24.7.20

De Espanha à Austrália. O aumento de novos casos obriga países a recuar no desconfinamento

Sofia Neves, in Público on-line

Depois de quase dois meses de regresso à normalidade, vários países lutam agora com o aparecimento de novos surtos de infecção. A estratégia parece ser semelhante: confinar regiões específicas, isolar os casos positivos e identificar as cadeias de transmissão activas o mais rapidamente possível.

Apesar de ser difícil imaginar uma realidade em que o vírus já não faz parte do dia-a-dia da população, há quase dois meses que o mundo está a regressar aos poucos e poucos a uma nova normalidade. Mas ainda que os números relacionados com a pandemia tenham sido animadores nas primeiras semanas de desconfinamento, o aumento de casos nas últimas semanas está a levar a que alguns países se voltem a fechar e tornem a impor novas medidas de confinamento para conter a propagação do vírus e impedir o descontrolo de surtos.

No início deste mês, Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) disse mesmo que a epidemia “está a acelerar claramente” e que ainda “não foi alcançado o pico”. Ainda na sexta-feira as infecções superaram a barreira de 14 milhões de casos positivos no mundo. A pandemia demorou três meses para atingir o milhão de infectados, mas na semana que passou só precisou de 100 horas para passar de 13 milhões para 14 milhões, um possível reflexo do relaxamento nas medidas de contenção.

Os países nesta situação parecem estar a adoptar estratégias semelhantes para lidar com o aumento de casos: estão a confinar regiões específicas — como fez Espanha —, a tentar isolar os casos positivos e a esforçar-se para identificar as cadeias de transmissão activas do vírus o mais rapidamente possível — como está a fazer Portugal de acordo com Marta Temido, ministra da Saúde.

Espanha

Espanha registou, esta quinta-feira, 971 novos casos de infecção nas últimas 24 horas, um novo aumento depois da forte subida para 730 contágios verificada no dia anterior. Nas últimas duas semanas, o número de novas infecções confirmadas disparou — é agora o segundo país da União Europeia com a maior taxa de incidência — e estão identificados cerca de 224 focos activos de contágio em quase todo o território.

Foram estes números que, segundo o ministro da Saúde espanhol, Salvador Illa, estão ligados à actividade da apanha da fruta e a espaços onde as medidas de prevenção são descuidadas, tais como o ambiente familiar e a vida nocturna, levaram à imposição de novas medidas de confinamento, principalmente nas comunidades autónomas de Aragão e Catalunha.

Agora que a política sanitária está descentralizada e as medidas de luta contra a pandemia são da responsabilidade de cada uma das 17 comunidades autónomas, a Catalunha já anunciou (e já renovou) várias medidas mais apertadas e o confinamento parcial para oito municípios. Além disso, várias províncias aprovaram o uso obrigatório de máscaras mesmo em situações em que a distância social possa ser mantida.

O Governo regional da Catalunha recomendou também aos habitantes da área metropolitana de Barcelona que “fiquem em casa” e que só saiam em caso de necessidade e anunciou o encerramento de cinemas, teatros e discotecas, e a proibição de reuniões com mais de dez pessoas assim como as visitas a lares. Este é um alargamento das restrições que já estavam em vigor na região de L'Hospitalet de Llobregat.

França

A França está avaliar a possibilidade de fechar as fronteiras terrestres para controlar a propagação da pandemia. Nesta medida tem muito peso o facto de os casos em Espanha estarem a aumentar de dia para dia, principalmente na região da Catalunha e, especificamente, em Barcelona. Segundo disse esta quinta-feira o porta-voz do Governo, Gabriel Attal, há cerca de 350 mil trabalhadores franceses que atravessam regularmente a fronteira com Espanha.
Alemanha

Também a Alemanha foi obrigada a dar um passo atrás depois de detectar vários surtos de infecção no fim de Junho. O maior registou-se num matadouro e fábrica de carne, em Gütersloh, no estado da Renânia do Norte-Vestefália, onde cerca de sete mil pessoas foram postas em quarentena e escolas e jardins-de-infância foram novamente encerrados. No total, segundo os mais recente dados, o estado é o segundo mais afectados e já foram quantificadas 2119 infecções ligadas ao surto na fábrica.

A informação foi avançada esta quinta-feira pelo ministro da Saúde da região, Karl-Josef Laumann, ao jornal Neue Osnabrücker Zeitung, que admitiu ainda a hipótese de mais 67 casos terem relação directa com o surto que provocou o confinamento de duas localidades.

Austrália

Na Austrália, um novo surto de covid-19 detectado no início deste mês em vários hotéis de Melbourne que eram usados para pôr em quarentena viajantes internacionais que chegavam à cidade obrigou a que fossem tomadas medidas únicas em 100 anos. O surto na capital de Victoria levou ao encerramento da fronteira entre este estado e Nova Gales do Sul, outra das regiões mais populosas do país. É primeira vez que a fronteira é encerrada em 100 anos. A última vez foi durante o surto de Gripe Espanhola, em 1919.

