1.7.21

Taxas de retenção e de abandono caíram a pique com a pandemia

Andreia Sanches e Maria João Lopes, in Público on-line

No final do secundário registou-se a maior descida nas retenções e desistências contabilizadas pelas estatísticas oficiais. Mudanças nas regras dos exames ajudam a explicar melhoria, bem como uma maior “condescendência” dos professores no regime de ensino à distância. Mas directores recusam que tenha havido facilitismo. Sucesso escolar tem vindo a aumentar quase todos os anos, com poucas excepções nos últimos 20 anos.

No ano em que a pandemia de covid-19 obrigou milhares de alunos a estudar à distância, nas suas casas, e alterou por completo a vida nas escolas, o insucesso escolar baixou para valores inéditos. No ensino secundário (10.º, 11.º e 12.º anos considerados) a taxa de retenção e desistência caiu de 13,1%, em 2019, para 8,5%, em 2020. No básico (do 1.º ao 9.º ano) desceu de 3,8% para 2,2%.

Os dados constam do relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), Estatísticas da Educação 2019/2020, que traça o retrato em números das escolas portugueses, públicas e privadas, agora divulgado.


Com base nos dados do sucesso escolar desde 2001, que a DGEEC passa em revista no documento, é possível afirmar que o ano lectivo de 2019/2020 bateu recordes em termos de sucesso escolar, em todos os ciclos de escolaridade. Em 2001, a taxa de retenção e desistência no secundário era quase cinco vezes superior (chegando perto dos 40%). No básico era de 12,7%. Considera-se que um aluno fica retido ou desiste quando reprova por falta de aproveitamento, abandona a escola, anula a matrícula ou é excluído por excesso de faltas.

“Atendendo ao contexto de pandemia, houve uma atitude em termos de avaliação diferente, mais condescendente para com o incumprimento dos alunos. A falta de assiduidade no regime não presencial não foi quase penalizada e na dúvida transitavam-se o aluno”, afirma Paulo Guinote, professor do 2.º ciclo do ensino básico, autor de Quando As Escolas Fecharam, um livro publicado recentemente pela Fundação Francisco Manuel dos Santos onde se fala precisamente do impacto da covid-19 na escola.



“Tarefas que eram pedidas no regime não presencial eram valorizadas apenas pela sua própria entrega e realização e não tanto pela qualidade do trabalho. Houve professores a dar 100% ao aluno só porque o trabalho era entregue”, prossegue o docente quando questionado sobre os números agora divulgados. "Só em casos muito excepcionais é que se reprovaram alunos.”​

Já Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, recusa que tenha havido facilitismo. “Esses números têm vindo a melhorar ao longo dos anos. Não me surpreendem porque reflectem o trabalho realizado nas escolas ao longo dos anos. Ficaria apreensivo, sim, se esses números, mesmo em pandemia, não melhorassem. Mesmo em situações que podiam ser negativas, as escolas conseguiram bons resultados. Não acredito no facilitismo, os professores trabalham e sabem trabalhar.”​

“Congratulo-me com a evolução”, diz também por dizer João Jaime, director da Escola Secundária de Camões, em Lisboa. “É evidente que se calhar esta estatística não condiz com alguns discursos segundo os quais muitos alunos perderam contacto com escola ou não tinham equipamentos, ficámos com ideia que houve perda de contacto, que a pandemia tornou visíveis questões sociais e económicas — o Ministério da Educação anunciou o plano de recuperação das aprendizagens, por exemplo.”

Este professor lembra, contudo, que houve mudanças na avaliação dos alunos, a diferentes níveis, que devem ser lembradas para enquadrar estes dados. Desde logo, no ano passado, tal como acontecerá este ano, por causa da pandemia, o Governo decidiu que os exames nacionais do secundário só contam como prova de ingresso ao ensino superior, não tendo peso na avaliação final das diferentes disciplinas do secundário. Os alunos que não pretendem candidatar-se a uma universidade ou politécnico não têm, de resto, que fazer exames nacionais. “Temos de ser justos, melhorou a transição porque quer no 11.º ano, quer no 12.º os exames tinham [antes] um peso na avaliação interna, alguns alunos iam com 10, 11 e 12 e os exames faziam com que não transitassem, e agora [as alterações na] avaliação externa contribuíram para não aumentar a retenção”, diz João Jaime.

