29.7.20

Humanos confinados, animais de companhia mais próximos — “o que nem sempre é positivo”

Renata Monteiro, in Público on-line

Enquanto associações alertavam para um possível aumento de maus-tratos durante o confinamento, duas investigadoras do ISMAI nunca se tinham sentido tão próximas dos animais de companhia. Decidiram lançar um inquérito e perceber para que lado tombava a realidade portuguesa. Apesar das respostas positivas, deixam avisos.

O confinamento “estreitou os vínculos entre as pessoas e os animais de companhia”, mas a mudança de rotinas e hábitos alimentares pode criar problemas comportamentais. “Percebemos que os poucos estudos de atitudes face aos animais de companhia que foram feitos noutros países, como Espanha, apontam neste sentido de maior proximidade, quando as relações já eram boas”, resume Vera Duarte, uma das investigadoras responsáveis por um questionário online que procurou perceber como é que, em Portugal, a pandemia afecta os outros habitantes da casa. E deixa um aviso que faz eco aos alertas de associações zoófilas e médicos veterinários: apesar da melhoria nas relações, “a crise financeira que se vaticina como duradoura pode contribuir para um crescendo de situações que afectem o bem-estar do animal”.

O estudo, coordenado também por Susana Costa, surgiu durante uma pausa no projecto de investigação sobre a relação entre os maus-tratos a animais e a violência interpessoal, do Instituto Universitário da Maia, iniciado em Maio de 2019. Das quase 2200 respostas validadas, recolhidas entre 11 de Maio e 1 de Junho, 85% dos respondentes dizem ter animais. Destes, 44,6% assumem que durante a pandemia lhes começaram a dedicar mais atenção e 58% sentem-se mais próximo deles.

Com o aumento do tempo passado em casa, aumentou também a percentagem de inquiridos que brinca mais de duas horas por dia com eles (mais 22%) e a percentagem de tutores que referem que o animal nunca fica sozinho: 54%, contra os 15% anteriores.

Apesar de as associações aconselharem os tutores a encontrar uma rede de apoio para o animal em caso de doença ou isolamento físico, a percentagem de inquiridos que disse deixar o animal com familiares e amigos ou em hotéis diminuiu. “Percebe-se que o confinamento trouxe medos”, avalia a investigadora, apontando para os 65% que pesquisaram informação sobre animais e covid-19. Mas “a ameaça do outro” não é o único receio dos tutores: “o facto de 43% dizerem sentir medo por não cuidar dele também demonstra a relação cada vez maior entre as pessoas e os animais de companhia, quase sempre os cães e os gatos.”

Humanos mais confinados, animais mais confinados

A mulher é identificada como principal cuidadora e figura mais próxima do animal. O acumular de funções dentro do espaço doméstico “não surpreende” a investigadora de estudos de género, que diz que a a razão deste dado não está apenas num enviesamento na divisão por género dos inquiridos (83% identifica-se como sendo do género feminino), que também pode ser explicado. “As mulheres têm uma relação muito diferente com as redes sociais e estão sempre muito mais disponíveis a responder a estes questionários do que os homens, justifica a co-coordenadora do estudo cuja amostra de inquiridos também tem maior concentração nos distritos do Porto, Braga e Lisboa. “Normalmente quem responde aos questionários já é sensível ao tema”, nota, referindo-se ao facto de o questionário ter sido partilhado também nas redes sociais de associações zoófilas.

Um dado que vai no sentido contrário da realidade do estudo espanhol publicado no Journal of Veterinary Behavior, e que pode surpreender, é que os inquiridos disseram não levar tantas vezes o cão à rua. Com os humanos mais confinados, os cães também ficaram mais por casa, nota Vera Duarte. “Se é verdade que estão menos tempo sozinhos, perderam qualidade de vida por outro lado.” Em Espanha, onde as regras do confinamento foram mais restritas, os passeios com animais de estimação eram uma das poucas excepções para sair casa, o que levou várias plataformas online a proibirem anúncios de aluguer temporário de cães.

No inquérito português, a percentagem de pessoas que disseram que o motivo do passeio era socializar com outros cães diminuiu. Menos 17,3% disseram deixar o animal brincar com outros animais durante o período de confinamento. “Nós reproduzimos um pouco alguns comportamentos e normas nossas”, comenta. “Percebemos que as pessoas aumentaram os hábitos de higiene para com os animais, como desinfectar as patas (27% dizem fazê-lo com maior frequência) e comprar produtos para isso, precisamente porque, de alguma forma, acabam por fazer aos animais o que também fazemos: lavar mais as mãos, pôr desinfectante e as máscaras.”

Até ao momento, nota o estudo, “não existe evidência estatística que comprove o aumento de casos de abandono ou de maus-tratos de animais, mas os alertas não devem ser ignorados”. “É interessante cruzarmos isto com outros trabalhos que estão a ser feitos sobre o impacto social da pandemia na vida das pessoas, porque a verdade é que esses estudos têm vindo a mostrar que a pandemia tem efeitos nas questões da saúde mental e das emoções. E se assumirmos que o ambiente em que o animal vive influencia o seu comportamento e o seu bem-estar, efectivamente, este impacto nas pessoas terá impacto nos animais”, conclui a investigadora.