Os esforços do Estado para prevenir e punir a violência doméstica são insuficientes e o sistema deve ser corrigido para estimular a denúncia e travar o número de agressões, conclui um estudo do Centro de Estudos Sociais.
Um estudo, que ocupou durante dois anos uma equipa de investigadores do
Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, aponta para a
necessidade de "uma intervenção em todas as fases do percurso", nomeadamente na
formação das pessoas que lidam com estas mulheres vítimas de violência.
"Os números continuam a ser muito preocupantes. O problema é que há práticas que se mantêm, sugerindo que a formação a este nível devia estender-se igualmente às magistraturas", afirmou à agência Lusa a investigadora Madalena Duarte, uma das coordenadores do projeto.
Na sua perspetiva, não vale a pena ter apenas boas leis, pois são necessárias boas leis e boas práticas judiciárias.
"Um longo caminho foi percorrido e hoje encontramos magistrados/as e juízes/as com formação, interesse e sensibilização para com este tema. Que se envolvem, inclusive em projetos de intervenção em rede com outras instituições", disse Madalena Duarte.
Segundo esta investigadora, "contudo, embora se assista a uma cada vez maior sensibilização e empenho por parte das magistraturas no combate a este tipo de violência, não podemos deixar de notar que o discurso judicial se vai mantendo fiel a certos modelos sociais que regulam as relações de género".
Madalena Duarte considera que ainda se encontram, por exemplo, "discursos de atenuação da gravidade do comportamento do agressor, por atos da vítima tidos como provocatórios (infidelidade ou comportamento agressivo)" e isto poderá ter reflexos na pena aplicada.
O Direito, e a intervenção dos seus agentes, é um dos aspetos que mais atenção desperta nos investigadores, por encontrarem nele a resposta às maiores expetativas das vítimas, de segurança face ao agressor, de realização da justiça através da pena e da abertura para uma nova vida.
O tempo da vítima e o tempo, mais longo, da justiça é um dos problemas identificados. Muitas vezes correm em paralelo processos para a regulação das responsabilidades parentais, de divórcio e o criminal pelas agressões, nem sempre concentrados no mesmo tribunal, o que leva a questionar sobre a importância da criação de tribunais ou secções especializadas na violência doméstica.
"Quando os seus tempos são demasiado descoincidentes, tal contribui para uma descredibilização do sistema judicial, bem como de noção de justiça oferecido pelo Estado de Direito", acentua.
Algumas mulheres vítimas - acrescenta - "admitiram mesmo que, estando já a sua situação de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais resolvida, não pretendiam prestar declarações no âmbito do processo-crime, por ter já passado demasiado tempo".
Para que não aconteçam casos como os de homicídios de mulheres depois de apresentarem queixa, o estudo propõe que o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) crie um curso anual sobre a aplicação das medidas de coação no âmbito desta criminalidade.
Quanto à magistratura, "muito resistente a ações de formação que não estejam relacionadas com aspetos mais técnico-jurídicos", os investigadores entendem que o CEJ deve incluir nos seus cursos um módulo relacionado com a igualdade ou violência do género, para combater "certos estereótipos e mitos" associados a vítimas, agressores e às causas de violência doméstica.
Sugerem ainda ao Ministério da Administração Interna a elaboração de um manual sobre a detenção em e fora de flagrante delito, para ajudar as forças policiais a atuarem mais eficazmente e para melhor corresponderem à esperança de segurança das vítimas.
Se as forças de segurança são uma das "portas de entrada", também o são as unidades de saúde, e nesse sentido aconselham os seus profissionais a perderem "o receio de ofender" e a perguntarem às pacientes quando suspeitam de violência doméstica, e a olhá-las como problema médico também na vertente emocional e psicológica.
O estudo aponta ainda para a necessidade de a formação se estender a funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e de as vítimas imigrantes não serem ameaçadas de deportação se estão em situação ilegal.
