Ainda que o turismo tenha sido dos setores onde o desemprego mais cresceu, as empresas estão agora a ter dificuldade em recrutar trabalhadores. Escassez de pessoal pode por em risco retoma, avisam.
A crise pandémica fez tremer o mercado de trabalho. No turismo, foram mais de 101 mil os empregos destruídos, entre o primeiro trimestre de 2021 e o período homólogo de 2020, tendo sido este um dos setores mais castigados pela Covid-19. Ainda assim, e num momento em que já se adivinha alguma retoma, os empregadores confessam dificuldades em recrutar pessoal. O problema não é novo, mas pode por em risco agora a recuperação do setor e da economia nacional, avisam. Os salários baixos e a elevada precariedade explicam essa escassez de mão-de-obra, dizem os sindicatos. Mas também a “migração” dos trabalhadores para outras áreas, nos muitos meses em que as atividades turísticas estiveram “congeladas”.
Já em abril de 2020, a Organização Internacional do Trabalho reconhecia que a pandemia estava a ter um “efeito devastador” no mundo laboral. No turismo, o impacto foi “imediato e expressivo“, sublinhava a OIT. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, nesse setor, por força da crise sanitária e das restrições impostas em reação, foram destruídos mais de 101 mil empregos, entre os primeiros três meses de 2021 e o mesmo trimestre de 2020 (primeiro período a ser influenciado pela Covid-19).
Primeiro trimestre ficou marcado por quebra no emprego no turismo
Em causa está um recuo homólogo de 31,4% do emprego nas atividades ligadas ao alojamento, restauração e similares, que confirmam que o setor em causa tem estado entre os mais castigados pelo novo coronavírus.
Apesar de milhares de trabalhadores do turismo terem perdido, assim, os seus postos, os empregadores desse setor garantem agora que estão a ter dificuldade em recrutar pessoal, num momento em que, à boleia dos avanços na vacinação e do alívio das restrições, se adivinha alguma recuperação — aliás, quase 19% das ofertas captadas, em junho, pelos centros do Instituto do Emprego e Formação Profissional estavam ligadas ao alojamento, restauração e similares. “As empresas que estão a conseguir alguma retoma da sua atividade já iniciaram processos de recrutamento mas, estranhamente, têm-se deparado com muitas dificuldades em encontrar pessoas que estejam disponíveis para trabalhar nestes setores”, conta ao ECO a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
Também a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) alerta para esse problema: “Não há pessoal para contratar“. E a Confederação do Turismo de Portugal sublinha que, já antes da pandemia, as empresas tinham “inúmeras dificuldades em encontrar pessoas para trabalhar“, problema que “seguramente irá regressar com a retoma”.
As empresas especializadas em recrutamento ouvidas pelo ECO pintam o mesmo cenário. “Os processos de recrutamento que a Adecco desenvolveu recentemente foram realizados com dificuldade, nomeadamente na procura, seleção e aceitação destes recursos”. E a Manpower Group põe o turismo no topo do pódio dos setores que “não conseguem encontrar talento com as competências procuradas”.
Na perspetiva dessa última recrutadora, as dificuldades têm como principal motor a transformação que o turismo viveu em função da própria pandemia. Hoje, há novos padrões de consumo, novos modelos de negócios, expectativas diferentes por parte dos clientes. A indústria transformou-se e, em consequência, também mudaram os perfis de trabalhadores desejados pelos empregadores.
Logo, há um “desencaixe” entre os trabalhadores do turismo que a Covid-19 atirou para o desemprego — que estavam adaptados aos contornos pré-pandémicos — e aqueles que as empresas procuram agora. “Hoje procura-se um misto de pessoas com skills técnicos, mas também comportamentais e tecnológicos. O resultado é um maior distanciamento entre os trabalhadores que detêm esse skillset particular e os que o não detêm”, sublinha Vítor Antunes, managing director da Manpower Group, em declarações ao ECO.
A Adecco acrescenta um outro motivo para o agravamento da escassez de mão-de-obra no turismo: a “migração” para áreas profissionais mais estáveis. “Os candidatos que possuem formação académica e experiência profissional na área do turismo, devido à pandemia, à instabilidade que o setor passou e à insegurança que sentem, têm procurado outras áreas de atividade, mostrando motivação para desenvolver competências em áreas profissionais completamente diferentes”, observa Joana Esteves, team leader dos Recursos Humanos da recrutadora.