Além disso, a 8 de Julho, a cidade de Melbourne foi colocada novamente em confinamento pelo menos até 20 de Agosto, após o fracasso das medidas anteriores para evitar a propagação do vírus. O novo surto levou as autoridades de Victoria a impor a utilização de máscaras em Melbourne e na cidade rural de Mitchell, também sob confinamento.

Esta quarta-feira, as autoridades de Victoria registaram 484 novos casos, um novo recorde diário desde que o novo surto na capital regional foi detectado. Desde 7 de Julho, o estado de Victoria contabilizou 3810 infecções com o novo coronavírus, 29% do total de casos registados na Austrália desde o início da pandemia.

Reino Unido

Em Leicester, no centro de Inglaterra, o aumento de testes e outras medidas implementadas pelas autoridades locais no fim de Junho não foram suficientes para controlar um surto de infecção que estava a ser “vigiado” há mais de duas semanas.

O confinamento local decretado pelo governo a 30 de Junho implicou que as escolas voltassem a fechar para a maioria dos alunos, mantendo apenas os filhos de trabalhadores de serviços críticos. Os bares, restaurantes e outros espaços comerciais não puderam reabrir ao público, como aconteceu no resto do país.

Se a pandemia começou por afectar, em força, o estado de Nova Iorque, o cenário vivido no país com mais casos de infecção pelo novo coronavírus é agora diferente: a pandemia desloca-se para Sul. Face ao aumento de casos das últimas semanas, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, deu um passo atrás na abertura do comércio. A meio de Julho voltaram a fechar restaurantes, bares, cabeleireiros, cinemas, locais de culto e algumas praias, principalmente em 30 condados, entre estes Los Angeles, onde a taxa de incidência do vírus é superior. Em Los Angeles e San Diego as aulas vão manter-se à distância no início do próximo ano lectivo. Uma medida que irritou Donald Trump, que esta quinta-feira voltou a defender e a reabertura das escolas “a 100%”, apesar do risco de contágio associado ao regresso às aulas.

No Arizona e no Texas, mais dois estados sulistas, foram tomadas medidas semelhantes: fecharam-se bares, discotecas, ginásios, cinemas e parques aquáticos e o governador do Texas tornou obrigatório o uso de máscaras em público.

Esta quarta-feira, o estado da Califórnia ultrapassou o de Nova Iorque em número de casos e é agora a região americana mais atingida pela pandemia da covid-19 com 413.576 casos confirmados.

Índia

A Índia, que registou esta quinta-feira mais de 45 mil novos casos de covid-19, um novo recorde diário no país, tem ordenado confinamentos focados em áreas de alto risco por causa do aumento de infecções nas últimas semanas. Esta quarta-feira, a região de Caxemira decretou uma quarentena de cinco dias em zonas consideradas de risco e o estado de Bengala Ocidental impôs um confinamento total durante dois dias.
Israel

Em Israel não foi o aumento de casos, mas sim a subida da taxa de mortalidade, que levou a novas medidas de confinamento. O governo israelita impôs, na sexta-feira, “medidas intermédias” para evitar o confinamento geral e anunciou o encerramento de locais públicos aos fins-de-semana, regra que se aplica a restaurantes, complexos desportivos, centros comerciais, cabeleireiros, bibliotecas, jardins zoológicos, museus, piscinas, parques de atracção turística, e até a alguns transpores (como os os eléctricos).

A partir desta sexta-feira, as praias vão ser interditadas também aos fins-de-semana e os ajuntamentos não podem ultrapassar as dez pessoas nos locais fechados e vinte ao ar livre, com excepção dos locais de trabalho devidamente autorizados.

México

O México ultrapassou os 41 mil mortos desde o primeiro caso no país e registou 790 óbitos só nas últimas 24 horas. O país está, neste momento, na oitava semana da “nova normalidade”, que funciona com base num semáforo epidemiológico a quatro cores, a partir do qual são reguladas as actividades económicas e de convivência em cada um dos 32 estados do país.

Em 18 estados está a ser aplicado o vermelho, de risco epidémico máximo, e em 14 o laranja, considerado de alto risco. Ainda nenhum estado foi declarado amarelo (risco médio) ou verde (risco baixo).
Portugal

António Costa afirmou no fim de Abril, quando anunciou as medidas de desconfinamento, que o Governo não hesitaria em “dar um passo atrás se as coisas corressem mal” e foi isso que aconteceu. Enquanto a generalidade do território continental baixou o nível de gravidade para o estado de alerta no início de Julho, a região de Lisboa ficou no estado de contingência e as 19 freguesias identificadas como mais problemáticas mantiveram-se em estado de calamidade. Estas medidas foram prolongadas a 13 de Julho por mais 14 dias e serão reavaliadas na próxima segunda-feira.