Para as duas centenas de entrevistados neste estudo do CES "Trajectórias de Esperança: itinerários institucionais de mulheres vítimas de violência doméstica", que incluiu 33 vítimas, o problema principal que hoje se coloca é "mais de efetivação da lei do que propriamente de transformação da letra da lei".
"Os números continuam a ser muito preocupantes. O problema é que há práticas que se mantêm, sugerindo que a formação a este nível devia estender-se igualmente às magistraturas", afirmou à agência Lusa a investigadora Madalena Duarte, uma das coordenadores do projeto.
Na sua perspetiva, não vale a pena ter apenas boas leis, pois são necessárias boas leis e boas práticas judiciárias.
"Um longo caminho foi percorrido e hoje encontramos magistrados/as e juízes/as com formação, interesse e sensibilização para com este tema. Que se envolvem, inclusive em projetos de intervenção em rede com outras instituições", disse Madalena Duarte.
Segundo esta investigadora, "contudo, embora se assista a uma cada vez maior sensibilização e empenho por parte das magistraturas no combate a este tipo de violência, não podemos deixar de notar que o discurso judicial se vai mantendo fiel a certos modelos sociais que regulam as relações de género".
Madalena Duarte considera que ainda se encontram, por exemplo, "discursos de atenuação da gravidade do comportamento do agressor, por atos da vítima tidos como provocatórios (infidelidade ou comportamento agressivo)" e isto poderá ter reflexos na pena aplicada.
O Direito, e a intervenção dos seus agentes, é um dos aspetos que mais atenção desperta nos investigadores, por encontrarem nele a resposta às maiores expetativas das vítimas, de segurança face ao agressor, de realização da justiça através da pena e da abertura para uma nova vida.
O tempo da vítima e o tempo, mais longo, da justiça é um dos problemas identificados. Muitas vezes correm em paralelo processos para a regulação das responsabilidades parentais, de divórcio e o criminal pelas agressões, nem sempre concentrados no mesmo tribunal, o que leva a questionar sobre a importância da criação de tribunais ou secções especializadas na violência doméstica.
"Quando os seus tempos são demasiado descoincidentes, tal contribui para uma descredibilização do sistema judicial, bem como de noção de justiça oferecido pelo Estado de Direito", acentua.
Algumas mulheres vítimas - acrescenta - "admitiram mesmo que, estando já a sua situação de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais resolvida, não pretendiam prestar declarações no âmbito do processo-crime, por ter já passado demasiado tempo".
Para que não aconteçam casos como os de homicídios de mulheres depois de apresentarem queixa, o estudo propõe que o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) crie um curso anual sobre a aplicação das medidas de coação no âmbito desta criminalidade.
Quanto à magistratura, "muito resistente a ações de formação que não estejam relacionadas com aspetos mais técnico-jurídicos", os investigadores entendem que o CEJ deve incluir nos seus cursos um módulo relacionado com a igualdade ou violência do género, para combater "certos estereótipos e mitos" associados a vítimas, agressores e às causas de violência doméstica.
Sugerem ainda ao Ministério da Administração Interna a elaboração de um manual sobre a detenção em e fora de flagrante delito, para ajudar as forças policiais a atuarem mais eficazmente e para melhor corresponderem à esperança de segurança das vítimas.
Se as forças de segurança são uma das "portas de entrada", também o são as unidades de saúde, e nesse sentido aconselham os seus profissionais a perderem "o receio de ofender" e a perguntarem às pacientes quando suspeitam de violência doméstica, e a olhá-las como problema médico também na vertente emocional e psicológica.
O estudo aponta ainda para a necessidade de a formação se estender a funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e de as vítimas imigrantes não serem ameaçadas de deportação se estão em situação ilegal.
Para as duas centenas de entrevistados neste estudo do CES "Trajectórias de Esperança: itinerários institucionais de mulheres vítimas de violência doméstica", que incluiu 33 vítimas, o problema principal que hoje se coloca é "mais de efetivação da lei do que propriamente de transformação da letra da lei".