27.7.20

Quebra de rendimentos “empurra” famílias sobreendividadas para burlões do crédito

Rosa Soares, in Público on-line

O impacto económico da covid-19 veio agravar as dificuldades financeiras de muitas famílias para pagar os empréstimos, tornando-as alvos fáceis de falsos intermediários de crédito, que aumentaram exponencialmente nos últimos meses.

O Banco de Portugal (BdP) identificou, até meados de Julho, 21 entidades a actuar ilegalmente no país, mais do dobro do registado na totalidade de 2019, em que ascenderam a nove. Fazem-se passar por intermediários de crédito ou consultores, prometendo novos empréstimos ou a reestruturação dos já existentes, mas têm como único propósito a extorsão de dinheiro a famílias em dificuldades financeiras, muitas com empréstimos já em atraso e com dificuldade de recorrer a instituições de crédito autorizadas.

Os alertas do supervisor são apenas a ponta do icebergue de uma actividade fraudulenta, que prospera quando aumentam as dificuldades financeiras das famílias, como está a acontecer actualmente, pelo impacto económico da pandemia da covid-19.

Mas também por alguns constrangimentos legais, como as restrições no acesso às moratórias de crédito, que deixam de fora quem tem atrasos superiores a 90 dias no pagamento dos empréstimos, ou dívidas ao Estado, entre outras.

Preocupada com o crescimento dos falsos intermediários de crédito, que não estão registados no Banco de Portugal (BdP), está Natália Nunes, directora do Gabinete de Apoio Financeiro (GAF) da Deco, a quem têm chegado milhares de pedidos de aconselhamento financeiro, alguns deles de vítimas de burla dessas falsas entidades.

Natália Nunes disse ao PÚBLICO que, por semana, lhe chega “uma ou mais situações de burla”, que o gabinete de apoio a famílias endividadas da Associação de Defesa do Consumir vai encaminhando para o BdP e, em alguns casos, directamente para o Ministério Público.

Os falsos intermediários de crédito ou de consultoria financeira começam por pedir uma pequena soma de dinheiro para a abertura do processo, com vista à concessão de empréstimo ou consolidação de créditos existes (o que implica sempre um novo empréstimo), seguindo-se outros pedidos de montantes superiores, sem nunca concretizar as operações prometidas.

A título de exemplo, a responsável da Deco destaca o caso recente de um consumidor que pediu ajuda ao GAF depois de ter tentado obter um novo empréstimo junto de um falso intermediário de crédito. Este começou por lhe pedir 75 euros para abertura do processo, valor que pagou, seguindo-se novo pedido de 750 euros para a sua conclusão, quantia de que o consumidor não dispunha, acabando por pedir ajuda ao Gabinete de Apoio Financeiro da associação de consumidores.

Revelador das dificuldades recentes de muitas famílias, Natália Nunes adianta que entre 18 de Março e 30 de Junho, período em que foram decretados os estados de emergência e de calamidade no país, recebeu mais de sete mil pedidos de aconselhamento financeiro, muitos deles por parte de famílias que antes da pandemia conseguiam suportar os seus empréstimos, mas que, entretanto, sofreram fortes reduções no seu rendimento devido ao impacto da pandemia.