José Paulo Silva, in Correio do Minho
O director do Centro Distrital de Braga da Segurança Social, Rui Barreira, defende a racionalização dos investimentos na área de acção social. Em entrevista ao Correio do Minho/Rádio Antena Minho, Rui Barreira define como prioridade mais valências de apoio a cidadãos portadores de deficiências.
P - No último périplo por instituições de solidariedade social do distrito de Braga afirmou que estas estão a servir de almofada à tensão social. Isso quer dizer que a situação é mais grave do que os números deixam transparecer?
R - O que eu disse foi as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) são a primeira almofada de entrada no sistema de acção social. Todos nós temos familiares que contactam com IPSS. Estas são as que contactam de uma forma mais concreta e mais profunda com os problemas das famílias. As IPSS vão respondendo aos problemas que vão surgindo no dia-a-dia.
P - Mas a situação social é mais grave do que dizem os números do desemprego e das prestações sociais que são pagas?
R - Nós temos sentido o impacto do crescimento do desemprego, os números são factos. As insolvências de empresas vão crescendo, mas penso que a situação social é actualmente um pouco de acalmia, porque as IPSS não têm nunca negado o apoio a qualquer cidadão ou a qualquer família.
P - Se esta rede de IPSS do distrito de Braga não existisse, haveria muitos casos de ruptura social?
R - Não tenho a mínima dúvida de que se não existisse esta rede de IPSS e de Misericórdias, a situação social no distrito de Braga seria muito complicada, seria muito caótica. O Governo entende que estas IPSS são o seu braço junto das populações e por isso protocola com elas as respostas sociais e, ao mesmo tempo, tem-lhes dado uma confiança que, se calhar, não era habitual noutros tempos. Escolhemos as IPSS como primeiro parceiro.
P - Essa aproximação que faz às IPSS serve para minorar os efeitos de um menor investimento do Estado nesta área?
R - Não. Repare: o grande problema das IPSS neste momento não são as comparticipações do Estado, são as comparticipações das famílias. Isso é que tem criado algumas situações complicadas de ruptura financeira. A Segurança Social tem cumprido escrupulosamente aquilo que está contratualizado com as IPSS. Não há um dia sequer de atraso. Quando visito estas IPSS é no sentido de encontrar soluções que nem passam sequer pelo dinheiro. Recentemente visitei uma instituição de Braga e verificámos que há uma lavandaria para poucas babetes e de imediato entrei em contacto com outra instituição para se criar uma interacção entre ambas.
P - Está a falar de uma rede social. Essa rede social está articulada entre as próprias IPSS?
R - A rede social tem um papel importante que por vezes é descurado. A interajuda deve sobrepor-se a qualquer interesse das IPSS ou das localidades. O que eu quero dizer é que há muito trabalho a fazer na definição das necessidades de cada um dos locais.
P - Defendeu a criação de uma lista de espera única para os lares de terceira idade...
R - Não uma lista única, mas que cada lista das IPSS fosse partilhada entre todas. Atemoriza-se e até me revolta um pouco ouvir falar em concorrência quando estamos na área social. Disse há dias, no Conselho Local de Acção Social de Braga, que isso para mim não faz qualquer sentido. No âmbito da partilha que todas as IPSS devem fazer, devíamos redefinir e racionalizar os meios. Verifiquei recentemente num concelho do distrito que duas IPSS distavam dois quilómetros uma da outra, uma com quatro vagas em lar e outra com uma lista de espera de 40 pessoas. Por que não uma instituição indicar uma vaga de outra?
P - Essa articulação não tem de passar pela própria Segurança Social?
R - A comunicação deve ser feita ao nível dos conselhos locais de acção social. Iremos promover que isso aconteça. Não sabemos quantas pessoas estão repetidas em lista de espera de várias instituições. Não podemos impedir as pessoas que se inscrevam em mais do que uma.
P - Se as IPSS estiverem a funcionar numa lógica de concorrência não vão partilhar informação.
R - A questão é essa.
P - Tem consciência de que as valências que existem nas IPSS do distrito dão resposta às necessidades?
R - Temos de tudo. Há locais onde a rede já está equipada com as valências necessárias e outros locais com valências bastante aquém das necessidades. Neste momento o que temos de fazer é uma racionalização de meios, o que me parece importante é estimular respostas que não existam no distrito. Mais do que as respostas típicas de lares de terceira idade, centros de dia, apoio domiciliário e creches, o que temos de estimular são respostas de apoio à deficiência. É para aí que temos de privilegiar o nosso olhar e o nosso rumo. Tenho a nítida sensação de que ao nível da deficiência estamos bastante deficitários, quer ao nível do distrito, quer a nível nacional. Numa altura em que temos de racionalizar os custos que são escassos, temos de fazer opções. Não esquecendo as valências típicas, temos que apostar em áreas em que sentimos carências.
