6.8.21

O Mezze Escola quer formar refugiados e imigrantes na área da restauração

Mariana Marques Tiago, in Público on-line

A parceria entre a Associação Pão a Pão e a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa visa capacitar refugiados e imigrantes e prepará-los para um futuro melhor. Há 20 vagas para a formação (que começa em Setembro) e as candidaturas já abriram.

Em 2017 o Mercado de Arroios via nascer o restaurante Mezze, pautado por uma característica diferente: além de servir comida do Médio Oriente, todos os funcionários eram refugiados sírios. Na época, antes da grande abertura, tinha sido estabelecido um protocolo com a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa (EHTL) no qual os refugiados recebiam uma formação de um mês que os capacitava e diminuía a dificuldade em encontrar emprego por falta de experiência laboral.

Agora, quatro anos depois da abertura do restaurante – que acabou por se tornar auto-suficiente – a associação que tornou tudo isto possível tomou a decisão de “recuperar a parceria, mas de forma mais consolidada e estruturada”.

Quem o diz é Francisca Gorjão Henriques, presidente da Associação Pão a Pão, fundada em 2016 “já com o propósito de criar o Mezze”. Mas agora, tendo por objectivo dar resposta a necessidades identificadas ao longo destes quatro anos, a associação, apoiada pelo Programa Cidadãos Ativ@s da Gulbenkian e em parceria com a EHTL, lançou o Mezze Escola, uma formação para refugiados e imigrantes.

“Desenvolvemos uma formação com base no curso de um mês e juntámos a experiência no Mezze enquanto entidade empregadora”, explica a responsável. Os seis meses de duração da formação dividem-se em três meses de componente teórico-prática leccionada na EHTL e três meses de componente prática em contexto real de trabalho no Mezze.

Após a formação de 540 horas que terá início a 15 de Setembro e término a 27 de Março de 2022, a associação vai continuar a apoiar os formandos através de parcerias: “a associação juntará empregadores a formandos para facilitar a entrada no mercado de trabalho e acompanhar o seu percurso. Já há parcerias apalavradas”, admite Francisca Gorjão Henriques, acrescentando que não tem dúvidas de que se vão realizar.

O curso, gratuitamente assegurado aos seleccionados, dá formação em técnicas de cozinha e sala, mas também de português, sustentabilidade, direito laboral e literacia financeira. Para Francisca é importante que os recém-chegados ao país conheçam os seus direitos e deveres e se possam proteger. “É preciso explicar como as coisas funcionam em Portugal para que não haja desconfiança. Por exemplo pagar impostos! Muitos não percebiam o porquê de os termos de pagar. Temos que explicar que não é uma opção, há que pagar”, explica.

Já no que toca ao ensino da língua, a justificação é rápida e fácil: “sem conhecer a língua do país a integração é mais difícil, se é que chega a existir integração”. Além disso, partilha a presidente, no restaurante Mezze rapidamente perceberam que quem está na cozinha tem uma aprendizagem mais lenta, já que não comunica tanto com os clientes de outras nacionalidades.

Nesta primeira edição o programa contempla 20 alunos – sendo que todos terão acesso à formação na escola – mas apenas dez vão cumprir todo o programa e ter a formação prática no Mezze. No entanto, há critérios. Apenas se podem candidatar maiores de idade que sejam: imigrantes, refugiados ou requerentes de asilo, que tenham título de residência, NIF e NISS e, no mínimo, nível A2 em língua portuguesa. Além disso têm que ter disponibilidade para trabalhar por turnos rotativos.

Por sua vez, os critérios de preferência para se ser seleccionado passam por não beneficiar de apoio de acolhimento do Estado, ser mulher, ter até 30 anos, saber falar árabe e estar no país há, pelo menos, três anos. Além disto, a Mezze Escola valoriza ainda a paixão pela restauração e alguma experiência na área. As candidaturas para a formação já estão abertas e podem ser realizadas através do preenchimento do formulário de inscrição, havendo depois uma entrevista e, por fim, uma selecção final dos candidatos.

Francisca considera que este novo programa ajuda a “definir o foco e objectivo que temos enquanto associação. É uma parceria muito útil para perceber qual é o papel da associação além do restaurante”. Em simultâneo, diz, “ajuda a rebentar a bolha da língua e cultura” que existe no Mezze, podendo até estimular quem já lá trabalha, na medida em que “conhecem novas pessoas e novas culturas”.

Actualmente trabalham no restaurante 13 funcionários. “Mas estamos prestes a ir aos 15 porque procuramos um chefe de cozinha para dar formação e mais alguém para a sala”, anuncia Francisca. O restaurante viu-se “muitíssimo afectado” devido à pandemia, motivo pelo qual foi necessário recorrer a um crédito bancário, já que, após o primeiro mês, ficou cada vez mais difícil pagar os salários. No entanto, Francisca e a sua equipa orgulham-se por não ter despedido ninguém durante esta fase.

Agora, a única diferença no estabelecimento que em breve receberá dez novos funcionários reside na mesa corrida que enche a sala de refeição, imagem de marca do restaurante. Anteriormente quatro mesas, unidas, formavam uma só, no entanto “há um mês as mesas foram afastadas para as pessoas se sentirem mais confortáveis e seguras… Mas o plano é, assim que isto melhorar, serem juntas outra vez”, afirma a responsável com determinação.


“Mezze” significa refeição com vários pratos para partilhar entre amigos e família. É símbolo de partilha de cultura e identidade e, a Mezze Escola espera poder continuar a contribuir para o enriquecimento deste momento.