4.6.12

Algumas escolas vão dar pequenos-almoços a partir desta semana, mas quem os irá entregar?

Por Graça Barbosa Ribeiro, in Público on-line

O Ministério da Educação mantém que o projecto-piloto de distribuição do “pequeno-almoço na escola” arranca na próxima semana em 80 estabelecimentos de ensino, a título experimental, mas “esqueceu-se de contactar as câmaras municipais”, que deveriam fazer o transporte dos alimentos, acusa António Ganhão. Este dirigente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) garante que “não há nada acertado” e acusa o ME de “desrespeitar” aquela organização e de “andar a brincar à caridadezinha com as famílias em dificuldades”.

O anúncio foi feito no Parlamento, na terça-feira passada. Durante a audição na Comissão de Educação e Ciência, o secretário de Estado Casanova de Almeida adiantou que o programa – a generalizar no próximo ano lectivo – arrancaria, como projecto-piloto, em 80 escolas do Ensino Básico de todo o país. Sem especificar o dia, indicou que seria na semana que começa a 4 de Junho, com a distribuição do pequeno-almoço gratuito a “milhares de alunos”, do 1.º ao 9.º anos de escolaridade. Estes teriam sido indicados pelos directores das escolas, por precisarem deste apoio, independentemente de beneficiarem do serviço de acção social escolar.

No mesmo dia, o secretário de Estado especificou que estavam envolvidos no projecto grandes empresas do ramo alimentar (que forneceriam os produtos) e a ANMP, já que caberia às câmaras o transporte dos alimentos entre as grandes superfícies comerciais e os agrupamentos de escolas seleccionados para esta primeira fase do projecto. Acontece que, de acordo com António Ganhão, o assunto só foi formalmente apresentado à ANMP, “através de um e-mail, que chegou às 17h31”, na quinta-feira, dois dias depois de ter sido anunciado.

“Para além de contactos telefónicos pontuais, o que existe é esta mensagem com uma lista de 41 câmaras municipais e a indicação de que cada uma delas deverá contactar a Direcção Regional de Educação (DRE) da sua área de influência, para saber onde deve recolher os alimentos e onde os deve entregar”, descreveu Ganhão.

Num momento de particular tensão política entre ANMP e o Governo, a mensagem do ME foi entendida como “mais uma gesto de desrespeito pelo Poder Local”. “O ministro Nuno Crato, que se recusa a receber-nos para tratar de questões importantíssimas para as comunidades, pensa o quê? Que as câmaras são uma extensão das DRE ? Que nos pode dar ordens para transportarmos nem sabemos o quê de um lado para o outro?”

Ganhão sublinha, contudo, que as divergências políticas não são o motivo pelo qual adivinha que o “Conselho Directivo da ANMP recusará esta colaboração”. “As câmaras têm feito o que podem e o que não podem para ajudar as populações em dificuldades, mas tentam fazê-lo de forma sustentada e efectiva. Começar um projecto destes sem o preparar convenientemente e a oito ou 15 dias do final do ano lectivo não é só demagógico, é uma falta de respeito pelas crianças que têm fome”, acusou.

Presidentes de câmara surpreendidos

O dirigente da ANMP telefonou para várias autarquias da lista enviada pelo ME, (como Vila Franca de Xira, Almeirim, Ílhavo e Loures) cujos autarcas confirmaram que não foram contactadas directamente. Ao PÚBLICO, os presidentes das câmaras de Vila do Conde e de Coimbra, (concelhos que também fazem parte da lista) disseram nunca terem ouvido falar da sua participação neste projecto-piloto. Para além de estranhar a situação, o socialista Mário de Almeida, de Vila do Conde, mostrou-se indisponível para participar “em acções demagógicas”. Barbosa de Melo, apesar de surpreendido, disse que fará “todos os esforços de organização” se vier a ser contactado pelo ME durante a semana. Isto, diz, por considerar “que tudo vale a pena para matar a fome a uma criança, nem que seja apenas por um dia”.

Os presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, disse não conhecer qualquer escola chamada a participar nesta fase do projecto. Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), mostrou-se espantado por, depois de ter feito “inúmeros telefonemas”, não ter conseguido descobrir uma única escola que esta semana estivesse a contar com o pequeno-almoço gratuito “É um mistério”, comentou.

Albino Almeida, da Confederação Nacional de Associações de Pais (CONFAP), também não sabia mais sobre o projecto-piloto do que aquilo que lera nos jornais sobre as afirmações do ministro e do secretário de Estado. Disse que só pode entender “o timing da iniciativa por motivos de cálculo da despesa na área da acção social no próximo ano lectivo”. “Se não for por isso, que sentido faz começar a distribuir pequenos-almoços quando uma parte dos alunos entra em féria no fim desta semana?”, questionou.Em resposta a um pedido de esclarecimento do PÚBLICO, o MEC garantiu, através do gabinete de imprensa, que “tem estado em contacto com a ANMP durante todo o processo” e que está “a ser ultimado o protocolo a ser assinado” com aquela associação e as empresas envolvidas. “O ministro da Educação disse (…) que o projecto-piloto começava na próxima semana, o que não significa que seja na segunda-feira”, acrescentou, remetendo para o lançamento da iniciativa (em data que não indicou) mais informação sobre o programa.

Escolas já tentam responder ao problema

Tanto Manuel Pereira, da ANDE, como Adalmiro Fonseca, presidente da ANDAEP, afirmam que dificilmente haverá crianças a iniciar o dia de escola com fome. “De uma maneira ou de outra os professores, os directores de turma, as direcções das escolas, vão resolvendo o problema”, disse Manuel Pereira. Como o agrupamento que dirige pertence a um Território Educativo de Intervenção Prioritária, Manuel Pereira dispõe de verbas próprias para apoiar os alunos. Já Adalmiro Fonseca, usa os lucros do bar e da papelaria para garantir que ninguém entra ou sai da escola com fome. Em ambos os casos são usados os cartões recarregáveis dos alunos, pelo que ninguém sabe quem recebe este apoio.

Segundo os dirigentes das associações, são os professores e os funcionários que normalmente se apercebem do problema. Dores de barriga, náuseas, cansaço extremo e falta de concentração nas aulas são sinais de alerta. O bar é outro dos locais onde são detectadas crianças que não se alimentam devidamente – rondam o balcão mas não compram nada. “O contacto é sempre feito por um professor ou funcionário que tenha uma relação mais estreita com a criança. O processo é sempre tratado de forma discreta”, explica Manuel Pereira.