Teresa Silveira, in Público on-line
Um memorando de entendimento celebrado com a Islândia, Noruega e Liechtenstein garante a Portugal, durante sete anos, 102,7 milhões de euros a fundo perdido para cinco áreas. Apenas 12% foram executados. Ministério do Planeamento diz que o ritmo de execução “está em linha com o previsto”.
Na edição 2014-2021, Portugal beneficia de uma alocação global de 102,7 milhões de euros no âmbito dos EEA Grants para cinco áreas programáticas: Crescimento Azul, Ambiente, Conciliação e Igualdade de Género, Cultura, Cidadãos Ativ@s. Os EEA Grants (de European Economic Area) são o Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (MFEEE), disponibilizado a fundo perdido, através do qual a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein apoiam os Estados-membros da União Europeia com maiores desvios da média europeia do PIB per capita.
Perto de 38% da totalidade das verbas (o equivalente a 39 milhões de euros) disponíveis destinam-se à chamada economia azul, inovação e pequenas e médias empresas (PME). A Direcção-Geral de Política do Mar (DGPM), que é dirigida por Helena Vieira e tutelada pelo Ministério do Mar, é o operador designado para o Programa Crescimento Azul. Este tem como objectivo “aumentar a criação de valor e o crescimento sustentável na economia azul” e “aumentar a investigação e promover a educação e a formação nas áreas marinha e marítimas”, “financiando iniciativas para aumentar a competitividade e a rentabilidade das PME portuguesas e trazer mais inovação aos seus produtos, serviços e processos”.
Susana Ramos, coordenadora da Unidade Nacional de Gestão do MFEEE, adiantou ao PÚBLICO que, dos 12% de execução global dos EEA Grants 2014-2021 (cuja implementação em Portugal se iniciou a 22 de Maio de 2017) até ao momento, o Programa Crescimento Azul está executado em apenas 7,8% (ou 3,46 milhões de euros dos 39 milhões disponíveis para esta área). A “execução estimada” até 31 de Dezembro de 2021 é 36,2%.
Já a estimativa global de execução da actual edição dos EEA Grants é, até ao fim do ano, de 30,6%, sendo que, “em média, a duração da execução dos projectos é de dois anos”. A taxa de compromisso é de 94,1% até ao momento. O regulamento impõe um limite para elegibilidade de despesas: 30 de Abril de 2024.
“Não temos opinião fundada”
A Associação Portuguesa de Aquacultores (APA), que agrega dezenas de empresas ligadas à produção de peixe em aquicultura no país e cujos associados se localizam sobretudo na região do Estuário do Sado, Aveiro e Algarve, quase desconhece os EEA Grants.
“Conheço mal. Sei que apoia a investigação, mas não sei absolutamente mais nada”, disse ao PÚBLICO Rui Moreira, presidente da APA, remetendo mais detalhes para o secretário-geral, Fábio Barroso. Este responsável revelou conhecer os EEA Grants e receber informação via email sobre os avisos de candidatura, mas assumiu ter um escasso conhecimento dos projectos apoiados na área da economia do mar.
“Eles enviaram-nos tudo detalhado para quem se quisesse candidatar. Enviámos aos nossos associados, alguns podem-se candidatar através da associação para facilitar o processo, mas nós não somos responsáveis por nenhuma candidatura”, explicou Fábio Barroso. Questionado pelo PÚBLICO sobre se tem opinião acerca do funcionamento deste mecanismo, o secretário-geral da APA apenas disse: “Não temos opinião fundada porque não somos nós a usufruir dele”.
Revelou, contudo, ter conhecimento que a empresa Acuinova – unidade de produção de pregado em aquicultura em Mira lançada pela Pescanova e inaugurada pelo primeiro-ministro José Sócrates em Outubro de 2007, que acumulou dívidas de mais de 166 milhões de euros e dez anos mais tarde passou para o universo do fundo Oxy – usufruiu deste mecanismo de financiamento. Isso mesmo foi confirmado pelo PÚBLICO no webite do programa. A empresa candidatou o projecto Halibot, que visa criar bases nutricionais para alavancar a produção de três espécies de peixes-planos: o alabote do atlântico, o pregado e o linguado senegalês, contribuindo para a diversificação da aquicultura europeia. Viu aprovado um apoio total de 561,97 mil euros, do qual 393,38 mil euros dos EEA Grants, que vai ser executado até Dezembro de 2022.
