in Barlavento
Ao longo dos últimos anos a EAPN Portugal em colaboração com outras organizações da sociedade civil, bem como outras entidades públicas e privadas de âmbito nacional e local tem vindo a chamar a atenção para o grave problema da pobreza no nosso país, denunciando esta situação como uma grave injustiça social e procurando mobilizar as consciências para que se reconheça a pobreza como uma situação intolerável à luz dos direitos humanos fundamentais.
Em variadíssimos momentos temos defendido a ideia de que a pobreza ofende e viola a dignidade da pessoa humana, atenta contra o seu direito à vida e impede o exercício da liberdade e nesse sentido constitui uma grave ameaça à participação, à democracia e à paz.
Hoje, mais do que nunca, a pobreza e a exclusão social enquanto fenómenos sociais vão perdendo as suas fronteiras e, deixando de ser fenómenos periféricos, vinculados a grupos, caraterísticas e condições para se tornarem um problema que atinge massivamente uma grande parte da população no nosso país. O empobrecimento que resulta do desemprego, do emprego precário, da perda do rendimento médio disponível das famílias, da crise de proteção e de segurança, faz com que toda a sociedade perca bem-estar e generaliza a vulnerabilidade social.
A solidariedade e a visão europeia baseada na paz, justiça, segurança e dignidade está a ser diariamente minada por uma redução da proteção social e dos apoios aos cidadãos. Por outro lado, as medidas que restringem, reduzem as prestações sociais e os direitos, “naturalizam” a situação e remetem para os indivíduos a responsabilidade pela procura de soluções, desresponsabilizando a sociedade.
Estamos profundamente convictos de que o mundo tem necessidade de uma renovação cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para construir com base nestes um futuro melhor.
A grande questão, hoje, diz respeito à possibilidade de nascimento de um novo modelo de desenvolvimento e de organização social que tenha uma base social, económica, cultural e ambiental mais sustentável e uma forma de governação capaz de aprofundar a democracia e garantir a participação e co-responsabilização de todos os cidadãos.
Acreditamos que o que está em jogo é uma nova conceção da própria vida e das relações sociais e que o investimento nas pessoas e na melhoria da sua qualidade de vida é a melhor garantia para o progresso social e económico das nossas sociedades. É importante que a economia esteja ao serviço da integralidade da pessoa e do interesse público. Acreditamos e temos fortíssimos argumentos para tal, que o crescimento económico por si só e a qualquer custo, não é a estrada correta.
O momento histórico que estamos a viver exige por parte dos poderes públicos, dos atores económicos, dos parceiros sociais e da sociedade civil em geral, empenhamento, criatividade e decisões corajosas. Agora, mais do que nunca, valores como a justiça, a solidariedade, a espiritualidade e a igualdade devem estar presentes na definição de novas políticas. Uma (r)evolução pacífica rumo a uma nova solidariedade e a um novo contrato social, que restitua a confiança e esperança às pessoas e à sociedade emerge e é urgente.
No dia em que se assinala o DIA INTERNACIONAL PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA, dando voz aos que mais diretamente experienciam a violência da pobreza, queremos expressar como esta pobreza se intensifica a cada dia que passa colocando em risco milhares de cidadãos, afetando de modo devastador os mais pobres, particularmente os que já o eram antes da crise, os desempregados, as crianças e os idosos. Ao mesmo tempo queremos manifestar também, sobretudo junto de quem decide e tem mais responsabilidades de governação, a nossa disponibilidade para um projeto coletivo que vise a erradicação da pobreza. A pobreza não é uma questão residual e não se resolve com ações específicas de assistência social.
Também não é uma inevitabilidade. É antes o resultado da escolha de um modelo de desenvolvimento económico que privilegia o lucro do capital financeiro e favorece a concentração da riqueza, a corrupção e a perigosíssima polarização da sociedade. Se queremos vencer o desafio da erradicação da pobreza no nosso país, é urgente que se tomem medidas políticas sérias, à luz do que está consignado nos Direitos Humanos, para salvaguardar as pessoas que se veem privadas de exercer a sua plena cidadania e dignidade.
Mais do que assistir pontualmente, com ações avulsas, é necessário concertar políticas para ações globais duradouras e justas. Temos de agir com outros valores e atitudes. Temos que olhar o futuro e fomentar em toda a sociedade uma cultura de justiça, de solidariedade e de amor ao próximo.
Por último, uma nota sobre o contexto europeu. A Europa precisa de uma cultura de solidariedade entre os Estados membros e destes com o resto do mundo. A Europa precisa urgentemente de um novo projeto europeu, aberto e transparente que envolva os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil, quer a nível nacional quer a nível europeu. Um projeto que inclua um novo pacote de incentivos ao investimento nos serviços públicos e nas infraestruturas, de forma a gerar emprego e desenvolvimento sustentável; o acesso a empregos de qualidade e a luta contra o trabalho precário; o fortalecimento da proteção social e do rendimento mínimo, de forma a reduzir a pobreza e a melhorar a coesão social; o combate à desigualdade, através de políticas fiscais mais justas, combatendo a fraude e a evasão fiscal.
Lutar contra a pobreza sempre foi lutar pela Paz. Atualmente esta luta é ainda mais urgente porque significa defender o instrumento de garante da Paz e que, claramente, está posto em causa: a Democracia.