Esse motivo também é indicado pela AHRESP, referindo que a inatividade das empresas turísticas — resultante das restrições impostas para conter a propagação do vírus pandémico — levou os trabalhadores a deslocarem-se para “outras atividades que, ainda assim, não foram tão afetadas”. “E isso pode significar que, no curto prazo, [esses trabalhadores] podem não ter condições de retornar [ao turismo] ou simplesmente não querem retornar“, acrescenta a associação.
A AHRESP sublinha, por outro lado, que a época de férias também pode estar a fazer “muitos adiarem o seu regresso”, ainda que este período coincida “precisamente com a época de maior procura e, logo, de maior necessidade de trabalhadores”. “Este ‘abandono’ da atividade turística suscita-nos grandes preocupações, uma vez que as pessoas são o ativo mais importante em qualquer atividade e em especial no turismo, e a formação e qualificação dos seus trabalhadores tinha vindo a ser uma grande aposta das nossas empresas, que agora correm o risco de perder este valioso capital humano, com reflexos na qualidade do produto turístico que temos para oferecer”, alerta a associação.
A APHORT adiciona uma outra justificação possível para a escassez de pessoal disponível: os entraves à migração decorrentes da crise pandémica. “Uma parte do emprego tinha origem na migração e essa, de momento, não existe”, salienta a referida fonte ao ECO.
Para o economista José Reis, da Universidade de Coimbra, motivos como a transferência de trabalhadores para outras áreas são “razoáveis” na justificação do “desencaixe” entre desempregados e vagas disponíveis, mas acompanham outros como as baixas remunerações praticadas no turismo português, a precariedade e o receio dos trabalhadores perante um setor marcado pela vulnerabilidade.
Dificuldade em recrutar? “Não acredito”
Enquanto os empregadores garantem que o recrutamento de pessoal para a fase da retoma não está a ser fácil, os representantes dos trabalhadores deixam claro que “não acreditam” que haja dificuldades nesse processo. Em alternativa, o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo (SITESE) atira: “Acredito, sim, que as empresas estão com dificuldades em encontrar trabalhadores que no contexto atual tenham disponibilidade imediata pelas condições que são apresentadas. Há dificuldades de recrutamento quando não existe mão-de-obra disponível. Ela aqui existe, não tem é o mesmo ritmo e a mesma expectativa”.
Em declarações ao ECO, o sindicato lembra que, ainda antes da pandemia, a escassez de mão-de-obra era uma queixa frequente das empresas, embora, nas mesas negociais, essas mesmas empresas mantivessem “uma postura muito conservadora“. Já quanto ao presente e ao futuro, o SITESE frisa que milhares de trabalhadores estiveram em lay-off, outras centenas viram os seus contratos não renovados e muitos foram alvo de despedimentos. E tudo isso pesa nas escolhas no momento de regresso ao mercado de trabalho. “Trabalhadores a quem é pedido agora que se atirem de cabeça para a incerteza“, salienta o sindicato.
Os representantes dos trabalhadores explicam, além disso, que o retorno ao trabalho é agora sinónimo de um confronto entre uma prestação social e um salário. “Os trabalhadores têm que ter a certeza de que não se vão arrepender dessa escolha“, defende o SITESE. E acrescenta: “É fundamental transmitir segurança ao setor, para garantir que os vínculos propostos pelas empresas são estáveis e que os trabalhadores não receiam arriscar”.
A propósito desse confronto entre o regresso ao trabalho e os apoios sociais, o economista José Reis alerta que essas prestações não são um desincentivo ao retorno ao mercado, uma vez que o “desemprego voluntário é residual” e que o trabalho, “além do que significa em termos económicos, é um mecanismo de inclusão na sociedade“. “Parto sempre do pressuposto que qualquer pessoa, na sua relação com o mercado de trabalho, tem o desejo de ter emprego“, salienta, referindo, além disso, que os apoios hoje disponíveis nem são “muito generosos” para que a hipótese desse estímulo “à preguiça” seja colocada em cima da mesa.
Por outro lado, e em linha com este economista, o SITESE avisa que as baixas remunerações e a precariedade de vínculos devem ser também temas a ter em atenção na resolução da escassez de mão-de-obra que aflige os empregadores do turismo.
