in Público on-line
Apesar da legislação que estabelece um conjunto de direitos, as pessoas com deficiência mental continuam a ser vítimas de discriminação numa série de aspectos, na generalidade dos Estados-membros da UE, dizem dois relatórios da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA), que acabam de ser apresentados em Copenhaga (Dinamarca), numa conferência sobre “Autonomia e inclusão”. Pior ainda: as medidas de austeridade estão a agravar a situação.
“Há ainda muito a fazer para tornar realidade os direitos dos 80 milhões de pessoas com deficiência na Europa”, diz o director da FRA, Morten Kjaerum, citado num comunicado da agência. “Os direitos fundamentais das pessoas com deficiência não acompanham as garantias jurídicas, em especial numa altura em que se começam a sentir os efeitos das medidas de austeridade”, acrescenta o responsável, que na próxima semana estará em Portugal, para contactos com responsáveis governamentais e organizações da sociedade civil.
Os dois relatórios, feitos a partir de entrevistas a pessoas com deficiência, retratam as experiências de exclusão ou discriminação de pessoas com deficiência intelectual ou com problemas de saúde mental.
A FRA identifica três áreas fundamentais em que a discriminação se faz sentir: “leis e políticas que não permitem que as pessoas com deficiência tenham uma vida autónoma; atitudes negativas e preconceito que não reconhecem o contributo dado à sociedade pelas pessoas com deficiência; e ausência de oportunidades de emprego, que gera dependência da ajuda e subsídios estatais.”
Nos relatórios, aponta-se ainda a necessidade de “passar da institucionalização a um modo de vida baseado na comunidade e de reformular a legislação e as políticas, de modo a torná-las mais inclusivas”. O director da FRA, Morten Kjaerum, diz que o trabalho feito pela agência “fornece uma base para discutir medidas práticas que farão uma diferença nas vidas quotidianas” destas pessoas.
A FRA sugere que a autonomia destas pessoas só se conseguirá se a desinstitucionalização, que está a ser seguida em vários países, for “acompanhada por uma reforma da política social nos domínios da educação, cuidados de saúde, emprego e opções de apoio pessoal”.
Outra chamada de atenção importante é a necessidade de “envolver as pessoas com deficiência no desenvolvimento” das políticas a elas destinadas. Um dos entrevistados, um búlgaro de 32 anos, diz: “As pessoas que trabalham nos ministérios e as autoridades deviam falar com pessoas como eu quando preparam legislação e políticas. Deviam perguntar-nos o que queremos e quais são as nossas necessidades em vez de tornarem as nossas vidas ainda mais difíceis.”
Num dos relatórios, trata-se da questão do internamento ou do tratamento compulsivo, alertando para a necessidade de garantir os direitos fundamentais da pessoa, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pela União Europeia e por 20 dos seus Estados-membros. O relatório alerta para a existência de “experiências terrivelmente negativas de internamento ou tratamento compulsivos”, apesar de os Estados-membros terem garantias mínimas neste campo.
Os estudos pretendiam analisar a capacidade de vida autónoma de pessoas com deficiências intelectuais ou com problemas de saúde mental. Foram seleccionados nove países-membros, representando diferentes realidades geográficas e legislativas: Alemanha, Bulgária, França, Grécia, Hungria, Letónia, Reino Unido, Roménia e Suécia. Além das experiências recolhidas no trabalho de campo, os relatórios fazem uma análise comparativa da legislação dos 27 Estados-membros.
O director da FRA considera que a convenção das Nações Unidas aponta “um caminho ambicioso para melhorar a situação das pessoas com deficiência”. A convenção foi adoptada em 2008 e já ratificada por 20 Estados-membros da UE e pela própria União e é o primeiro instrumento internacional de direitos humanos juridicamente vinculativo de que a UE é parte.