28.7.20

Com layoff, e principalmente sem, mais desemprego parece “inevitável”

Sérgio Aníbal, in Publico on-line

O recurso das empresas ao layoff simplificado está para já a evitar uma subida do desemprego simétrica à queda da economia. Os economistas contactados pelo PÚBLICO, contudo, antecipam um tendência de deterioração do mercado de trabalho, que seria ainda mais radical caso a medida não fosse prolongada

Perante uma crise que já se percebeu não será de curta duração e que poderá forçar a mudanças estruturais na economia, Governo e economistas debatem-se, sem soluções óbvias à vista, com a dificuldade que será evitar uma escalada do desemprego em Portugal ainda maior do que aquela já registada.

Prolongar medidas como o layoff simplificado, que foram desenhadas para ser de curto prazo, parece ser neste momento a opção inevitável, mas, para além dos custos para o Estado que implica, esta solução dificilmente conseguirá por muito tempo continuar a ser uma garantia contra uma agudização do cenário de crise no mercado de trabalho, alertam os economistas contactados pelo PÚBLICO.

Com a economia a atravessar a maior queda anual desde 1928 – e as esperanças de um regresso rápido à normalidade a esfumarem-se em vários sectores – é cada vez mais evidente que a única coisa que tem vindo a afastar o país de uma escalada da taxa de desemprego semelhante à da crise de 2012 é o recurso por milhares de empresas portuguesas ao regime de layoff simplificado.

Esta medida, aprovada logo no início da pandemia, facilitou o acesso a uma versão do já existente regime de layoff, permitindo que estas reduzam os seus custos com o pessoal quando não há trabalho para fazer. Esta poupança é assumida numa parte pelo Estado e noutra pelo próprio trabalhador, que fica com o seu salário reduzido. A vantagem para o trabalhador é que não perde o seu posto de trabalho.

É isto que explica em grande parte que em Portugal – como na generalidade dos outros países europeus onde medidas semelhantes ao layoff simplificado foram aplicadas – as perdas de emprego estejam a ocorrer de uma forma relativamente moderada quando comparadas com o colapso que se tem vindo a verificar ao nível da actividade económica.

De acordo com o INE, entre Fevereiro e Maio deste ano (dados provisórios para o último mês), desapareceram 192 mil empregos no país e a taxa de subutilização do trabalho (uma taxa de desemprego mais alargada que dá nesta fase uma imagem mais real daquilo que está a acontecer no mercado de trabalho) subiu de 12,4% para 14,2%. São valores que já mostram uma evolução bem negativa, mas ficam longe daquilo que aconteceu na crise anterior, quando a taxa de subutilização do trabalho chegou a ultrapassar em 2013 os 25% da população activa.

Nos EUA, onde uma medida deste tipo não foi aplicada, o número de pessoas desempregadas aumentou de forma nunca vista com 52 milhões de pedidos de benefícios de desemprego a serem realizados desde o início da crise.

É por isso que a opinião generalizada em relação à aplicação desta medida pelo Governo é positiva. “Retarda o final dos contratos laborais e a passagem para o desemprego. Além disso, tem sido um apoio à tesouraria das empresas, evitando um aumento exponencial das falências”, assinala o professor da Universidade do Minho, João Cerejeira.

Miguel Faria e Castro, economista português a trabalhar na Reserva Federal de St. Louis, nos EUA, explica ainda a diferença de opções nesta matéria entre EUA e Europa. “Nos EUA, é muito fácil despedir e contratar. Durante uma recessão o desemprego aumenta muito, mas depois recupera. Numa economia deste género fará menos sentido uma medida como o layoff simplificado. Já nas economias europeias, como o tempo que as pessoas ficam no desemprego é maior, faz mais sentido querer preservar a relação entre o trabalhador e empresa”, afirma.

O problema que agora se começa a colocar, contudo, é a de saber se esta medida, desenhada para ajudar as empresas (e os trabalhadores) a atravessarem uma fase difícil, continua a ser a mais adequada se a perda de procura for para muitas empresas e alguns sectores permanentes.

Miguel Faria e Castro assinala que, “perante aquilo que pode ser um encolhimento permanente de determinados sectores, como o turismo ou a restauração, corre-se o risco de apenas estar a adiar o que é inevitável”. “É o principal custo deste tipo de medidas”, afirma, embora salientando que perante o actual cenário de ainda grande incerteza retirar já o layoff não seria a opção correcta.

