22.7.20

"Programa mostrou que é possível promover mudanças psicológicas" nos reclusos

Liliana Monteiro, in RR

Durante dois anos, o investigador de neuropsicologia Nélio Brasão estudou dois grupos. Os resultados foram notórios nos reclusos que frequentaram o programa de intervenção, com uma redução do comportamento agressivo e antissocial.

Nélio Brasão, de 33 anos, recebeu o prémio ISPA, que distingue jovens cientistas na área da psicologia e ciências do comportamento. Avaliou mais de 250 reclusos, divididos em dois grupos sujeitos a um programa que avaliou e ensinou a gerir emoções, sentimentos e ver o outro sem segundas intenções. Conclui que a raiva e a paranoia diminuíram significativamente e foi possível reabilitar psicologicamente os presos.

Durante dois anos, o investigador no Centro de Investigação em Neuropsicologia e intervenção Cognitivo-Comportamental da Universidade Coimbra estudou reclusos com idades entre os 18 e os 40 anos, com uma média de idades que rondava os 29,5 anos.

O grupo inclui presos de 11 estabelecimentos prisionais espalhados pelo país a cumprir penas por crimes, na sua maioria, contra a propriedade, seguindo-se os crimes contra pessoas, crimes de tráfico de estupefacientes e contra o Estado.

Em todos eles um denominador comum: o negativismo, a paranoia, a raiva, a desconfiança e as mesmas infrações disciplinares por comportamentos ilícitos dentro da cadeia.

A amostra juntou 254 reclusos divididos em dois grupos, “um que frequentou o programa de intervenção de 40 sessões, uma vez por semana, e que era constituído por 121 reclusos. Outro grupo de 133 reclusos que serviu como grupo de comparação, com as mesmas características, mas sem frequentarem formações”, explica Nélio Brasão.

O Programa de Prevenção e Reabilitação de Comportamentos de Risco, Gerar Percursos Sociais, mais conhecido como GPS, trabalhou com os reclusos um modelo cognitivo de processamento de informação, ou seja, “ensinou a perceber como é que nós seres humanos interpretamos as situações sociais e interpessoais”, diz Nélio Brasão, explicando que o programa decorreu durante dois anos.

O investigador acrescenta que “este modelo adaptado ao comportamento agressivo e antissocial defende que uma boa parte dos reclusos tende a fazer interpretações distorcidas e erradas da vida social e interpessoal. Detetam ameaças e insultos no comportamento dos outros, mesmo que sejam comportamentos inócuos”.

O trabalho teve como suporte cinco modelos distribuídos por 40 sessões que aconteciam uma vez por semana.

“Nelas trabalhou-se a comunicação assertiva e não agressiva, o relacionamento e competências interpessoais, como o pedir ajuda, pedir desculpa, lidar com a não aceitação e a regulação emocional, além da interpretação das situações sociais e interpessoais, muito a ver como se veem a si e aos outros. Procuramos promover um processamento de informação mais social e promover grau de mudança”, indica o investigador Nélio Brasão.

O grupo sujeito ao programa GPS melhorou, os outros não apresentaram mudanças. “O programa mostrou que é possível promover mudanças psicológicas. Ao longo do tempo os reclusos começaram a fazer um processamento de informação menos distorcido e mais pró-social. A visão negativa foi diminuindo. Observámos mudanças na regulação da raiva, na desconfiança e a atitude paranoide em relação a terceiros diminuiu. Mudaram as emoções, mas também a forma como se comportam”, revela.

Também as infrações disciplinares dos reclusos diminuíram de forma significativa ao longo do tempo e melhorou também a adequação dos reclusos ao contexto prisional.

Já o grupo que não ficou sujeito ao programa, que serviu de comparação, manteve comportamentos problemáticos sem evolução positiva de compreensão e melhoramento dos mesmos.

Nélio Brasão não tem dúvidas de que este tipo de programas promove mudanças no funcionamento psicológico. “Faz sentido aplicar estes programas quando o objetivo é reabilitar reclusos, procurando e trabalhando as suas vulnerabilidades psicológicas, é possível usar ferramentas para mudar o funcionamento psicológico e afetivo dos reclusos e isso pode até mesmo ter impacto na saúde mental dos presos”.

Este jovem de 33 anos, oriundo da Madeira, que cursou e se doutorou Psicologia em Coimbra, remata: “se um programa de reabilitação for capaz de promover o ajustamento psicológico dos reclusos e se essas mudanças se refletirem numa diminuição da taxa de reincidência criminal, algo que pretendemos estudar no futuro, podemos estar a reduzir os custos económicos que o comportamento criminal acarreta para a sociedade e a contribuir para uma sociedade mais segura”.

Este programa Gerar Percursos Sociais nasceu de uma parceira entre o Centro De Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo Comportamental da Universidade de Coimbra e a Direção Geral de Inserção de Serviços Prisionais (DGRSP) e valeu ao jovem a distinção dom o Prémio ISPA 2020.