30.7.20

A covid-19 e o longo inverno do Algarve: empresários do turismo alertam para espectro do desemprego, Governo tarda em dar respostas

Hélder Gomes, in Expresso

Os números do INE confirmam o efeito da pandemia na taxa de desemprego, agora nos 7%, mas o ministro da Economia diz que “o ponto mais crítico ficou para trás”. Os empresários do turismo algarvio não se mostram tão otimistas, antes pelo contrário, e tentam perceber como os fundos europeus serão aplicados no sector. O grande receio é que quando o dinheiro chegar já não possa reparar o estrago na malha social e económica da região 

O sector do turismo em Portugal está a atravessar o seu segundo inverno consecutivo em pleno verão por causa da pandemia de covid-19 e teme pelo que pode acontecer no terceiro. As perspetivas não são animadoras, apesar do otimismo do ministro da Economia, Pedro Siza Viera. O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou esta quarta-feira que a economia perdeu cerca de 183 mil empregos em apenas três meses. Para o ministro, “o ponto mais crítico da contração económica ficou para trás” mas os empresários do sector do turismo, um dos mais afetados, receiam que o socorro chegue demasiado tarde.

Com o desemprego nos 7%, Siza Vieira deixou uma nota de esperança: a retoma “vai ser muito desigual e muito incerta, mas vai acontecer”. A garantia não deixa descansado o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas. “No fim do mês de julho, o aumento do desemprego acumulado na região foi de 232% relativamente ao ano passado. Estamos a falar de desemprego no sector turístico e nas atividades relacionadas, como a restauração, os empreendimentos, o comércio e similares”, descreve ao Expresso.

“O Algarve é a região mais afetada - quer económica quer socialmente -, uma vez que depende da atividade turística enquanto sector principal”, sublinha. Na véspera, a presidente do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla inglesa), Gloria Guevara, alertara que a imposição de quarentenas entre países europeus devido à pandemia põe em risco até 197,5 milhões de empregos este ano em todo o mundo. Em entrevista à agência de notícias EFE, Guevara referiu que, no pior dos cenários, a queda do turismo vai causar uma perda no Produto Interno Bruto (PIB) mundial de 4,7 biliões de euros. 

As pessoas receiam mais ficar presas num país do que ficar contagiadas

A falta de colaboração entre os países europeus para estabelecer um quadro comum contra a covid-19 fará aumentar o número de empregos afetados no continente em 2020 de 18,4 milhões para 29,5 milhões, com uma perda de 1,4 biliões de euros no PIB, advertiu a presidente do WTTC. A responsável mostrou-se ainda preocupada com a “politização” das respostas nacionais ao coronavírus e que os países “comecem a pensar na reciprocidade”. Segundo Guevara, a quarentena representa o principal dano para o turismo porque a desconfiança que a medida gera faz com que as pessoas receiem mais ficar presas num país do que ficar contagiadas.

“Se eu posso estar de acordo com alguma coisa que a senhora do WTTC disse, é que, de facto, a Europa não teve uma estratégia única e transparente”, assinala Elidérico Viegas. “Cada país decidiu as restrições à sua maneira. Continuam a levantar-se restrições de forma pouco transparente, de país para país”, aponta, exemplificando com a decisão das autoridades britânicas de manterem Portugal fora da lista de destinos seguros. “O Reino Unido teve um impacto muito grande no Algarve porque esperávamos realizar já alguma receita em julho e agosto para esbater os prejuízos dos meses anteriores. Com a restrição do Reino Unido nos corredores aéreos, obviamente tudo isso ficou em causa e agravou ainda mais a situação.”

Guevara considera essencial que a reabertura do turismo se faça de forma coordenada, concertando medidas como a utilização de máscaras ou a realização de testes à covid-19 à chegada. Neste momento, uns países aplicam estas medidas e outros não. O turismo precisa de “soluções consistentes”, pelo que é necessário chegar-se a acordo sobre quais são as regras e garantir a sua aplicação a todos, defende, insistindo que se correr mal para um país, “corre mal para a Europa”.
“O nosso share nos mercados europeus e internacionais é peanuts”

Elidérico Viegas lembra que o WTTC é “uma estrutura dos grandes grupos empresariais do sector do turismo” e, por isso, “tem uma perspetiva mundial das coisas e não se focaliza nas regiões de países pequenos”. “Para nós, o turismo é muito importante mas o nosso share nos mercados europeus e internacionais é peanuts. No Reino Unido, que é o nosso maior fornecedor de turistas, o nosso share não chega aos 2%”. O presidente da AHETA não quer com isto dizer que o WTTC está “errado”, antes que “ao transpormos a sua visão para destinos com especificidades muito próprias podemos correr o risco de sermos induzidos em erro”.

Ou seja, as previsões daquele Conselho podem até pecar por defeito. “Já é difícil aplicar as previsões mundiais a um país pequeno como o nosso, quanto mais aplicar ao nosso turismo e à nossa região”, reforça. Mas não é por falta de conhecimento da realidade e das perspetivas do sector que não se tomam medidas, garante Elidérico Viegas. “Essas propostas existem e os empresários estão disponíveis para colaborar e fazer parte da solução. Nem podia ser de outra maneira: se as medidas forem tomadas à revelia do sector e não refletirem as propostas do sector, correm o risco de não produzirem efeito.”

Perante o cenário traçado pelo WTTC e pelo INE, importa perceber que consequências terá na Segurança Social e se (e de que modo) o Fundo de Recuperação Europeu será usado para socorrer as pessoas e empresas afetadas. O Turismo de Portugal não respondeu às perguntas do Expresso nem tão-pouco o Ministério da Economia, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Não basta o “bolo da UE”, é preciso uma “política económica nacional”

O presidente da AHETA queixa-se de não ter sido “contactado por ninguém”, “o que não deixa de surpreender”. “O ministro da Economia disse-o e foi corroborado mais tarde pelo primeiro-ministro: a aprovação de um plano específico para recuperar o turismo do Algarve não é para daqui a dois anos, é para já”, explica. “O bolo que vem da União Europeia (UE) tem uma parte afeta à recuperação do turismo e portanto faz todo o sentido que o plano a apresentar à UE integre o conjunto de planos sectoriais e regionais, como o caso do Algarve”, salienta ainda. “O Governo sabe que tem de apresentar até outubro um plano de investimento e de apoios sectoriais para ser aprovado pela UE.”

Mas outubro não será demasiado tarde? “Sim. Por isso é que se justifica que, independentemente dessa data, haja já da parte do Governo medidas específicas de curto prazo até à elaboração do plano mais abrangente”, diz Elidérico Viegas. “É preciso termos consciência que no Algarve tivemos uma estação baixa que terminou em março. Preparávamo-nos para uma época turística que, em termos de previsões, seria melhor que a do ano anterior. Com a pandemia, isso não se verificou e houve uma quebra total da atividade.”

Além do “bolo da UE”, “a política económica nacional” também tem de entrar em ação, defende. “Sendo o turismo um sector estratégico e prioritário da economia, não faz sentido outra coisa. Ainda não houve verdadeiramente medidas específicas para o sector turístico nem para o Algarve. As mais recentes medidas aprovadas em Conselho de Ministros são medidas para o país, para outros sectores de atividade e não especificamente para o Algarve nem para o sector do turismo.” E há uma agravante: “As medidas são anunciadas até dezembro quando sabemos que, no caso do turismo do Algarve, a retoma que houver só terá início na Páscoa do próximo ano, com o arranque da nova época turística. Não fazem sentido medidas aprovadas até dezembro se depois vamos continuar em estação baixa”.