Filipe Lamelas, economista que colabora no Laboratório colaborativo para o Trabalho, Emprego e Protecção Social do ISCTE, não vê esta questão como um problema. “O risco de estarmos a proteger empresas que são ineficientes não é algo que se coloque neste momento. Nunca tivemos uma situação como esta e análises que se possam ter sido feitas em relação ao regime de layoff anterior agora não se aplicam. Neste momento, a percentagem de empresas nessas circunstâncias é irrelevante”, diz.

João Cerejeira tem a mesma opinião. Mesmo havendo um apoio a empresas ineficientes e sem viabilidade, a verdade é que não há uma alternativa possível para os trabalhadores neste momento. Ficariam no desemprego durante muito tempo. “Operar uma reestruturação agora é a altura mais dolorosa e poderia gerar uma espiral de aumento do desemprego, em que a perda de rendimento das pessoas gera uma ainda maior redução da procura e por conseguinte um novo aumento do desemprego”.

O economista lembra ainda que “acelerar o fecho de empresas ineficientes foi a lógica defendida no tempo da troika, e mesmo nessa altura, com uma quebra da economia menos acentuada do que agora e com alguns sectores exportadores a crescer, a verdade é que não foi possível realocar as pessoas para outros empregos, registando-se a tal espiral de desemprego”.
Desemprego mais alto a caminho

Ainda assim, mesmo que o layoff continue em Portugal, tal como está a acontecer noutros países, a ser prolongado, isso não dá grandes garantias que o desemprego não apresente uma tendência ascendente nos próximos meses.

“Um não prolongamento do layoff poderia ser um sinal para as empresas que estejam na dúvida, um empurrão para saírem do mercado. Mas mesmo com o layoff, vai assistir-se ainda assim a uma progressiva decisão das empresas nesse sentido. A medida do layoff só compensa uma parte do custo salarial, e o custo salarial é apenas uma parte do custo das empresas”, explica.

Também para Filipe Lamelas “parece inevitável que o desemprego tenda a agravar-se”. “Talvez essa tendência seja um pouco mitigada durante o Verão, porque no sector do turismo há, nessa altura, sempre alguma necessidade de pessoal, mas, mesmo enquanto o layoff simplificado estiver em vigor, haverá empresas que vão acabar por desistir”, afirma o economista.

Miguel Faria e Castro também está pessimista em relação ao futuro. “Vai ser complicado evitar períodos longos de desemprego alto. Economias como a portuguesa não se mostraram, pelo menos nos últimos 30 anos, capazes para fazer mudanças estruturais sem custos sociais elevados. É uma situação que tem semelhanças com a da desindustrialização do final dos anos 1990 e início deste século. Com a agravante que, desta vez, não é nada óbvio para que sectores é que se pode avançar”, lamenta.

Perante este cenário, acertar nas medidas adoptadas para proteger os trabalhadores em dificuldades – seja o layoff simplificado ou outras – torna-se mais essencial do que nunca.

Filipe Lamelas lembra que, por exemplo, que no layoff simplificado “ficam por proteger os trabalhadores precários, os temporários, ou os com contratos a termo”. “A própria lei não os contempla para o cumprimento da obrigação da empresa de manter o nível de emprego”, assinala, alertando ainda para o risco de, por causa do prazo definido para as empresas não poderem realizar despedimentos a seguir ao layoff, se vir depois a perceber que “o Governo esteve a financiar despedimentos colectivos”.

Em relação ao subsídio de desemprego, João Cerejeira assinala que “o problema é que não se alteraram as condições de acesso para os mais jovens e para os trabalhadores independentes”. “O que se fez foi um prolongamento a quem já tinha acesso, mas grande parte dos que entraram agora no desemprego, não vão ter acesso”.

E depois há ainda o perigo de as próprias regras do layoff que tentam impedir futuros despedimentos acabarem por colocar as empresas em dificuldades ainda maiores e em situações limite. “Há muitas empresas que, a seguir ao layoff, vão ter muitas dificuldades em sobreviverem ou em manterem os seus postos de trabalho. Imagine uma empresa que tenha dez trabalhadores e decide despedir dois – nessa altura terá de devolver o dinheiro que recebeu e aí, se calhar, em vez de despedir dois, despede mais”, avisa Filipe Lamelas. E conclui: “a saída do layoff tem de ser muito bem estudada, para se conseguir atingir o objectivo de proteger o emprego”.