Manuel Esteves, Bruno Simões, in Negócios on-line
Ao longo das últimas décadas, os bairros de lata que envergonhavam as cidades portuguesas foram sendo substituídos por bairros sociais – uns mais bem sucedidos do que outros.
"Desde 1987, foram construídos 150 mil fogos", diz Teixeira Monteiro, ex-presidente do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Mas houve uma grande lacuna, reconhece: "a classe média".
Ao longo dos anos, governos e autarquias concentraram-se em suprir as necessidades dos mais desfavorecidos, relegando para segundo plano o desenvolvimento da chamada habitação a custos controlados. As famílias compensaram essa falta de oferta com o crédito a preços de saldo, ainda mais barato com as bonificações do Estado.
Agora, o caminho tem de ser outro e as prioridades também. Não é só o paradigma da construção que terá de ser substituído pelo da reabilitação urbana. É preciso refocar as política de habitação num novo público-alvo, particularmente afectado pelas políticas de austeridade: a classe média.
O fim do crédito bancário barato e a crise de financiamento da economia portuguesa está agora a deixar muitas famílias numa situação de ruptura financeira.
O vice-presidente da Câmara de Oeiras admite que muitas pessoas que agora solicitam habitação social pertencem a "uma classe mais alta do que a que costuma procurar este tipo de habitações". Muitos pedidos de ajuda, reforça Francisco Queirós, vereador da Câmara de Coimbra, "são de um novo tipo, uma nova pobreza, a classe média, com habilitações, mas sem dinheiro que deixou de conseguir pagar as rendas das casas". Mas, lembra Francisco Queirós, esta é apenas "a ponta do icebergue". "As pessoas só recorrem à câmara em situações-limite", explica.
"As pessoas da classe média nem sequer vêm às câmaras", por causa do anátema, reforça Leonor Coutinho, ex-secretária de Estado da Habitação e vereadora da Câmara de Cascais. De resto, reconhece, "os serviços estão orientados para os mais desfavorecidos, não para a classe média".
"A legislação está feita para as grandes carências financeiras", insiste Teixeira Monteiro. "O apoio à classe média teria de assentar na construção a custos controlados, de modo a assegurar-se habitação a custos controlados", desenvolve. Em Portugal pouco se fez a este respeito, ao contráro de outros países, como a Holanda, onde a habitação a preços controlados ascende a 35% do mercado habitacional, lembra Leonor Coutinho.
O caminho da construção está afastado. Procuram-se alternativas.
Governo promove alternativa
O Governo tem estado a promover um novo programa que visa servir de alternativa à classe média: o mercado social de arrendamento vai reunir as casas devolvidas à banca, por incumprimento dos seus inquilinos no pagamento do crédito à habitação. "A banca fica com imóveis para os quais não tem mercado e há pessoas com necessidade de rendas mais reduzidas", explica Frederico Almeida, vereador da Câmara de Cascais. Foram colocadas no fundo 1.700 casas detidas por sete bancos. No total, a oferta será de 2.100 casas (300 do IHRU), que deverão garantir rendas "30% abaixo do preço de mercado", completa o vereador.