P - A área do apoio à deficiência pode ser menos atractiva para as IPSS?
R - O que eu digo é que não é possível hoje termos todos uma IPSS na nossa freguesia ou na nossa paróquia. Temos de perceber que esse tempo acabou e que esse tempo foi errado. Dou muitas vezes o exemplo da Associação Engenho, de Famalicão, como uma em que a reforma administrativa já lá chegou, que tem cinco presidentes de Junta nos órgãos sociais. Essa IPSS serve cinco freguesias.
P - É um exemplo que devia ser seguido?
R - Que devia e terá de ser seguido. Temos de evitar os mini-poderes em que as pessoas querem ter tudo perto de casa.
Voltando à questão do apoio à deficiência, é uma resposta muito mais complicada e cara, em que o número de técnicos exigido é muito superior. Para além das IPSS de maior dimensão, hoje já se verifica que grupos de pais e de cidadãos se agrupam no sentido de criar respostas para determinadas deficiências. Refiro a Associação de Invisuais do Distrito de Braga e a Associação para a Inclusão e Apoio ao Autista. A Segurança Social tem de ir ao encontro dessas instituições e dar uma resposta cabal. A Associação para a Inclusão e Apoio ao Autista, com os parcos recursos que tem, presta apoio a todo o distrito de Braga.
P - A Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPCDM) de Braga passou por alguma turbulência em termos directivos e por problemas financeiros complicados. Como é que a Segurança Social está a acompanhar esta situação?
R - O problema directivo da APPACDM não nos diz respeito. No Centro Distrital de Segurança Social estamos apenas preocupados com a dimensão e a forma como as respostas são dadas aos utentes. A APPACDM tem tido um acompanhamento directo dos nossos serviços, temos reunido com a nova direcção, estamos a tentar encontrar soluções lado a lado.
P - Para os utentes não há qualquer perigo de ruptura dos serviços?
R - Neste momento não existe qualquer perigo de ruptura.
P - Estão previstas 75 cantin as sociais para o distrito de Braga. Quantas estão a funcionar?
R - Neste momento temos 29 no terreno. Todos os concelhos têm pelo menos uma instituição com cantina social. Protocolámos primeiramente com as Misericórdias, porque sabíamos que são instituições com alguma capacidade para iniciar de uma forma muito mais rápida este trabalho. Cada cantina terá um limite máximo de 65 refeições diárias. O grande desafio destas cantinas sociais é chegar a uma nova pobreza envergonhada, que é o que mais nos preocupa. Temos novas candidaturas em mãos e estamos a fazer uma análise em termos geográficos para chegar a todos os locais.
P - Este programa tem vigência até ao final do ano?
R - Se as necessidades se mantiverem, o programa continuará. Não deixa de ser uma medida de carácter temporário e não pode ser tratada como um acordo de cooperação normal.
P - Com o desemprego a aumentar no distrito de Braga, admite que, no final deste ano, o programa das cantinas sociais se possa extinguir?
R - Não. Mesmo que o desemprego se mantenha ou diminua, não tenho a mínima dúvida de que o programa se manterá.
P - Qual é o critério de atendimento nas cantinas sociais?
R - O critério é definido pelas instituições. Nós damos o perfil das pessoas que devem ser atendidas. Nós confiamos nas instituições que conhecem muito melhor as famílias que têm mais dificuldades ao nível da alimentação.
P - Como responde às críticas feitas a esta opção pelas cantinas sociais como um regresso a um Estado assistencialista?
R - O Estado actuou como devia actuar, porque estamos num momento extraordinário que exige medidas extraordinárias. Não podemos continuar com a ideia de que vale a pena atirar com dinheiro para os problemas.
P - Tem-se registado um aumento do número de beneficiários do rendimento social de inserção (RSI). No distrito de Braga andam na casa dos 16 mil. Prevê um aumento ainda maior deste tipo de apoios no corrente ano?
R - Não. O que nós temos feito é encarar o aumento do RSI como reflexo da situação em que as famílias se encontram neste momento. Muitas pessoas, acabado o período de atribuição do subsídio de desemprego, entram numa situação de velhice mais precoce, já que o mercado de trabalho encara a pessoas a partir dos 45, 50 anos como velhas. A readmissão de pessoas com esta idade no mercado de trabalho tem sido difícil. Isto está formatado na nossa sociedade. Quando acaba o subsídio de desemprego e o subsídio social de desempregado, entramos numa situação em que muitas pessoas ficam completamente desprotegidas. É aí que entra o RSI.