Enquanto os empregadores garantem que o recrutamento de pessoal para a fase da retoma não está a ser fácil, os representantes dos trabalhadores deixam claro que “não acreditam” que haja dificuldades nesse processo. Em alternativa, o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo (SITESE) atira: “Acredito, sim, que as empresas estão com dificuldades em encontrar trabalhadores que no contexto atual tenham disponibilidade imediata pelas condições que são apresentadas. Há dificuldades de recrutamento quando não existe mão-de-obra disponível. Ela aqui existe, não tem é o mesmo ritmo e a mesma expectativa”.
Em declarações ao ECO, o sindicato lembra que, ainda antes da pandemia, a escassez de mão-de-obra era uma queixa frequente das empresas, embora, nas mesas negociais, essas mesmas empresas mantivessem “uma postura muito conservadora“. Já quanto ao presente e ao futuro, o SITESE frisa que milhares de trabalhadores estiveram em lay-off, outras centenas viram os seus contratos não renovados e muitos foram alvo de despedimentos. E tudo isso pesa nas escolhas no momento de regresso ao mercado de trabalho. “Trabalhadores a quem é pedido agora que se atirem de cabeça para a incerteza“, salienta o sindicato.
Os representantes dos trabalhadores explicam, além disso, que o retorno ao trabalho é agora sinónimo de um confronto entre uma prestação social e um salário. “Os trabalhadores têm que ter a certeza de que não se vão arrepender dessa escolha“, defende o SITESE. E acrescenta: “É fundamental transmitir segurança ao setor, para garantir que os vínculos propostos pelas empresas são estáveis e que os trabalhadores não receiam arriscar”.
A propósito desse confronto entre o regresso ao trabalho e os apoios sociais, o economista José Reis alerta que essas prestações não são um desincentivo ao retorno ao mercado, uma vez que o “desemprego voluntário é residual” e que o trabalho, “além do que significa em termos económicos, é um mecanismo de inclusão na sociedade“. “Parto sempre do pressuposto que qualquer pessoa, na sua relação com o mercado de trabalho, tem o desejo de ter emprego“, salienta, referindo, além disso, que os apoios hoje disponíveis nem são “muito generosos” para que a hipótese desse estímulo “à preguiça” seja colocada em cima da mesa.
Por outro lado, e em linha com este economista, o SITESE avisa que as baixas remunerações e a precariedade de vínculos devem ser também temas a ter em atenção na resolução da escassez de mão-de-obra que aflige os empregadores do turismo.
O que estão os empregadores dispostos a oferecer?
A Confederação do Turismo de Portugal é clara: as empresas terão de saber captar e reter talento e isso passa pela formação, qualificação e oferta de boas condições de trabalho.
Esses mesmos três focos são destacados pela AHRESP, que diz que o reforço da atratividade do emprego no turismo passa “necessária e essencialmente pela formação, qualificação e dignificação dos profissionais”. O objetivo, frisa a associação, é que as pessoas vejam nestas atividades “uma verdadeira aposta de carreira“. “O trabalho da AHRESP só estará concluído quando as famílias portuguesas ambicionem que os seus filhos prossigam uma carreira profissional nos setores do turismo”, adianta a mesma fonte.
Para esse fim, a AHRESP lançou, de resto, uma nova plataforma de recrutamento especializada nas áreas do turismo. Chama-se RISEHORECA e a associação espera que “ajude a colmatar algumas necessidades de recrutamento e seja um facilitador da oferta e da procura“.
A propósito da necessidade da aposta na formação, Bernardo Trindade, do Porto Bay Hotels & Resorts, diz, por sua vez: “Muitas das vezes temos dificuldade em recrutar, porque as pessoas não têm os níveis de formação“. E defende que, mesmo enquanto estão em casa, é preciso garantir que os trabalhadores vão reforçando as suas qualificações e competências.
As empresas especializadas em recrutamento acrescentam, por outro lado, diferentes prioridades a essa lista de pontos importantes para captar talento. A Adecco garante que os seus clientes estão preocupados “em querer dar alguma estabilidade profissional” aos seus trabalhadores; Por exemplo, através de contratos permanentes. E a Manpower Group cita o seu estudo “What Workers Want” para enumerar as cinco principais necessidades dos trabalhadores: remuneração, flexibilidade, desenvolvimento de carreira, desafio profissional e identificação com o propósito organizacional. “Fica do lado das organizações responder a este repto”, afirma Vítor Antunes.
