12.3.14

Portugueses exaustos. A maioria quer mudar de emprego

in iOnline







Estudo da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional alerta para problema de saúde pública: situações limite de stresse e esgotamento aumentaram nos últimos cinco anos. Sector público tem os piores indicadores




A maioria dos trabalhadores portugueses está à beira de um ataque de nervos. É desta forma que a Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional (APPSO) começou esta semana a apresentar os resultados de um perfil de riscos psicossociais associado ao trabalho. Avaliações feitas entre 2008 e 2013 a 38 791 trabalhadores dos sectores públicos e privado revelam que nove em cada dez portugueses que estão empregados apresenta sintomas de exaustão. A fadiga é associada ao sentimento de sobrecarga no trabalho, perda de energia e recompensas, mas também a uma diminuição acentuada da percepção de que as organizações onde trabalham são justas ou capazes de ter algum tipo de controlo sobre as tarefas que desempenham.

Se a deterioração dos indicadores de bem-estar em contexto laboral é transversal, com 83% dos trabalhadores em situação de risco moderado de colapso, o sector público apresenta os piores resultados em todas as variáveis analisadas. Segundo o estudo, ao qual o i teve acesso, em 2008, 32% dos funcionários do sector público apresentavam critérios para diagnóstico com stresse e em 2013 essa percentagem chegou aos 59%. No sector privado, subiu de 24% para 43%.

As situações de esgotamento (burnout) também se agravaram e parecem ser mais incidentes no sector público: 15% dos trabalhadores do Estado avaliados tiveram diagnóstico de burnout no ano passado contra 10% na amostra de 2008. No privado, a incidência ronda os 12%.

O estudo, que resultou de informação recolhida em avaliações e intervenções psicológicas como coaching ou team building realizadas em empresas de ambos os sectores, vai ser apresentado esta manhã na comissão de Saúde do parlamento. João Paulo Pereira, presidente da (APPSO), justifica o pedido de audição aos deputados com o facto de os dados apontarem para um problema de saúde pública com tendência a piorar. "Quando olhamos para indicadores como o grau de exaustão, é assustador", contou ao i. "Sabemos que a exaustão e o stresse podem estar associados a muitos outros indicadores de saúde, como consumo de medicamentos mas também mais pneumonias oportunistas ou enfartes do miocárdio, fenómenos que têm apresentado uma tendência crescente nos últimos anos sobretudo em faixas etárias mais jovens", explica o psicólogo, adiantando que no âmbito de algumas parcerias com a Autoridade para as Condições de Trabalho também tem sido discutida uma eventual ligação com o aumento dos acidentes laborais.

Fartos Um dos indicadores que João Paulo Pereira considera mais relevante é o mal-estar nas organizações públicas e privadas estar a reflectir-se na vontade que os trabalhadores têm de largar o trabalho, o que, avisa o especialista, deve ser contrariado, não só porque há problemas de saúde associados mas também por se tratar de um risco para a produtividade e o sucesso das instituições.

A intenção de abandonar o emprego num horizonte de cinco anos - designado por turnover em saúde ocupacional - aumentou significativamente: em 2008 estava patente em 35% dos trabalhadores avaliados e em 2013 atingia 78%. Os dados mostram que o sentimento de insatisfação e não pertença é maior no sector público, onde 59% dos avaliados assumiam em 2013 querer abandonar o actual trabalho contra 17% em 2008. No sector privado, nos últimos cinco anos a percentagem tem vindo a diminuir, situando-se no ano passado nos 24%.

Já as intenções de absentismo aumentaram duas vezes e meia entre 2008 e 2013. Os dados apontam para uma estabilização entre 2012 e 2013, com 75% dos avaliados a assumir faltas ao trabalho. João Paulo Pereira acredita que esta estabilização não representa uma melhoria, pois todos os outros indicadores negativos pioram e não há melhorias nos critérios positivos, como a dedicação ou a percepção de energia na realização das funções.

Para o psicólogo, professor na área dos Recursos Humanos no Instituto Superior da Maia, há mais pessoas a trabalhar quando deviam estar a ser tratadas por receio de verem reduzidas ajudas sociais como o subsídio de alimentação, o que, adverte, pode representar um risco acrescido. João Paulo Pereira acredita que o estudo vem abalar a ideia da resiliência intrínseca dos portugueses: "Estamos no limite", avisa. As mulheres apresentaram ainda assim um grau de risco ligeiramente inferior, por terem melhores índices no plano de sentimento de comunidade ou de dedicação.