Leonor Paiva Watson, in Jornal de Notícias
Em conversa com alguns dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Sintra que estudam e trabalham, o JN ouviu a esperança, e a falta dela, num futuro laboral fora de grades Por
O Governo quer aumentar o número de reclusos que fazem formação ou desenvolvem uma atividade enquanto estão detidos, para uma melhor reintegração na sociedade. Em conversa com alguns dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Sintra que estudam e trabalham, o JN ouviu a esperança, e a falta dela, num futuro laboral fora de grades.
Miguel já se habituou ao número, diz que "na tropa também tinha um" e, afinal, já passaram três anos desde que entrou no Estabelecimento prisional (EP) de Sintra. Não fica, por isso, zangado quando o chamam por "Oh (Ó) 519".
Ocupa os dias no atelier, é, aliás, responsável por todos os ateliers - azulejo, pintura, têxteis - e garante que se não fosse o trabalho "a cadeia seria insuportável". Tem 37 anos, cumpre uma pena de seis anos e três meses por furto, "vários furtos", levado pelo consumo "da cocaína".
Dentro, fez o 12.0 ano - abandonou a escola por causa do motocrosse - e objetivos não lhe faltam. "Tirar Estudos Europeus, conquistar confiança, independência e, sobretudo, não voltar à cadeia". Afirma que já se livrou da cocaína, acredita na "força de vontade e na criatividade" e tem saudades de tudo: "Tomar uma café na esplanada", ou "passear com a namorada", que está à espera dele.
Uma vida de pobreza
Ao contrário, Luís não tem ninguém à espera. Nem gente, nem perspetivas, nem o fluxo palavroso de Miguel. É homem introvertido e marcado pela penúria. "Em criança não tinha sonhos", tinha seis irmãos e teve de deixar a escola para ajudar.
Entrou na cadeia de Sintra "com a quarta classe". Do lado de fora, ficava a construção civil onde sempre trabalhou e a adição à heroína que o levou a traficar. Luís está preso há quatro anos e um mês, tem 42 anos e faltam-lhe 11 meses para sair.
"Espero que os cursos de operador florestal e agrícola me ajudem. Lá fora, sei que não está fácil", reconhece. Não parece ter grande esperança nos instrumentos que está a reunir, mas também não parece que a vida lhe tenha dado grandes razões para grandes esperanças. A meio da conversa, porém, orgulha-se: "Entrei aqui com a quarta classe e agora tenho o 9.0 ano". Os cursos que fez dão equivalência ao 3.0 ciclo.
Luís perdeu, entretanto, a mulher, o contacto com as filhas, os amigos, os irmãos. Perdeu também o contacto com a heroína. Depois de todas as ilusões, só a mãe ficou. "Só a mãe vem à visita".
Que lugar no Mundo, depois da prisão?
Gracindo quer, antes de mais, uma oportunidade para sair da cadeia
Filipe também tem arrependimentos. "Aceito o que fiz e as consequências", atira. Preso por falsificação e burla agravada, condenado a 5 anos e três meses, ocupa o tempo "no atelier de azulejo, no de pintura, e nos estudos bíblicos". No EP fez o 11.0 ano e espera vir "a trabalhar, tirar Relações Internacionais ou Arquitetura Paisagística". Conta que ali foi parar porque a mãe dos primeiros três filhos morreu e "como o dinheiro para os criar começou a faltar, aconteceu um deslize". Baixa os olhos e diz: "Acabei por falhar como pai". Ficou em silêncio.
Já Gracindo não parece ter inquietações. Preso por tráfico de droga, não assume os "oito pacotinhos" de cocaína com que foi apanhado, diz que "foi uma armadilha". Condenado a quase seis anos, já estudou, frequenta os ateliers, além de participar no coro e tocar bateria. Tem um talento notável para o artesanato, mas a grande preocupação não aparenta ser o futuro, apenas "uma oportunidade" para sair dali. v