A Cooperativa de Viveiristas da Ria Formosa, entidade com largas dezenas de associados que operam em toda a extensão da Ria, de Vila Real de Santo António ao Ancão, não tem conhecimento de projectos candidatados e/ou financiados pelos EEA Grants. A informação foi relatada ao PÚBLICO por Marta Rocha, bióloga e dirigente da Cooperativa, que remeteu esclarecimentos para a APA, da qual também é dirigente.
No domínio da Conciliação e Igualdade de Género, uma das áreas financiadas pelos EEA Grants (seis milhões de euros disponíveis a fundo perdido), a CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego é uma das beneficiárias. O PÚBLICO contactou, via email, a presidente, Carla Tavares, para confirmar o financiamento e opinar sobre os EAA Grants quanto à agilidade dos processos e tempo de análise dos projectos, mas esta não respondeu até ao fecho deste trabalho.
O PÚBLICO sabe, no entanto, que a CITE viu financiados dois projectos no período de programação 2009-2014 dos EEA Grants e, no actual (2014-2021), já candidatou dois. Um deles, financiado a 100%, em parceria com os noruegueses da Odalen Næringshage, é o IgualPro - As profissões não têm género, que visa combater a segregação sexual nas escolhas educativas e vocacionais de raparigas e rapazes e a consequente segregação das escolhas profissionais, através da desconstrução dos estereótipos de género associados às diferentes áreas de estudo e respectivas profissões. Viu aprovado um financiamento total de 240.100 euros.
A área da Conciliação e Igualdade de Género é, de resto, das com maior taxa de execução à data nos EEA Grants: 24,3%. A estimativa é atingir 30,8% no final deste ano.
“Ninguém sabe de nada”
Celso Guedes de Carvalho, que foi presidente executivo da Portugal Ventures e da Startup Portugal e comissário geral de Portugal da Expo Dubai 2020, explicou ao PÚBLICO que estamos em presença de um mecanismo “associado ao Fundo Soberano da Noruega, que tem um portfolio de investimentos muito diversificado”. A disponibilização destas verbas, diz, “é uma acção, digamos, de relações públicas da Noruega para com o mundo e a Europa, num grande compromisso com o desenvolvimento sustentável do planeta”, já que esses fundos “vêm do petróleo” e, “para compensar, investem em projectos sustentáveis em várias áreas”.
Foram devolvidos 3,83 milhões nos EEA Grants 2009-2014
A Unidade Nacional de Gestão do MFEEE foi criada pela Resolução de Conselho de Ministros nº 39/2017, de 10 de Março, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 14/2017, de 24 de Abril, e é tutelada pelo ministro do Planeamento, Nelson de Souza.
Para 2014-2021 (com limite para elegibilidade de despesas até 30 de Abril de 2024), Portugal beneficia de uma alocação global de 102,7 milhões para cinco áreas programáticas: Crescimento Azul; Ambiente; Conciliação e Igualdade de Género; Cultura; Cidadãos Ativ@s.
Os dados disponíveis no último reporte a Março 2021 revelam que “a taxa de compromisso global do MFEEE 2014-2021 era de 94,1% e a taxa global de execução financeira era de cerca de 12%”, revelou a coordenadora, Susana Ramos.
Para 2009-2014, o montante líquido atribuído a Portugal no respectivo memorando de entendimento foi de 53,6 milhões de euros. Foi executado em 92,84% e financiou 212 projectos, entre eles o Navio Mar Portugal (12.941.176 euros) e a Central Geotérmica do Pico Alto (4.392.722 euros). Dos projectos apoiados, 62 envolveram parcerias com uma ou mais entidades da Noruega e Islândia. Não houve parcerias com o Liechtenstein.
A coordenadora da Unidade Nacional de Gestão do MFEEE explicou ao PÚBLICO que “a verba não executada no mecanismo financeiro 2009-2014 foi devolvida aos países doadores”. O que representa a devolução de 3,8 milhões de euros.
Através do Acordo do Espaço Económico Europeu (EEE), assinado no Porto em Maio de 1992, Islândia, Liechtenstein e Noruega são parceiros no mercado interno com os Estados-membros da União Europeia. Desde a entrada em vigor, em 1994, estes Estados doadores já desembolsaram as seguintes subvenções a favor de Portugal:
- EEA Grants 1994-1999: 105 milhões de euros a fundo perdido e 315 milhões de empréstimo bonificado.
