Por Rita Pimenta, in Público on-line
VotaFelpudo, com uma antena torcida e olhos grandes, o Pirilampo Mágico pouco mudou desde que nasceu, em 1987. Apenas nas cores e na dimensão das suas campanhas.
No primeiro ano, “só” se venderam 92 mil bonecos; na mais recente campanha, que terminou esta quinta-feira, estima-se que 800 mil pirilampos tenham sido comprados nas inúmeras bancas presentes em todo o país. Mas já houve anos melhores, em que a ajuda a pessoas com deficiência mental/intelectual ultrapassou o milhão. Foram 1995 e 2000.
“Estas campanhas ressentem-se da conjuntura, mas a verdade é que as pessoas não deixam de ser generosas. Contrariamos a ideia de que em tempo de dificuldades ninguém ajuda. Isso não é verdade”, diz Rogério Cação, vice-presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social (Fenacerci). E informa que ao longo destes 25 anos já se angariaram perto de 16,5 milhões de euros. “É um número significativo”, diz com genuína satisfação.
Será difícil encontrar alguém que não conheça o Pirilampo Mágico, e o sucesso desta iniciativa solidária pode ser atribuído, em grande parte, a um ícone tão bem conseguido. “É um bicharoco engraçado, tem um bocadinho de mistério, não faz mal a ninguém, é simpático. Não há quem não goste de pirilampos. Foi uma escolha feliz também por isso”, conta o responsável, enquanto recorda o autor do boneco, o designer gráfico Mário Jorge Fernandes. Esse, sim, difícil de encontrar. À época trabalhava na RDP, onde tudo começou, mas ao PÚBLICO não foi possível reconstituir-lhe o percurso.
Como tudo começou
“Tudo nasceu num programa de rádio que se chamava A Arte de Bem Madrugar, que foi para o ar na madrugada de 2 para 3 de Setembro de 1986, na Antena 1. Então, as Cerci viviam gravíssimas dificuldades, estavam em crescimento ao nível das solicitações que tinham, mas não havia estruturas, não havia recursos nem meios”, recorda Rogério Cação, que na altura ainda não pertencia ao projecto.
E continua: “Jaime Calado, que era o presidente da Cerci Lisboa, foi ao programa e, enquanto conversava com o locutor, surgiu a ideia: por que não avançar com uma grande campanha a nível nacional?” Regista também o entusiasmo do jornalista José Manuel Nunes, que teria tido conhecimento na altura de uma iniciativa semelhante no Reino Unido, “associada a um bichinho simpático”. Essa discussão, cujas palavras-chave foram “magia”, “solidariedade”, “luz”, deu origem ao pirilampo.
Pensaram logo nas crianças: “Veio a vontade de se criar um símbolo que apelasse a uma dimensão infantil da solidariedade, mas que tivesse algum significado. Seria uma forma de se chegar depois aos adultos. E assim se começou a desenhar a campanha.”
Terá sido uma das primeiras iniciativas solidárias em Portugal apoiadas por um marketing forte e eficaz. Diz Rogério Cação: “Como campanha com algumas ideias de marketing associadas, não tenho dúvidas de que é seguramente daquelas com mais impacte em Portugal dentro deste tipo de iniciativas.” Talvez por isso esteja na memória de muita gente. “E ainda resulta.”
Rogério Cação, 56 anos, não quer ser presunçoso – “estou a jogar em causa própria, sou suspeito” –, mas diz acreditar que “se hoje temos uma ideia diferente da pessoa com deficiência intelectual ou mental em Portugal, em grande parte deve-se à campanha Pirilampo Mágico, porque permitiu mostrar o outro lado destas pessoas. O lado do afecto, da vida, do sonho, da expectativa”. Mais: “Ajudou os pais e as famílias a não os esconder. Trouxe-os cá para fora. Deu-lhes a dimensão de naturalidade que era preciso para que os pais agissem assim: ‘Eu é que sou a mãe desta criança com trissomia 21 e, sim, vamos ao restaurante como os outros’.”
