Oito mil milhões por ano Estudo do Instituto Europeu da Igualdade de Género, que extrapola estimativas a partir do Reino Unido, tem em consideração perda económica e gastos, por exemplo, com saúde, justiça e serviços sociais.
A estimativa é feita pelo Instituto Europeu da Igualdade de Género (EIGE na sigla inglesa): a violência baseada no género tem um custo global de 366 mil milhões de euros por ano na União Europeia – oito mil milhões em Portugal, o que corresponde a 3,9% do PIB de 2019, ano a que se reporta o estudo. O exercício obriga a abrir o pensamento.
Quantos dias de trabalho se perdem porque a pessoa precisa de ir ao médico, ficou hospitalizada ou tem de se restabelecer? Quanto dinheiro fica por ganhar? Quanto deixa o Estado de arrecadar em impostos? Quanto gasta em serviços de saúde? E em polícias, tribunais, protecção de crianças e jovens? E em estruturas de atendimento à vítima, acolhimento de emergência, casas-abrigo, rendas apoiadas? A maior fatia do bolo é gasta a responder ao impacto físico e emocional da violência baseada no género (55,5%).
A segunda vai para os serviços de justiça criminal (20,5%). Segue-se a perda de produção económica (14%). Os outros custos estão associados, por exemplo, aos serviços de apoio social (4%), à justiça civil, que lida com os divórcios, as responsabilidades parentais, os processos de promoção e protecção (0,5%). Os serviços especializados representam só 0,4% do bolo total. “Saber o custo da violência pode ajudar os países da UE a canalizar dinheiro para onde é realmente necessário”, diz Carlien Scheele, directora do EIGE, numa nota que acompanha o relatório.
“Os países da UE precisam de investir mais em actividades que previnam a violência contra as mulheres e protejam as vítimas – isso é um imperativo moral e também economia inteligente.” A violência com base no género afecta mulheres e homens e inclui vários tipos de crime. Os investigadores agruparam-na em cinco categorias: homicídio, violência com lesões, violência sem lesões, violação e outros crimes sexuais. Neste momento, não há dados que permitam fazer o cálculo exacto para cada um dos Estados-Membros. Existem dados suficientes para fazer isso no Reino Unido.
O EIGE pegou neles e extrapolou estimativas para os 27 Estados-Membros, ao mesmo tempo que procedeu a uma revisão crítica dos estudos realizados desde 2014. Para dar o salto do Reino Unido, que saiu da UE no princípio de 2020, para os 27 Estados-Membros, o EIGE teve em conta a dimensão da população residente em cada um. Pegue-se no exemplo de Portugal: a estimativa da população em 2019 (10,2 milhões) representava 15,3% da população do Reino Unido; o custo da violência com base no género no Reino Unido foi multiplicado por 0,153 para extrapolar os custos para Portugal.
O mesmo se faz com a violência praticada por parceiro íntimo. Resultado: a violência com base no género tem um gasto estimado de 8,4 mil milhões por ano em Portugal. Se excluirmos os homens vítimas, o gasto é de 6,6 mil milhões, o que mostra a forma desproporcional como as mulheres são afectadas por este fenómeno. Se atendermos apenas à violência perpetrada pelo parceiro íntimo, o gasto anual é de 4 mil milhões. Tornando a excluir os homens, o gasto é de 3,4 mil milhões. Ferramentas novas Os autores reconhecem várias limitações neste método. A extrapolação não considera diferenças nas taxas de prevalência apuradas em inquéritos nacionais.
Nem nas taxas de denúncia feitas às autoridades, o que depende da consciência do problema, das barreiras institucionais e culturais que se levantam. Tão-pouco no tipo, disponibilidade e uso dos serviços. Os custos estimados para a UE a 27 – 366 mil milhões de euros com violência baseada no género e 174 mil milhões de euros com violência contra parceiros íntimos – são cerca de um terço superiores aos que tinham sido encontrados da última vez que o EIGE fez este estudo (em 2014). Os autores concedem que as melhorias nas técnicas de pesquisa e na disponibilidade de dados podem ter contribuído para isso. Também assumem que o debate público, impulsionado por movimentos como o #metoo, pode ter reduzido as cifras negras.
Ao mesmo tempo, acolhem mudanças no financiamento público. E explicam que desta vez incluíram o crime de “exposição” na categoria de “outras agressões sexuais”. O relatório comporta uma revisão das metodologias existentes para calcular o custo da violência com base no género. É uma oferta de ferramentas para que os Estados-Membros o possam fazer sozinhos. Para avançar precisarão de dados robustos sobre a presença deste fenómeno nos vários serviços públicos. Dada a dimensão das cifras negras, também precisarão de inquéritos que lhes permitam ter uma ideia real da prevalência. Fazer estes cálculos com periodicidade permitir-lhes-á perceber as implicações das políticas que desenvolvem. E eventualmente adequá-las. t