Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Provedoria de Justiça está a ouvir as partes, incluindo quem se queixou de orientação para isolar crianças e jovens retiradas às famílias e integradas em instituições, ainda que com teste negativo, não só no momento da admissão, mas sempre que precisam de se ausentar.
A duas semanas do início do ano escolar, a Direcção-Geral de Saúde (DGS) ainda não esclareceu se permitirá o regresso à escola de crianças e jovens em acolhimento residencial ou se lhes imporá o ensino à distância. Encarando como urgente a queixa contra o isolamento de crianças institucionalizadas com teste negativo de covid-19, a Provedoria de Justiça está a ouvir as partes.
O PÚBLICO perguntou à provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, o que pensa das orientações da DGS, se as considera compatíveis com a lei de protecção de crianças e jovens e como se conciliam com o regresso à escola. “Estamos a trabalhar sobre a queixa”, respondeu, por escrito, o gabinete de comunicação. “Nesta fase instrutória estamos a ouvir todas as entidades pertinentes, onde se incluem os próprios queixosos.”
Os queixosos são os membros da comissão instaladora da associação AjudAjudar, formada por profissionais de várias área dos direitos da criança – Sónia Rodrigues, Tito de Morais, João Pedro Gaspar, Tânia Mealha, Márcia Lemos, Eduarda Castro, Luís Fernandes, Vânia S. Pinto, Sofia Neves, Joana Antão, Francisca Pimentel, Pedro Teixeira, Catarina Ribeiro e Alfredo Sá Cunha. Consideram uma violação da Constituição a orientação para isolar 14 dias, mesmo com teste negativo de covid-19, crianças e jovens retiradas à família e entregues a instituições, não só no momento da admissão, mas sempre que precisam de se ausentar, ainda que por um período inferior a 24 horas. Vigora um “confinamento total”. Fica inviabilizado o convívio com familiares no exterior, como acordado com as comissões de protecção de crianças e jovens e os tribunais de família, e o regresso ao ensino presencial, em igualdade com os outros estudantes.
"Foram pedidos esclarecimentos por email”, confirma Sónia Rodrigues, por telefone. “Querem exemplos de casas que estão a cumprir e de casas que não estão a cumprir a orientação da DGS e informações sobre as consequências. Sabemos que há miúdos que choram, que não aguentam o confinamento, que fogem.” O panorama é diverso. “Há casas de onde não saem para nada.” E casas de onde saem para actividades com supervisão.
O PÚBLICO perguntou ao Ministério da Saúde e à DGS se estas normas vão continuar em vigor no início das aulas. “A DGS está atenta às preocupações que lhe têm sido transmitidas”, lê-se na resposta conjunta, enviada por email. “Mantendo o habitual princípio de actualização contínua das normas e orientações, esta orientação está a ser revista”.
Na conferência de imprensa da passada quarta-feira, a directora-geral de saúde, Graça Freitas, só admitiu mudar as “condições de conforto” em que o isolamento de crianças e jovens se faz. O PÚBLICO quis perceber o significado desta expressão. E uma vez mais a resposta foi vaga: “Referia-se à garantia de aspectos como o conforto físico e acompanhamento regular dos utentes por profissionais.”
Para já, a DGS continua a equiparar crianças e jovens em acolhimento residencial a idosos em lares, toxicodependentes em comunidades terapêuticas ou reclusos em prisões. “Toda a literatura científica indica que os mecanismos de transmissão de SARS-CoV-2 são idênticos em qualquer idade, sendo que o principal meio de transmissão é através de gotículas contendo vírus, motivo pelo qual o distanciamento físico e a utilização de um método barreira, como uma máscara, são recomendados para casos positivos, seus contactos, mas também pessoas vindas do exterior para instalações fechadas, como as prisões, os Estruturas Residenciais para Idosos ou comunidades terapêuticas. Recomenda-se ainda o isolamento para protecção do grupo que está institucionalizado.”