SEF está a marcar agendamentos para Junho do próximo ano. Medida que abrangeu 130 mil imigrantes em despacho de Março pode prolongar-se por 2021. “Quando me disseram pensei que estavam a brincar”, diz Cátia, guineense. Imigrantes e associações estão preocupados com o que acontece a quem ficou de fora desta medida.
O Governo vai manter a regularização de todos os imigrantes que tinham processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) até 18 de Março, salvaguardando que continuam a ter acesso a direitos sociais, até que seja tomada uma decisão final sobre as suas autorizações de residência. Há várias pessoas com marcação para finais de Junho de 2021. Ou seja, esta medida poderá prolongar-se por 2021.
Em Maio, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse que tinham sido abrangidos por este despacho 130 mil imigrantes.
Segundo disse ao PÚBLICO o gabinete da ministra da Presidência, que tem a tutela das migrações, foi emitido um despacho (n.º 5793-A/2020) no qual se definiu que, até à decisão final sobre os pedidos pendentes no SEF até dia 18 de Março, “continua a considerar-se ser regular a permanência destes cidadãos em território nacional, beneficiando dos direitos ali referidos, por exemplo, para efeito de acesso a serviços públicos”. Também os vistos, documentos de autorização de residência ou licenças cuja data de validade tenha expirado quinze dias antes de 14 de Março continuam a ser aceites até 30 de Outubro de 2020 —, ou até depois se o titular tiver prova de que fez o agendamento da respectiva renovação.
O despacho permite que um imigrante que tivesse dado entrada com o processo até 18 de Março, dia da declaração do Estado de emergência, pudesse ter cartão de utente do Serviço Nacional de Saúde, acesso a abonos ou apoios aos trabalhadores independentes. O Governo ainda não respondeu, porém, à questão sobre o que irá acontecer a todos os que ficam de fora do despacho, ou seja, quem fez o seu pedido depois do despacho de Março.
A questão do que iria acontecer aos direitos dos imigrantes depois de 30 de Outubro, e quem não foi abrangido, preocupa imigrantes e associações que trabalham directamente na sua regularização. De acordo com o que experienciaram no quotidiano, há várias marcações para daqui a nove meses.
“É muito importante que se mantenham os direitos”, comenta Flora Silva, da associação Olho Vivo. “O prazo para legalização é muito prolongado, as pessoas ficam com vidas suspensas durante muito tempo. Mas o facto de serem salvaguardados os seus direitos é positivo porque são pessoas que fazem os seus descontos para a Segurança Social, apesar de não terem o título na mão”, acrescenta.
Já Timóteo Macedo, da Solidariedade Imigrante, e membro Conselho para as Migrações, considera que a medida “não traz ânimo às pessoas que estão de fora do despacho de Março e que ficaram para trás”. “Os processos são muito lentos a resolver e as pessoas ficam com a vida pendente. Não temos políticas de inclusão. O grande passo seria incluir neste usufruto de direitos aqueles que existem para além do 18 de Março.”
Ainda esta terça-feira Cátia, guineense, 33 anos, que vive em Portugal há mais de um ano e está a trabalhar em limpezas, contou ao PÚBLICO que tinha iniciado o processo de regularização em Outubro de 2019, com a chamada manifestação de interesse junto do SEF, dirigido a quem está a trabalhar em Portugal. Passaram-se os meses e ela não teve resposta; meteu-se a pandemia e os serviços pararam. Quando finalmente conseguiu ter agendamento percebeu que irá estar, no total, um ano e meio à espera de um documento: só a 29 de Junho de 2021 é que irá ter a marcação. “Quando me disseram, pensei que estavam a brincar: tenho de esperar até Junho de 2021?!”, conta ao PÚBLICO no intervalo do trabalho. O filho, com um ano e nove meses, está numa ama particular a quem Cátia paga 150 euros mensais.
Cátia, nome fictício porque tem medo que isto prejudique ainda mais o seu processo, paga Segurança Social desde que trabalha — o mês passado foram mais de 100 euros. “Estou muito indignada por ficar tanto tempo à espera”, refere. “Este problema não é só meu, somos muitos nesta situação”, sublinha.
Serviço entupido
Sublinhou ainda que simplificou os procedimentos, nomeadamente com um mecanismo que permite a renovação de autorizações de residência de forma automática para quem é trabalhador, algo que funciona desde 21 de Julho e por meio da qual já foram renovadas 47 mil autorizações. Desde a semana passada que esta funcionalidade pode ser feita também por cidadãos da União Europeia e seus familiares e o objectivo é alargá-la a outras categorias de estrangeiros residentes em Portugal, refere.
Apesar de considerar positiva a funcionalidade de renovação automática, Flora Silva refere que deveria ser alargada a outras autorizações. Queixa-se do serviço telefónico do SEF: a associação chegou a fazer mais de mil tentativas seguidas de contacto telefónico. A Olho Vivo conseguiu fazer poucas centenas de marcações online. Do mesmo se queixa a Solidariedade Imigrante: no dia em que abriram as marcações, o sistema esteve todo em baixo. “Na terça-feira conseguiu-se fazer alguns agendamentos. A Solim fez uns 50 mas temos centenas mais”, queixa-se Timóteo Macedo. Ainda receberam algumas marcações para este ano, mas tem para Abril, Maio e Junho de 2021. Critica: “Os portais servem para quem domina a língua portuguesa e tem conhecimento de informática. É preciso haver sistemas adaptados para não haver quem fique para trás.”
Efeito pandemia em serviços: imigração desce 16%
Entretanto, ao que tudo indica as quebras no serviço reflectiram-se nos números de regularizações. Desde Janeiro, e até 28 de Agosto, que o SEF regularizou menos 14.265 imigrantes do que no período homólogo do ano passado, ou seja, uma descida de 16%. A descida de 87.238 para 72.973 novas autorizações de residência concedidas não significa um abrandamento no crescimento da comunidade estrangeira em Portugal, já que, segundo o serviço, reflecte antes os efeitos do facto de os serviços oficiais terem estado encerrados durante a pandemia.
As grandes diferenças entre este ano e 2019 é que Angola, com 3.357 autorizações, passou para 3º lugar entre as nacionalidades mais representadas, e Itália saiu do 3º lugar para ficar em sétimo lugar, com 2.935 autorizações. O Brasil continua a liderar a lista com 29.289 títulos (foram 32.544 em período homólogo de 2019), seguido do Reino Unido (efeito Brexit, com 3.555, menos do que os 5.680 do ano passado).
Índia mantém-se em quarto lugar com 3.294 e Cabo Verde (3.122) ultrapassa o Nepal ficando no quinto lugar (Nepal passa a sexto, com 2.970); já a Guiné-Bissau, com 2.541, passa do nono para o oitavo lugar e Espanha mantém o décimo lugar com 1.734, França está agora em nono lugar, com 2.319 títulos, quando no ano passado estava em sexto lugar.