Segundo o relatório da DGEEC, 15,4% dos alunos do 12.º não passaram no ano passado, o que representa a maior diminuição em pontos percentuais de todos os anos de escolaridade registada entre 2019 e 2020: em 2019 tinham sido 22,6%. Houve, portanto, uma quebra de 7,2 pontos. Só em 2007 tinha havido uma melhoria dos resultados superior a esta.

Também no 9.º ano não houve exames, ao contrário do que é habitual, e a taxa de retenção passou de 5,5% para 2,2% (menos 3,3 pontos). Poucas vezes houve uma descida maior nos últimos 20 anos.

Supressão de provas e alguma "benevolência" perante dificuldades que não eram da responsabilidade dos alunos

"As melhorias das taxas de sucesso em 2019/2020 são bem-vindas e seguem a tendência dos últimos 20 anos", diz José Eduardo Lemos, presidente do Conselho das Escolas. "Foram mais visíveis" agora não por efeito de qualquer medida tomada nesse sentido "mas, sobretudo devido à situação de pandemia", prossegue.

"Penso que a estes números do sucesso escolar não serão alheios a supressão dos exames e provas nacionais obrigatórias", diz José Eduardo Lemos, numa resposta por escrito enviada ao PÚBLICO, "nem alguma benevolência na avaliação dos alunos em resultado de os professores terem considerado todos os constrangimentos verificados durante o confinamento, decorrentes do ensino à distância, que impediram o normal desenvolvimento do ano lectivo e a consolidação das aprendizagens e de que os alunos não tinham qualquer responsabilidade".

Paulo Guinote acrescenta: "A quem não ia a exame, num ano tão complicado, os professores tentaram que passasse, até porque o aluno não ia ter hipóteses de no exame subir a nota.”

“O facto de termos alguma instabilidade pesou também no processo de avaliação formativa”, continua João Jaime, “e houve certamente alguma atenção que permitiu que não tivesse aumentado o insucesso e até tivesse aumentado a transição”. Dá um exemplo: “Na minha escola recebemos alunos de diferentes origens e percebem-se assimetrias nas aprendizagens, mas talvez nunca tenha havido tantos alunos com 14 anos no 10.º ano, e isto é um sinal de progresso, de sucesso.”

Paulo Guinote deixa, ainda assim, um alerta. “Creio que há aqui um sub-registo da desistência. Houve muito abandono que não ficou registado, atribuíram se notas anteriores a alunos que deixaram de aparecer durante o regime não presencial, considerou-se que muitas vezes era por falta de equipamento e atribuíram-se se notas dadas no período anterior em vez de excluir os alunos por falta. Neste ano lectivo, esta atitude vai manter-se.”

Dificuldades maiores no 2.º e 7.º anos

O relatório Estatísticas da Educação 2019/2020 mostra, de facto, que o insucesso escolar tem vindo a diminuir gradualmente, todos os anos, com poucas excepções — por exemplo, em 2012 e 2013, em vários anos de escolaridade do básico, houve um forte recuo neste caminho de melhoria.

Mas nos anos seguintes os resultados foram melhorando de novo. E no ano passado, depois de meses a lidar com a covid-19, o número de estudantes que concluíram com sucesso aumentou. Quase 98% dos alunos do básico e 91,5% dos do secundário conseguiram-no. Os dados agregam todos os alunos, dos diferentes planos de estudo, dos gerais aos profissionais.

As taxas de conclusão com sucesso são ligeiramente melhores nas raparigas do que nos rapazes, variam conforme a natureza do curso (no ensino secundário são mais baixas nos cursos profissionais, rondando os 80%) e também são mais altas no ensino privado. No secundário, nos cursos científico-humanísticos a diferença é de dez pontos percentuais (85,8% de conclusão no ensino público contra 96,1% no privado).

Há outros padrões que se mantêm. Por regra — e os dados do ano lectivo 2019/2020 não mostram uma realidade diferente — os valores registados pela taxa de retenção e desistência são crescentes com o nível de ensino e ciclo de estudos, e assumem, no ensino básico, particular importância no ano inicial de cada ciclo: o 2.º ano e o 7.º ano são os piores do básico, com 3,2% e 4,2% dos alunos a não conseguirem transitar para o ano seguinte.