O primeiro caso de covid-19 em Portugal foi há seis meses, o que parece uma eternidade, tais as mudanças radicais que ocorreram no nosso próprio mundo.
“Quem éramos nós? Quem queríamos ser? Quais as esperanças que a vida roubou?” Isto é um verso de Sérgio Godinho que pode ser tremendamente actual só porque talvez já não nos lembremos disso – de quem éramos nós antes da covid-19 ter posto as nossas vidas de pernas para o ar.
O vírus chegou há seis meses em Portugal e aterrou-nos. De um instante para o outro, mudámos. Abandonámos as escolas antes de o Governo as fechar, fomos trabalhar para casa (os que podiam) antes do estado de emergência, deixámos de tocar as pessoas que amamos mas que não viviam connosco. Entrar no supermercado, nos idos de Março, parecia um risco equivalente a sair à rua em plena guerra civil. Depois, muitos de nós chegavam a casa e punham-se a desinfectar as compras. O álcool-gel esgotou e chegou a estar mais caro do que o vodka.
Foi no dia 2 de Março, faz esta quarta-feira seis meses, que os primeiros dois casos foram identificados no Porto. O Governo foi rápido a reagir — data desse dia o despacho que coloca os funcionários públicos em teletrabalho. A 4 de Março é lançada a primeira linha de crédito para apoio a empresas, no valor de 100 milhões de euros.
Os casos iam aumentando, espalhando o terror em muitos cidadãos, nomeadamente nos mais vulneráveis e seus familiares. A 5 de Março a TAP cancela mil voos. Portugal tinha 78 casos registados quando, a 12 de Março, António Costa anuncia o fecho das escolas, apesar de o Conselho Superior de Saúde Pública não considerar a medida necessária. Além do fecho dos estabelecimentos de ensino — naquele momento apenas decidido “até à Páscoa” — Costa também determinou nesse dia o fecho das discotecas, condicionamento das visitas a lares de idosos em todo o país e limitações ao número de pessoas em centros comerciais e restaurantes.
O governo foi rápido a reagir à crise de saúde pública e contou com um inédito apoio da oposição, nomeadamente do maior partido, o PSD de Rui Rio, e do Presidente da República. Uma coisa separava Marcelo e Costa: o Presidente defendia a célere declaração do Estado de emergência, Costa prefere aguardar para mais tarde. Mas o primeiro-ministro rende-se ao desejo do Presidente e a 19 de Março é decretado o estado de emergência. Fecha tudo, com a excepção de serviços essenciais: supermercados, mercearias, farmácias, restaurantes a vender comida para fora, talhos, padarias, lotas, toda a produção e distribuição agro-alimentar. Não faltou um pão aos portugueses apesar de, nos primeiros tempos, ter sido notada uma fúria de açambarcamento que deixou algumas prateleiras vazias, o que o levou o ministro da Economia a reunir com os agentes económicos do sector. Tabacarias e papelarias também ficaram abertas e no meio da grande incerteza pudemos jogar no Euromilhões – os jogos sociais também não fecharam. As pessoas fecharam-se em casa: podiam sair com diminutas excepções e a polícia manteve intensa actividade a identificar os faltosos. Nunca tínhamos visto isto: o Estado a controlar, pela primeira vez desde o 25 de Abril, os nossos movimentos.