2.7.21

“São precisas cinco gerações para sair da pobreza”

Fátima Ferrão, in Expresso

A educação é crítica para resolver, a prazo, problemas como a desigualdade e o crescimento económico. Portugal continua a ser o país da UE com menos população adulta que terminou o secundário. Estas e outras conclusões resultaram do debate, integrado na primeira conferência do ciclo ‘Janela da Esperança’, com o tema “Desigualdades em tempo de pandemia”, que decorreu esta tarde. A iniciativa resulta de uma parceria entre a SIC Esperança, a Fundação Calouste Gulbenkian, e a Fundação La Caixa

A pandemia veio acentuar as desigualdades pré-existentes entre a população nacional. Em 2019, antes do embate da covid-19, 20% das pessoas vivia no limiar da pobreza. Dois anos depois, os dados de 2020 ainda não estão disponíveis, mas, como disse ao Expresso, Susana Peralta, “as expectativas não são boas”. A professora da Nova SBE, participou na conferência “Desigualdades em tempo de pandemia”, a primeira de um ciclo inserido na iniciativa ‘Janela da Esperança’, onde apresentou o relatório anual ‘Portugal, balanço social 2020’, elaborado a partir de dados provenientes de diversas fontes administrativas – INE, Banco de Portugal, Ministério da Educação, entre outras - que coordenou.

Deste relatório, a professora destaca a taxa do risco de pobreza que, em 2019, era de 17,2% (acima da média europeia de 16,5%), e que é ainda maior em determinados grupos da população, como os migrantes, especialmente aqueles cujo país de origem se situa fora da Europa. Neste grupo, a pobreza atinge 24,6% das pessoas, mesmo entre os que trabalham. “São maioritariamente pessoas com vínculos de trabalho temporário ou precário, os mais afetados também pela pandemia”, refere Susana Peralta. Aliás, fatores como o desemprego ou o trabalho temporário, menor escolaridade, e famílias mais numerosas ou monoparentais, agravam a possibilidade de pobreza, em todas as franjas da população. A estes junta-se ainda o fator regional que, no caso das ilhas ou do Algarve, aumenta ainda mais a probabilidade de pobreza.

Na opinião de Susana Peralta, que participou no debate que se seguiu à apresentação do estudo, “a educação é crítica para reduzir as desigualdades”. Para a professora, só as políticas de educação serão eficazes para resolver problemas de crescimento económico e as desigualdades na sociedade. António Brito Guterres recorda, contudo, que “são precisas cinco gerações para sair da pobreza”. Para esse propósito “o ensino é fulcral, não só nas populações jovens, mas também nos adultos, que precisam de upskilling [desenvolver novas aptidões] para se adaptarem às mudanças e obterem as competências pedidas pelo mercado”, acredita o investigador em estudos urbanos, presente no mesmo debate.

Um pouco mais otimista, Ricardo Reis, que participou por videoconferência nesta conversa, prefere olhar para o que pode surgir no pós-pandemia. “Há uma oportunidade de renovar o mercado de trabalho”, exemplifica. O economista reconhece que a pandemia acelerou os problemas relacionados com o emprego, salários e precaridade. Ainda assim, acredita que esta crise abre oportunidades a quem se ajustar melhor à nova realidade.

O debate foi moderado pela jornalista da SIC Notícias, Rita Neves, e contou com uma mensagem de boas-vindas de Mercedes Balsemão. “Esta é a pandemia das desigualdades”, disse. A presidente da SIC Esperança acredita que esta situação veio “desvendar todas as nossas vulnerabilidades, e as falsas esperanças com que construímos os nossos projetos e definimos as nossas prioridades”. A verdade é que os mais vulneráveis são os que mais sofrem.

Conheça outras conclusões do debate:

O relatório ‘Portugal, balanço social 2020’ revela que, quanto menor o nível de educação, maior a probabilidade de exposição à pobreza. “30 a 40% dos alunos nas escolas públicas recebem ação social escolar”, destaca Susana Peralta. A professora salienta ainda que 80% dos alunos nestas escolas tem mãe sem formação superior, o que, estatisticamente, confere-lhes uma probabilidade de ter notas negativas (mais 30 pontos percentuais), e menos 13% de probabilidade de atingir notas máximas. “Portugal é o país da UE com menos população adulta com o secundário completo”.

Pobreza persistente atingia 12,5% da população antes da pandemia

António Brito Guterres aponta o nível baixo de voluntariado em Portugal (10%) como um dos entraves à redução das desigualdades. Aqui, defende, é essencial o trabalho do terceiro setor e dos muitos projetos que nascem no seio das comunidades desfavorecidas, e que é preciso apoiar e divulgar.
Numa perspetiva económica, Ricardo Reis acredita que Portugal recuperará rapidamente, especialmente se olhar para o trabalho que está a ser feito em países como os Estados Unidos, o Reino Unido ou Israel, que estão a ter uma recuperação bastante rápida. Isto não significa, no entanto, que “2022 seja de euforia, mas é possível voltar ao nível de 2019”.