8.2.12

Países não precisam de ser auto-suficientes em termos de alimentação

in Jornal de Notícias

Os países não precisam de ser auto-suficientes em termos alimentares desde que o comércio funcione para dar resposta à escassez de produção, defendeu Ann Berg, a consultora da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação.

A especialista em mercados e ex-directora da Bolsa de Chicago, que participa no VIII Congresso do Milho, esta quarta-feira, salientou, em entrevista à agência Lusa, que "o comércio é a melhor resposta à escassez da produção", lembrando que "as matérias-primas ainda são relativamente baratas".

Questionada sobre se considera importante que países fortemente dependentes das importações, como Portugal, que importa cerca de 75% dos cereais que consome, se tornam mais auto-suficientes, a resposta foi negativa.

"Não é importante os países serem auto-suficientes", disse Ann Berg à Lusa, exemplificando com o Japão, "que importa todos os cereais e já o faz há muitos anos".

Para a antiga operadora do mercado de Chicago, "o mundo depende do comércio livre", e, por isso, "não precisa de ser auto-suficiente em termos de cereais, se for mais eficiente na indústria ou noutra coisa qualquer".

Ann Berg acrescentou que os países só aumentam a produção se tiverem terras disponíveis e preços elevados.

A China, por exemplo, decidiu importar grandes quantidades de soja para alimentar a sua produção de suínos, em vez de cultivar, observou.

A Índia reflecte igualmente o funcionamento dos mercados, já que tratando-se do segundo maior produtor de trigo a nível mundial, "às vezes é importador e às vezes é exportador".

A especialista norte-americana defende que "o mundo tem comida suficiente" e atribui os problemas da fome ao facto de os alimentos estarem mal distribuídos e haver desperdício.

"O mais importante são as políticas. Falamos de mercados livres, mas, na realidade não existem. Há muita intervenção, seja através de subsídios aos biocombustíveis, seja nas limitações às exportações", frisou.

Ann Berg explica que a volatilidade dos mercados tem sido acentuada por vários factores, entre os quais as decisões políticas, o desinvestimento na agricultura e os fenómenos climatéricos "que não se podem antecipar", mas também pela crescente atracção dos investidores pelo sector das 'commodities' (matérias-primas) e a desregulação dos mercados financeiros.

"Os bancos de investimento negoceiam cada vez mais em 'commodities' o que não acontecia antes", declarou.

Outro dos factores que contribui para as grandes oscilações de preços é a transição da negociação para o 'trading' automático.

"O método de negociação tradicional de ordens de viva voz ajudava a suavizar as oscilações porque tudo se processava de forma mais lenta", ao contrário do que se passa actualmente, com 50 por cento do 'trading' a processar-se sem intervenção humana.

"Os preços tendem a variar muito nos mercados de futuros e isso é exponenciado por factores como o 'trading' automático e o aumento dos limites de posição", salientou a responsável da FAO.

Ann Berg recordou que, quando era operadora da Bolsa de Chicago, os limites às posições especulativas não permitiam ultrapassar os 600 contratos, enquanto hoje podem ir até aos 33 mil.

"Este salto é enorme e isto aconteceu nos últimos 20 anos porque os corretores e os bancos queriam ganhar cada vez mais comissões e dinheiro só com as transacções. Trinta e três mil contratos é o equivalente a 4,3 milhões de metros cúbicos de cereais, é uma grande quantidade para um indivíduo ou uma empresa financeira controlar, comprar ou vender", considerou.