P - Há um aumento da fiscalização da atribuição do RSI?
R - Ela vai acontecendo. Hoje em dia os maiores fiscalizadores são os próprios cidadãos.
P - Até há pouco tempo passava a ideia de que o RSI era para sustentar preguiçosos?
R - O RSI tem que ser encarado como uma ajuda pontual a quem está a passar por uma situação extraordinária. De facto, passou a ser um subsídio ao não trabalho.
P - Durante quanto tempo é que as pessoas se mantêm no sistema do RSI?
R - No âmbito do RSI sempre existiu um contrato social com determinadas obrigações. O que se tentava era reinserir essas pessoas no mercado de trabalho. O problema é que o RSI foi tomado como uma renovação automática, não havia cumprimento das obrigações do próprio beneficiário. Hoje em dia entra-se no sistema, é-se avaliado, assina-se o contrato social e a partir das obrigações do utente é que se faz o pagamento.
P - Qual é o tempo médio de permanência no RSI?
R - Não tenho esse dado. A maior parte das pessoas com RSI são apoiadas com toda a justiça. O que devemos evitar a todo o custo é que alguém esteja, de uma forma fraudulenta, a beneficiar de algo que vai retirar aos que precisam. O número de cartas a denunciar alguém que está a beneficiar de subsídios indevidos aumentou, relativamente ao período de 2002 a 2005, de uma forma que eu nem consigo estar aqui a concretizar em termos práticos.
P - Os tempos de crise obrigaram os cidadãos a serem mais escrupulosos na denúncia de fraudes?
R - Exactamente. As pessoas percebem que o benefício que alguém que está ao seu lado recebe lhes sai do bolso. Também os próprios sistemas informáticos são hoje muito mais activos.
P - Estamos num distrito com um número de desempregados e de insolvências de empresas bastante elevados. Qual é a relação das empresas com a Segurança Social em termos de cumprimento das suas obrigações?
R - Nós temos sentido um decréscimo das contribuição das empresas para a Segurança Social. Temos feito uma tentativa de acompanhamento diário das empresas, no sentido de criar uma relação muito próxima e directa através do gestor de contribuinte. Pretendemos evitar que se avolumem as dívidas das empresas à Segurança Social. Temos monotorizado também as 50 maiores empresas do distrito no sentido de saber como é que elas vão passando.
P - A dívida das empresas tem crescido?
R - A dívida tem tido um ligeiro aumento. Somos mais eficazes na cobrança e são menos os casos de acumulação de dívidas, mas ainda há muito crédito mal parado. Com a entrada deste Governo, há uma nova forma de ver as coisas: temos que ajudar, mesmo nos planos de insolvência.
P - Foi director adjunto do Centro Distrital de Braga da Segurança Social entre 2002 e 2005. Comparando esse período com o actual, aconselharia as pessoas a recorrer a sistemas alternativos à Segurança Social?
R - Essa é uma pergunta complicada. Eu tenho uma ideia já firmada de defesa do sistema de plafonamento previsto na lei de bases de 2003 e revisto em 2005. Continuamos com um sistema que nos diz que a Segurança Social se manterá sem falência até 2050.
P - Essa previsão está já ultrapassada?
R - Completamente ultrapassada. Não podemos equacionar que o Estado Social se vai manter. O que está bem é que o Estado Social garanta o mínimo de dignidade às pessoas e que as pessoas, a partir de determinado patamar, possam contribuir para o sistema público ou para o privado. Espero que este sistema de plafonamento esteja em vigor até ao final da Legislatura.
P - Não irá depauperar a Segurança Social?
R - Vamos ter que equilibrar o período de transição de um sistema para outro.
P - Se fosse possível isolá-lo do resto do país, o distrito de Braga seria viável em termos de Segurança Social?
R - Apesar de termos muito desemprego, temos também um lote de contribuintes de grande capacidade. A empresa do distrito de Braga que mais contribui para a Segurança Social, com um milhão e 200 mil euros mensais, é uma empresa sólida. Muitos dos nossos contribuintes são uma base sólida para o sistema. Também não nos podemos esquecer que estamos num dos distritos mais jovens da Europa e de Portugal. Isto é importante para equilibrar as nossas contas e para permitir que haja quem contribua para os mais velhos. Nós temos à volta de 360 IPSS no distrito de Braga que nos permitem dar resposta a quem mais necessita num momento como este. Trata-se de um terceiro sector muito importante que garante muitos empregos no nosso distrito.