30.7.20

Como a pandemia está a abalar os números do emprego em Portugal

Sérgio Aníbal, Publico on-line

Para já, por causa de questões metodológicas, a taxa de desemprego ainda não está a subir. Mas, na realidade, mesmo com o efeito positivo do layoff simplificado, o cenário a que se assiste é já de uma perda de empregos que tem tudo para persistir.

No meio da contracção económica mais aguda das últimas décadas, poucos duvidam que a crise trazida pela pandemia do coronavírus a partir de Maio, com consumidores em casa e empresas e lojas fechadas, não venha a alterar por completo – e para pior – aquilo que vinha sendo nos últimos anos a tendência positiva do mercado de trabalho português. No entanto, as características únicas desta crise e as medidas de emergência postas em prática pelo Governo fazem com que alguns indicadores, com destaque para a taxa de desemprego, revelem um comportamento surpreendente e deixam no ar várias incógnitas em relação ao que irá acontecer no futuro.

É possível a taxa de desemprego estar a descer?
Nos dados mensais relativos ao mercado de trabalho publicados esta quarta-feira, o Instituto de Estatística (INE) revelou que em Maio (o último mês para o qual apresentou dados definitivos) a taxa de desemprego se cifrou em 5,9%.

É um valor mais baixo do que aquele que se registava em Fevereiro, o último mês antes do início da crise, e que ascendia a 6,4%.

Olhando apenas para estes números, estar-se-ia perante uma conclusão verdadeiramente surpreendente: num momento de forte contracção da actividade económica, o desemprego, em vez de subir, desceu, contrariando aquilo que os livros de economia prevêem e a experiência ensina.

É, no entanto, preciso olhar com atenção para este resultado. E a verdade é que a descida de desemprego nesta fase deve-se essencialmente a um dos requisitos utilizado desde sempre pelas autoridades estatísticas para pôr uma pessoa na categoria de desempregado. O INE, tal como os institutos dos outros países europeus, considera que apenas quem procurou emprego activamente (indo a um entrevista, respondendo a um anúncio de emprego) durante o último mês é que pode ser classificado como desempregado. Se não o fez, passa para a categoria de inactivo.

Nas circunstâncias excepcionais trazidas pela pandemia, isto fez baralhar os dados estatísticos, tem alertado o próprio INE, já que muitas pessoas no desemprego ficaram impossibilitadas de procurar activamente um novo trabalho.

Sendo assim, aquilo que está a acontecer é uma descida do número de desempregados apenas nas estatísticas, que não estão a reflectir, através do indicador da taxa de desemprego, aquilo que se passa na realidade.
Que outros indicadores nos podem ajudar?

Há, todavia, outros indicadores também publicados pelo INE que conseguem revelar a real dimensão do impacto negativo sentido no mercado de trabalho durante os últimos meses.

Em primeiro lugar, a evolução do número de empregos. Aquilo que aconteceu entre Fevereiro e Maio deste ano foi, de acordo com os dados publicados esta quarta-feira pelo INE, o desaparecimento em Portugal de cerca de 183 mil empregos.

Na sua maioria, a pessoas que perderam estes empregos, em vez de passarem a estar classificadas como desempregadas, passaram à categoria de inactivos.

Isto é evidente quando se olha para a evolução da população inactiva – em que estão as crianças, os estudantes, os reformados e também todas as pessoas que, estando em idade de trabalhar, não o estão a fazer, nem procuraram no último mês activamente um emprego.

Entre Fevereiro e Maio, diz o INE, passou a haver mais 225 mil pessoas na população inactiva, pondo a taxa de inactividade (a percentagem face à população total) nos 36,4%, o valor mais alto que é possível observar em toda a série histórica publicada pelo INE para o valor mensal deste indicador e que vai até Fevereiro de 1998.Outro indicador que se revela agora ainda mais relevante é a chamada “taxa de subutilização de trabalho”, que usa um conceito mais alargado de desemprego do que a taxa de desemprego, incluindo, por exemplo, o trabalho parcial indesejado e as pessoas desencorajadas a procurar emprego. Esta taxa subiu de 12,4% em Fevereiro para 14,6% em Maio. Uma subida de 2,2 pontos percentuais que põe este indicador ao nível que se registava há dois anos, mas ainda muito distante dos mais de 25% que se registaram no auge da anterior crise, em 2012.
As medidas do Governo estão a ajudar?

Embora preocupantes, os dados revelados pela evolução do emprego, da população inactiva ou da taxa de subutilização do trabalho são ainda assim relativamente moderados, se se levar em conta a violência da contracção económica que se está a sentir.

Isto acontece em larga medida por causa das políticas que o Governo português, a par da generalidade dos outros governos, tem vindo a lançar nos últimos meses. Em particular, existem sinais evidentes de que a medida do layoff simplificado – que permite que as empresas reduzam os seus custos com salários sem ter de despedir os funcionários que deixaram de ter trabalho para fazer – está a evitar uma escalada bem mais acelerada da perda de empregos em Portugal.

De acordo com os resultados de um inquérito realizado pelo INE e publicado também esta quarta-feira, quando questionadas sobre “quanto teria variado o emprego na ausência de recurso à medida”, 77% das empresas que beneficiaram do layoff simplificado afirmam que “teriam diminuído o número de pessoas empregadas desde o início da pandemia”, caso não tivessem podido recorrer a essa medida.

Se se tiver em conta que, de acordo com a ministra do Trabalho, mais de 800 mil trabalhadores chegaram, no auge da aplicação da medida, a estar sujeitos ao layoff simplificado, é possível ter uma ideia da forma como o emprego poderia ter evoluído, caso nada tivesse sido feito.
O que pode acontecer a partir daqui?

Tudo irá depender da forma como a economia irá recuperar depois de passado o auge da pandemia e das decisões que forem sendo tomadas pelo Governo no que diz respeito à medida do layoff simplificado, sendo certo que, se esta medida deixar de estar em vigor, as empresas, passado o período em que estão impedidas de despedir, podem optar em alguns casos por reduzir o pessoal. Destes dois factores dependerá até onde é que pode ir a perda de empregos e a subida da taxa de desemprego durante a presente crise.

Para já, no entanto, é possível antever o que pode vir a acontecer no muito curto prazo em alguns indicadores.

Ao mesmo tempo que apresentou os resultados definitivos de Maio, o INE publicou também dados provisórios para Junho, alertando que estes podem estar sujeitos, no actual cenário, a revisões significativas. Ainda assim, aquilo para que estes números apontam é, no caso do emprego, uma estabilização em Junho e, no caso da taxa de desemprego, uma subida acentuada, para 7%.

A estabilização da população empregada face a Maio pode encontrar explicação no facto de, depois da paragem total registada em Maio, as empresas do sector do turismo precisarem em Junho de mais algum pessoal para fazer face à procura de Verão.

No que diz respeito à taxa de desemprego, o que deverá vir a acontecer é o desaparecimento progressivo do efeito estatístico que nos primeiros meses da crise impediu que este indicador subisse. As pessoas que, estando sem emprego, se viram por causa da pandemia impedidas de procurar activamente um trabalho, vão começar a fazê-lo, deixando de estar na categoria dos inactivos e passando para os desempregados. Será também por isso que, para Junho, se está já a estimar uma descida da taxa de inactividade do máximo de 36,4% em Maio para 35,6%.