Por:Eduardo Cintra Torres, in Correio da Manhã
Há um ano que TV e media em geral apresentam reportagens sobre os "novos pobres", uma herança da desgovernação económico-financeira do país e da evolução do capitalismo mundial.
É certo que nos media os pobres de sempre só são notícia por alguma particularidade em que se vêem envolvidos, não por serem pobres. Mas a atenção mediática à pobreza que atinge agora a classe média é justa, por ser um facto novo, sinal duma vasta alteração social.
No livro ‘A Classe Média: Ascensão e Declínio’ (FFMS, 2012), Elísio Estanque mostra como as pessoas em ascensão social pensam já com os modelos de referência da classe a que aspiram e que, quando não podem pagar os empréstimos que as colocavam na ilusão da classe no degrau acima, julgam que é passageiro e recorrem a "tácticas de dissimulação e disfarce" que roçam a "patologia social". Só quando falha a espiral de empréstimos pedem assistência envergonhadamente. Alguns, corajosos, dão a cara, mas a TV tem dado conta de vítimas da sua auto-ilusão, falando com voz disfarçada e cara escondida ou comendo na "sopa dos pobres" virados para a parede. Vêm do sector privado e dum sector público inflacionado pelo poder político. É uma classe média imaginada, que esconde a nova pobreza de familiares e vizinhos. Mas como chamar-lhe pobres, se tantos mantêm segunda casa, jipe ou ginásio?
A questão desestabiliza o conceito adquirido de pobreza. Os pobres fazem parte da paisagem social; nenhuma sociedade os apagou. Estão ao mesmo tempo dentro da sociedade e fora dela, como estrangeiros. Não são uma classe social, vivem, como se normalmente, no grupo com que se identificam. Os novos pobres vivem isolados, à margem da vida social, pois, tal como os pobres de sempre, humilham-se por pedir, não podem reivindicar e porque os Estados tratam a pobreza como abstracção e o pobre concreto como sujeito da assistência.
O primeiro a estudar a pobreza nesta perspectiva foi o sociólogo Georg Simmel. Em 1907, explicou que a pobreza não se define pelo dinheiro e bens à disposição. É relativa: "Pobre é aquele cujos meios não chegam para atingir os seus fins." E, como "cada classe social tem as suas necessidades concretas, a impossibilidade de as satisfazer significa pobreza". Há, pois, pobres em todas as classes, mas eles só se definem como tal no momento em que são ajudados: tornam-se então "membros dum grupo caracterizado pela pobreza". A TV contribui para conhecer a nova pobreza e, assim, integrá-la no corpo social e permitir, aos que sofrem e aos que ajudam, diminuir a "pobreza invisível" e o "sofrimento individual" dos novos pobres.