O teletrabalho é fundamental para a resistência da atividade económica à pandemia e dele pode depender a contenção do desemprego. Em Portugal, apenas um em cada três trabalhadores tem essa possibilidade, o que deixa a economia vulnerável a um eventual segundo confinamento
São vários os fatores que podem ditar a capacidade de resistência económica de um país ou região face aos impactos da pandemia. O potencial para o teletrabalho é um deles. A capacidade de manter as empresas a funcionar, num futuro novo cenário de confinamento fará a diferença não só no que à atividade económica diz respeito, mas também na contenção da taxa de desemprego, uma das principais preocupações dos Governos mundiais. Mas tal como em muitas outras áreas, também aqui os países caminham a diferentes velocidades. Três economistas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) analisaram o potencial para o teletrabalho da população empregada em 30 economias desenvolvidas. Portugal ocupa a 19ª posição da lista, acima dos Estados Unidos, mas há disparidades regionais acentuadas.
Se o mundo voltar a parar a economia do Luxemburgo será, muito provavelmente, uma das menos afetadas e também não é expectável que o desemprego do país suba a pique. É que mesmo perante um novo cenário de confinamento, 50% da população do país podería continuar a trabalhar remotamente. O país é, segundo um estudo conduzido pelos economistas da OCDE Cem Özgüel, Paolo Veneri e Rudiger Ahrend, publicado na plataforma VoxEU, o que regista maior capacidade da sua população ativa ao teletrabalho. Portugal ocupa a 19ª posição de uma lista de 30 países, com 35% dos trabalhadores com funções compatíveis com teletrabalho, mas ainda assim à frente dos Estados Unidos, onde só 30% dos empregos do país podem ser realizados remotamente.
Mas atenção, “a possibilidade de trabalho remoto, em regra, varia nas várias regiões de um mesmo país”, explicam os autores acrescentando que essa variação também impacta nos custos económicos do confinamento a nível local. Senão vejamos. Neste estudo - onde são analisados 26 países da União Europeia, e também o Reino Unido, Suíça, Turquia e Estados Unidos – os autores concluem que “as cidades, especialmente as capitais, agregam uma maior percentagem de empregos que podem potencialmente ser realizados em teletrabalho, do que outras regiões”.
Em média, o potencial de teletrabalho da capital de um país é 9% superior ao registado no país com um todo e 15% acima do apurado na região com menor capacidade de adaptação da sua força laboral ao a trabalho remoto. Em certos países essa disparidade pode até chegar aos 20%, como a República Checa, França, Hungria e Estados Unidos (ver infografia). Em Portugal, por exemplo, o potencial de teletrabalho da capital, Lisboa (41%), fica 11% acima do registado no Alentejo, a região dos país onde os empregos têm menor grau de compatibilidade com este modelo de trabalho à distância.
O estudo permite ainda concluir que mesmo dentro das cidades, o potencial para o teletrabalho é superior apenas nas áreas com grande densidade populacional (acima dos 50 mil habitantes), enquanto que nas cidades com media densidade, o potencial de trabalho remote está mais próximo do registado nas zonas rurais daquele país do que das suas cidades.
Qualificação e tecnologia ditam as regras
Para os autores, são vários fatores que podem explicar estas disparidades regionais. Há a considerar, por exemplo, a distribuição geográfica de determinado tipo de profissões que podem ser mais ou menos características de uma região. “Por exemplo, uma elevada concentração de empregos na área da gestão, onde quase quase 70% podem ser realizados remotamente, vai traduzir-se num maior potencial de teletrabalho da região onde estão inseridos”, explicam os autores. Por oposição, acrescentam, “uma elevada percentagem de profissões mais tradicionais, vai fazer baixar esse potencial”.
Com base nisto, os economistas concluem que “as disparidades regionais em torno do teletrabalho refletem o nível de qualificação da sua população ativa” (ver infografia). Países com uma maior percentagem de profissionais com qualificação superior, registam também melhores indicadores de adaptação ao trabalho remoto.
Além do nível de qualificação, a tecnologia é também responsável pela maior ou menor capacidade de adaptação de um país ao teletrabalho. “O número real de trabalhadores que conseguirão desempenhar a sua atividade remotamente vai depender da qualidade do acesso à internet na região e da disponibilidade dos equipamentos tecnológicos necessários”, explicam os autores. Em muitas áreas mais rurais esta disponibilidade tecnológica pode estar comprometida e é por isso que os economistas admitem que, em alguns países, o fosso entre as cidades e o meio rural no teletrabalho possa ainda ser superior do que o documentado no estudo.
Para os autores inquestionável que “a percentagem de empregos compatíveis com teletrabalho é um elemento essencial para assegurar a atividade da economia em situações de confinamento e distanciamento social”. O potencial para o teletrabalho, concluem, “dá aos países e regiões capacidade de resiliência aos choques económicos gerados pela covid-19. Mas a ausência da tecnologia necessária pode colocar em causa este potencial”. Longe de se conseguir controlar a pandemia, os economistas alertam: é necessário atuar localmente para eliminar as barreiras que ainda se colocam do teletrabalho.