Alberta Menéres, José Niza e Pedro Osório
Actualmente, o Pirilampo Mágico beneficia 84 organizações, 51 delas pertencendo à rede das Cerci. “São todas associações que têm a particularidade de trabalhar na área da deficiência mental.” O modelo funciona assim: “As instituições fazem a sua encomenda de pirilampos para o ano seguinte. E é com base nessa encomenda que fazemos o concurso público para a produção. Neste contexto de recessão e dificuldades, as organizações fazem menos encomendas. Provavelmente, para o ano, vão encomendar mais.”Na campanha deste ano, arriscaram, timidamente, um novo produto: “Lançámos uma caneca com o pirilampo desenhado e que custa quatro euros. Fizemos uma pequena edição, só de três mil canecas. Desapareceram logo todas.”
Rogério Cação valoriza a participação, desde sempre, de muitas figuras públicas. Não só na promoção do boneco, como dos produtos associados, caso dos CD áudio. “A autoria da primeira canção é de Maria Alberta Menéres, com música de José Niza, que infelizmente já faleceu. A segunda foi de Pedro Osório, que também já não está connosco.” E enumera uma série de intérpretes e colaboradores que se associaram gratuitamente a todas as campanhas, “uma grande diversidade de artistas” . Exemplos: José Mário Branco, Herman José, Maria Rueff, Sara Tavares, Bonga, Marco Paulo, os bonecos do Contra-Informação (“lembra-se do Bimbo da Costa a cantar “Eu sou aquele que...”?), Maria João, Mariza, Teresa Salgueiro, Carminho e Ney Matogrosso, etc.
“As pessoas aderem com alguma facilidade pela dimensão pública da campanha. Os artistas também têm interesse em associar-se a causas que lhes dêem projecção. É bom para a sua própria imagem. Não o fazem por isso mas estão mais disponíveis se quem lhes pede são causas credíveis”, diz o também professor de Educação Visual e especialista em ética e deontologia profissional ligadas à deficiência.
Há no entanto uma figura que considera paradigmática da dedicação à causa, a atleta Rosa Mota. “Está connosco desde a primeira hora e acompanha-nos em muitas iniciativas. É a primeira a dizer: ‘Sim senhor, vou estar presente.’ Até nos lançamentos das campanhas.”
Mais de 2000 voluntários
O peso da receita do Pirilampo Mágico nos orçamentos das instituições “não é grande”, segundo Rogério Cação, “ mas é importante”. Se não existisse esta verba , “haveria muita coisa que ficaria por fazer”.
Cada participante fica com os lucros da venda dos bonecos e utiliza-os de acordo com as suas necessidades. “Normalmente, em obras de manutenção, aquisição de pequenos equipamentos, reparação de instalações e projectos de interacção com a comunidade. A maior fatia tem sempre que ver com o conforto, qualidade de vida, bem-estar dos associados.” Mas, nesta conjuntura, este responsável suspeita de que “o lucro será encaminhado para outras utilizações, dadas algumas situações aflitivas de tesouraria”.
A terminar, realça: “Estas campanhas são muito vivas, têm gente dentro. São mais de 2000 voluntários a vender pirilampos nas bancas. Pais, funcionários, colaboradores, pessoas que se oferecem. Envolve comerciantes que não têm lucro. É uma campanha que é muito mais do que a venda do boneco em si. É um espaço solidário interessantíssimo.”. “Merecia ser estudado”, diz.
E faz um apelo: “Continuem a gostar deste tipo de iniciativas, que são claramente reforços positivos para uma dimensão que nós temos de trabalhar mais: a de cidadania solidária. Quanto mais solidários conseguirmos ser, melhores cidadãos seremos. E isto tem implicações não só nesta dimensão (de ajudar os outros), mas sobretudo na nossa dimensão como país. Um país solidário é um país com vontade de mudar as coisas, é virado para o futuro, é um país que acredita.”