probabilidade de haver uma inversão deste ciclo é muito grande”.
“Portugal é um país com os mais elevados níveis de desigualdade de rendimentos familiares e salariais, que faz com seja um dos países mais desiguais da Europa. Esta evolução de desigualdade das famílias está intimamente associada à evolução dos rendimentos das famílias mais pobres em Portugal”, acrescentou Carlos Farinha Rodrigues.
Desigualdades salariais aumentaram
Apesar de entre 1993 e 2009, a proporção do rendimento total auferido pelos cinco por cento da população mais baixa ter duplicado, as desigualdades salariais aumentaram.
“As políticas sociais viram o seu papel de redução da desigualdade aumentar fortemente e uma evolução de rendimentos permitiu uma distribuição mais equilibrada”, sublinhou o economista.
Segundo o coordenador do estudo, “as desigualdades familiares diminuíram, ainda que pouco, essencialmente, porque os indivíduos de menores rendimentos viram a sua situação melhorar”, enquanto “as desigualdades salariais aumentaram por via do rendimento dos indivíduos que têm salários mais elevados”.
Sistema fiscal
O impacto do sistema fiscal sobre a distribuição do rendimento e a desigualdade foi outro dos temas analisados pelo estudo que concluiu que a ação conjunta do IRS e das contribuições para a Segurança Social correspondia, em 2009, a uma diminuição média de cerca de 20 por cento dos rendimentos brutos auferidos pelas famílias.
“Hoje fala-se muito nas políticas fiscais, dizendo que estão a atingir essencialmente a classe média. É verdade que muitas dessas políticas têm efeitos extremamente perversos sobre esta classe”, considerou Carlos Farinha Rodrigues que alertou para o facto dessas medidas não afetarem os indivíduos mais pobres, “com a diminuição das políticas sociais e o aumento do desemprego vai também atingir as classes mas desprotegidas em Portugal”.
“As políticas fiscais que estão neste momento a ser desenhadas e nomeadamente que se anunciam para o Orçamento do Estado claramente evidenciam uma diminuição da progressividade do sistema fiscal”, sublinhou o coordenador do estudo, esclarecendo que “quando se reduzem escalões e simultaneamente aumentam as taxas, a capacidade de redistribuição do rendimento das políticas fiscais vai diminuir”.
“Também por essa via a política fiscal vai reduzir a sua capacidade de atenuar as desigualdades e vai constituir também um elemento de agravamento das desigualdades em Portugal”, alertou.
Taxa de pobreza aumentou em Lisboa
Na região de Lisboa a taxa de pobreza aumentou cerca de 80 por cento nos últimos 20 anos, em contraciclo com o resto do território nacional que, entre 1993 e 2009, viu diminuir o número de pobres de 22,5 por cento para 17,9 por cento da população.
“A intensidade da pobreza reduziu-se em cerca de 44 por cento e a severidade da pobreza assume em 2009 um valor que é menos que o registado em 1993”, frisa o estudo, que refere ainda que “há uma acentuada dispersão do rendimento das famílias entre as diferentes regiões”.
Segundo o estudo, “em Lisboa, a região ‘mais rica’, o rendimento médio das famílias é cerca de 37 por cento mais elevado do que na Madeira, a região ‘mais pobre’. No entanto, entre 1989 e 2009, a taxa de pobreza na região de Lisboa subiu cerca de 80 por cento, o que poderá ser explicado pela emergência de novas formas de pobreza, particularmente associadas às grandes concentrações urbanas e ao desemprego”.
Segundo o coordenador do estudo, “a distância que separa os nossos pobres da linha de pobreza diminuiu, no entanto a situação de Lisboa contraria em pouco essa tendência geral”.
Idosos menos pobres
A análise revela ainda que a evolução da taxa de pobreza dos idosos em Portugal, que num período de 15 anos baixou de cerca de 40 por cento (em 1993) para 21 por cento (em 2009), algo que não aconteceu com a pobreza infantil, que “permanece bastante elevada”.
“Foram registados progressos muito significativos ao nível da redução da pobreza, mas o mais importante foi a forte diminuição da intensidade da pobreza”, afirmou Carlos Farinha.
“É preciso perceber que as políticas sociais não são vocacionadas para reduzir desigualdades, mas para reduzir a pobreza e a exclusão social, sendo o seu efeito relativamente pequeno em termos de desigualdades. Foi isso que se registou”, adiantou o economista.
Carlos Farinha salientou ainda que, “desde 2010 tem vindo a assistir-se, como tentativa de resposta à crise e ao défice das contas públicas, a uma fragilização crescente das políticas salariais, que inevitavelmente vai ter consequências em termos do agravamento da desigualdade e nas várias dimensões da pobreza”.
“Este estudo termina em 2009, mas se calhar acaba também no fim de um ciclo de redução, pequeno mas efetivo, nas desigualdades e das várias dimensões da pobreza. Todos os sinais apontam para que a probabilidade de haver uma inversão deste ciclo seja muito grande. Há um conjunto de indicadores que apontam para o eventual agravamento das desigualdades e da pobreza”, concluiu o economista.
O estudo “Desigualdade Económica em Portugal” vai ser apresentado hoje em Lisboa, no dia em que se comemora o “Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza”, e vai ser discutido amanhã no Conselho Económico e Social.


