10.2.12

Mutilação genital de menores devem ser reportada

in Diário de Notícias

Os profissionais de saúde "devem" referenciar os casos de menores "em risco" de mutilação genital feminina aos Núcleos Hospitalares de Apoio às Crianças e Jovens em Risco, propõe uma orientação aprovada pela Direção Geral da Saúde (DGS).

Hospitais e centros de saúde "devem aproveitar as potencialidades dos programas informáticos de gestão clínica e propor a introdução da problemática da MGF, para ser possível registar e contabilizar a nível central os casos identificados", realça o documento, aprovado na passada segunda-feira, Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, e já disponível na página da DGS.

Coordenado pela médica Lisa Vicente, o grupo de trabalho que formulou a nova orientação sobre uma prática que já afetou 130 milhões de mulheres no mundo, pondo em risco três milhões de meninas anualmente, começa por afirmar que "os profissionais de saúde devem saber identificar e orientar (...) a criança, a jovem ou a mulher com uma mutilação genital". Simultaneamente, "devem ter um papel ativo na informação das comunidades no sentido de prevenir a sua realização nas novas gerações".

A orientação - que resulta do facto de Portugal aparecer listado pela Organização Mundial de Saúde como um dos países em risco de ocorrência desta prática, devido aos fluxos migratórios - realça ainda que a MGF pode ser identificada "em qualquer consulta ou atividade" de saúde, cabendo a centros de saúde e hospitais "organizar uma resposta" para cada situação.

A referenciação será monitorizada "através dos relatórios anuais de avaliação da Ação de Saúde das Crianças e Jovens em Risco".

O objetivo desta orientação "foi tornar bastante mais prática a forma de organização, em termos de prevenção da MGF" e "dar aos profissionais de saúde ferramentas adequadas e em português, cientificamente atualizadas" sobre a prática, disse Lisa Vicente, chefe da Divisão de Saúde Reprodutiva da DGS, em declarações aos jornalistas à margem de uma sessão sobre MGF no Hospital Garcia de Orta, em Almada, na segunda-feira.

O ideal, defende a orientação da DGS, é que os Núcleos Hospitalares de Apoio às Crianças e Jovens em Risco garantam "o acompanhamento continuado" às famílias das menores em risco. Se tal não acontecer, os profissionais de saúde da unidade onde esteja inscrita a criança devem, "com ou sem apoio" daqueles núcleos, conceber um "plano de intervenção e apoio à família", envolvendo, "quando necessário", mediadores socioculturais e líderes das comunidades (nomeadamente religiosos).

A MGF é uma prática corrente em cerca de 30 países africanos e nalgumas outras zonas do globo. Entre os países listados está a Guiné-Bissau, onde é mantida entre as etnias islamizadas, numa taxa de quase 50%. Nenhuma das três religiões monoteístas faz qualquer indicação de apoio à prática, que, aliás, lhes é anterior.

"É necessário envolver as famílias e a comunidade onde se sabe haver casos de MGF, de modo a prevenir a sua recorrência", sustenta o documento, sublinhando que "os profissionais de saúde devem trabalhar com a população no âmbito das unidades de cuidados na comunidade".

A orientação médica explana ainda os critérios de identificação da MGF e as complicações que a prática causa nas vidas das mulheres que a ela são submetidas.

E recomenda que se volte a inquirir os profissionais de saúde para determinar o "grau de conhecimento sobre esta prática". "Existem ainda vários profissionais de saúde que não estão sensíveis para o tema", reconhece Lisa Vicente.