Esses mesmos três focos são destacados pela AHRESP, que diz que o reforço da atratividade do emprego no turismo passa “necessária e essencialmente pela formação, qualificação e dignificação dos profissionais”. O objetivo, frisa a associação, é que as pessoas vejam nestas atividades “uma verdadeira aposta de carreira“. “O trabalho da AHRESP só estará concluído quando as famílias portuguesas ambicionem que os seus filhos prossigam uma carreira profissional nos setores do turismo”, adianta a mesma fonte.
Para esse fim, a AHRESP lançou, de resto, uma nova plataforma de recrutamento especializada nas áreas do turismo. Chama-se RISEHORECA e a associação espera que “ajude a colmatar algumas necessidades de recrutamento e seja um facilitador da oferta e da procura“.
A propósito da necessidade da aposta na formação, Bernardo Trindade, do Porto Bay Hotels & Resorts, diz, por sua vez: “Muitas das vezes temos dificuldade em recrutar, porque as pessoas não têm os níveis de formação“. E defende que, mesmo enquanto estão em casa, é preciso garantir que os trabalhadores vão reforçando as suas qualificações e competências.
As empresas especializadas em recrutamento acrescentam, por outro lado, diferentes prioridades a essa lista de pontos importantes para captar talento. A Adecco garante que os seus clientes estão preocupados “em querer dar alguma estabilidade profissional” aos seus trabalhadores; Por exemplo, através de contratos permanentes. E a Manpower Group cita o seu estudo “What Workers Want” para enumerar as cinco principais necessidades dos trabalhadores: remuneração, flexibilidade, desenvolvimento de carreira, desafio profissional e identificação com o propósito organizacional. “Fica do lado das organizações responder a este repto”, afirma Vítor Antunes.
Escassez de pessoal pode ameaçar retoma
A falta de mão-de-obra que corresponda às necessidades dos empregadores, nesta nova fase da pandemia, pode por em risco a recuperação do turismo e, em consequência, da economia nacional. Quem o diz são as associações que representam as empresas ligadas a essas atividades.
“Se não encontrarmos as respostas para o facto de termos 100.000 desempregados e, mesmo assim, continuarmos sem pessoas para trabalhar, esta falta pode comprometer uma retoma, mas também a qualidade do nosso produto turístico que era reconhecido como de excelência”, alerta a AHRESP, referindo que as pessoas são “o ativo mais importante em qualquer atividade”.
A CTP concorda: “Sem recursos, não é possível manter a oferta estruturada e o serviço de qualidade que nos caracteriza enquanto destino turístico”. Já a APHORT contraria e atira que acredita que o setor “vai ser capaz de se adaptar às circunstâncias, como já o fez tantas vezes”.
“Portugal precisa de um turismo forte, para garantir a sua retoma económica e compete a todos os agentes do mercado garantir que os desafios são ultrapassados”, acrescenta Vítor Antunes, da Manpower Group. E o economista José Reis salienta que o “turismo não vai ser o que era“. “Então que seja melhor. Mais criador de valor para a economia. É bom que crie mais valor, pague melhores salários que correspondam aos níveis de qualificação e serviços elevados”, defende.
Questionado sobre esta escassez de mão-de-obra no turismo, o Ministério de Pedro Siza Vieira enfatiza, por sua vez, que a pandemia veio “acelerar a urgência de transformação do paradigma da formação“, exigindo-se uma “aposta decisiva na qualificação dos recursos humanos“. “A Secretaria de Estado do Turismo está empenhada em valorizar as profissões do setor, dotando as empresas do conhecimento e instrumentos necessários para o efeito. Está ainda empenhada em garantir que existam as condições para captar recursos humanos com formação em outras áreas de conhecimento, como História, Biologia, Arquitetura, Literatura entre outras, e que poderão acrescentar valor em termos de experiência para o turista que nos visita”, detalha a mesma fonte governamental.
Os empregadores do turismo mantêm-se, por agora, atentos à evolução da pandemia e às restrições que a acompanham, que determinarão, por sua vez, o ritmo da procura, mas também a confiança que levará os trabalhadores a um eventual regresso ao mercado e aos postos disponíveis. Mantêm-se à espera de dias mais “solarengos”.