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Uma década depois da entrada do Banco do Tempo em Portugal, muitos "clientes" ainda não conseguiram interiorizar a essência do projecto: quem dá uma hora do seu tempo na prestação de um serviço tem de receber outra em troca.
Uma década depois da entrada do Banco do Tempo em Portugal, muitos "clientes" ainda não conseguiram interiorizar a essência do projecto: quem dá uma hora do seu tempo na prestação de um serviço tem de receber outra em troca.
O Banco do Tempo (BT) funciona como uma instituição bancária comum, com banco central, agências, cheques e depósitos, mas com a particularidade de utilizar o tempo como moeda de troca.
"O problema do Banco do Tempo é que há muita gente a dar e pouca a querer receber", disse à agência Lusa Maria Elisa Carvalho, coordenadora da agência da Penha de França, explicando que o projecto não assenta numa lógica de voluntariado, mas de troca de serviços.
Esta opinião é sustentada por Adelaide Lopes, uma das coordenadoras da agência da Foz (Porto): "Há alguns princípios que não são interiorizados tão bem, como a obrigatoriedade de dar e receber e a inexistência de troca directa de serviços".
Adelaide Lopes adianta que os portugueses estão "muito formatados" para o voluntariado, mas o Banco do Tempo vai muito além disso. Assim, "embora achem piada ao projecto, não interiorizam a essência do projecto que é dar e receber", o que vai inquinar o registo das horas e o tipo de serviços.
Esta realidade também é constatada pela coordenadora do BT do Lumiar, realçando que o banco "não é o voluntariado duro, em que a pessoa dá e não recebe nada. Quem dá tem de receber".
Irene de Freitas Silva dá o seu exemplo: "Eu sou a coordenadora e aquilo que recebo é que nunca mais fui ao cabeleireiro".
"Tenho a cabeleireira que vem a minha casa, em troca ela recebe aulas de inglês e informática uma vez por semana", conta.
A coordenadora da agência da Foz realizou um inquérito junto dos 183 membros e concluiu que "a construção de relações pessoais mais humanas e solidárias foi o que mais contribuiu para a vida das pessoas".
Mas a criação de relações de amizade leva a um problema: os participantes esquecem-se de registar as horas, principalmente quando são serviços de companhia, como ir ao cinema ou dar um passeio, diz Adelaide Lopes.
"A partir de uma certa altura, as pessoas ficam tão amigas que o Banco do tempo já não se justifica e a necessidade inicial desaparece. É um fenómeno muito engraçado", comenta.
A coordenadora e também presidente da Junta da Freguesia da Penha de França salienta, por outro lado, a importância deste projecto para construir uma cultura de solidariedade entre pessoas que vivem no mesmo espaço.
"Em cidades como Lisboa há pessoas que estão isoladas e o Banco do Tempo pode servir para ultrapassar essa situação", diz Elisa Carvalho, acrescentando: "Quero que as pessoas sejam mais solidárias, se conheçam e se ajudem".
Em Portugal há cerca de 1.700 pessoas inscritas nas 32 agências espalhadas pelo país, a maioria mulheres e com idades entre os 50 e os 70 anos, segundo Teresa Branco, do movimento GRAAL, coordenador do banco central do projecto.
Teresa Branco diz que há uma maior participação de jovens e começa a existir "um interesse crescente em bancos de tempo escolares", como os que já existem na Póvoa de Varzim e em Cascais.
Dos objectivos do BT fazem parte o apoio há família e a conciliação entre a vida profissional e familiar.
Os serviços prestados correspondem a actividades não profissionais e a troca assenta na boa vontade, na lógica das relações de "boa vizinhança".
Todos os membros têm de pagar anualmente uma quota de quatro horas, que vai para a "conta" da Agência.