- EEA Grants 1999-2003: subvenção de 21,28 milhões de euros aplicados na totalidade à área da reabilitação urbana.
- EEA Grants 2004-2009: alocação de 30,06 milhões de euros imputados à conservação do património, protecção ambiental, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento de recursos humanos, saúde e cuidados à infância e investigação e desenvolvimento.
Porém, em Portugal, “ninguém conhece isso”, lamenta o gestor. “Eu, por acaso, soube através da Marina Lobo, no âmbito do projecto ‘Fishing The Plastic’ [da Business as Nature – Associação para a Produção e Consumo Sustentável e a Economia Circular (BasN)], que desenvolveu uma curta-metragem relacionada com a despoluição dos oceanos”. Uma iniciativa de sensibilização pública para o flagelo do plástico marinho, em parceria com o município de Ovar, de promoção do empreendedorismo e empoderamento feminino. Recebeu um financiamento total de 225,466 mil euros, 170 mil dos quais oriundos dos EEA Grants.
O ex-CEO da Portugal Ventures desconhece os problemas associados à baixa execução dos EEA Grants. Uma coisa é certa: “Tendo eu estado estes anos todos ligado ao empreendedorismo, constato que isto nunca foi comunicado, ninguém sabe de nada, é um não assunto. Não está no pipeline do empreendedorismo. Porquê, não sei. Nunca vi a Startup Portugal, o IAPMEI ou as incubadoras divulgarem isso. Creio que é algo gerido apenas na esfera das direcções e secretarias-gerais, que não têm ligação próxima com o ecossistema empreendedor”.
Ainda sobre a baixa taxa de execução dos EEA Grants, Celso Guedes de Carvalho é cáustico: “Mais do que preocupante, é uma desilusão. Não consigo perceber”. Na sua opinião, “um enormíssimo esforço de divulgação seria exigível”, para acelerar a utilização destas verbas. E, noutra vertente, “eventualmente, capacitar entidades para, muitíssimo rapidamente, aproveitar estes fundos. E fixar objectivos. Eu diria executar pelo menos 50% até ao final do ano. É o mínimo, para se poder dizer que não foi um falhanço”.
“Em linha com o previsto”
O PÚBLICO questionou o Ministério do Planeamento sobre o montante financeiro da comparticipação nacional já alocada a projectos no âmbito deste mecanismo de financiamento e qual a verba orçamentada até ao final deste ano.
O gabinete do ministro Nelson de Souza não revelou esses números. Fonte oficial apenas respondeu que “os programas são financiados a uma taxa de 85% (com excepção do ACF [de Active Citizens Fund], financiado a uma taxa de 100%), pelo que a taxa de comparticipação nacional corresponde a 15%. Para responder à comparticipação nacional de 15% para a execução prevista anualmente, cada operador de programa orçamenta a correspondente verba no OE [Orçamento do Estado]”.
A mesma fonte fez saber que “não estão previstos quaisquer constrangimentos que dificultem a boa execução do actual MFEEE” e que “a data da elegibilidade dos projectos é Abril de 2024 e o ritmo de execução dos programas está em linha com o previsto, pelo que nada está a dificultar a execução dos EEA Grants”.
Pesca e aquicultura com défice comercial de 1004 milhões
O Crescimento Azul é a área dos EEA Grants com maior dotação: 39 milhões de euros. Na mira, o “aumento da criação de valor e o crescimento sustentável” na chamada economia do mar, onde se inclui a produção pela indústria transformadora da pesca e aquicultura (congelados, secos e salgados e preparações e conservas).
Esta produção, de acordo com as últimas Estatísticas da Pesca (2020), do Instituto Nacional de Estatística (INE), só em 2019 (informação mais recente disponível) foi 233 mil toneladas. O total das vendas representou 95% da produção nacional (94% em 2018). Esta indústria facturou 1172 milhões de euros em 2019.
Só o sector da aquicultura abarca cerca de 1000 empresas em Portugal e garante mais de 3000 postos de trabalho. Segundo o INE, as vendas da aquicultura geraram uma receita de 118,5 milhões de euros em 2020, mais 22,4% face a 2018.
Em 2020 as exportações de produtos da pesca ou relacionados com esta actividade totalizaram 917,6 milhões de euros. No entanto, o saldo da balança comercial foi de negativo em 1004 milhões de euros, o que, ainda assim, representa uma melhoria do défice em 90,7 milhões de euros face ao ano anterior.