20.6.12

G20 com medo de uma recaída económica global

Jorge Nascimento Rodrigues, in Expresso

A cimeira dos 20 países desenvolvidos e emergentes mais importantes do mundo terminou em Los Cabos, no México, com um "plano de ação" que teve na mira a crise das dívidas soberanas na zona euro e a vulnerabilidade da economia global.

O G20 - grupo dos 20 países desenvolvidos e emergentes - puxou dos galões e disse, em comunicado final, que é "um novo paradigma de cooperação multilateral". A assunção desta missão geopolítica - acima do papel do G7 e do clube dos BRICS - surge na hora em que a crise das dívidas soberanas na zona euro, os impactos da desalavancagem no sistema financeiro e o risco de uma recaída económica global - como aconteceu em 1937, na anterior Grande Depressão - aparecem à cabeça das preocupações do "Plano de Ação para o Crescimento e o Emprego de los Cabos", aprovado na cimeira que decorreu esta segunda e terça feira no México.

O tema da crise das dívidas soberanas na zona euro ocupou espaço predominante, a ponto da "fadiga" com esta crise por parte dos membros do G20 fora da zona euro ser evidente. Por seu lado, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, reagiu enervado aos jornalistas falando do início da crise financeira em 2007 com as práticas "não ortodoxas" da finança norte-americana, mas esqueceu a parte seguinte desta longa "cauda" da crise com a emergência da crise das dívidas soberanas na Europa.

Terminada a cimeira no México, a atenção centra-se, agora, na reunião do Eurogrupo de amanhã (21 de junho) no Luxemburgo, preparatória da cimeira da União Europeia da próxima semana (28 de junho), bem como nos resultados da reunião de dois dias da Reserva Federal norte-americana, que termina hoje.

Pressão construtiva sobre a zona euro

"A economia global permanece vulnerável", concluíram os membros do G20, e um dos pontos críticos é a crise da dívida soberana que se arrasta na zona euro desde final de 2009. O próprio David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, comentou que este G20 em Los Cabos serviu para exercer "pressão construtiva" sobre a zona euro. Essa "pressão" exerceu-se em dois pontos: medidas adicionais ao crescimento e nova arquitetura financeira mais integrada.

Como já havíamos noticiado, a Alemanha cedeu no ponto do crescimento e, tudo o indica, na questão de "quebrar a cadeia de realimentação (feedback loop) entre as [dívidas] soberanas e os bancos", como se afirma no comunicado final.

A viragem para a tónica no crescimento veio enroupada com um conselho mais global muito explícito no ponto 5 das medidas do Plano de Ação contra os riscos imediatos: "Se as condições económicas se deteriorarem significativamente, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Rússia estão disponíveis para coordenar e implementar medidas adicionais de apoio à procura, tomando em consideração as circunstâncias e compromissos nacionais". Trata-se, naturalmente, de uma formulação de compromisso, que deixa uma margem de interpretação sobre o grau de deterioração.

No entanto, o comunicado e o Plano de Ação são explícitos que a consolidação orçamental nos países desenvolvidos deve "ser adequada ao apoio da retoma" no curto prazo. Uma menção especial é feita aos Estados Unidos para que "uma contração orçamental em 2013 seja evitada", prosseguindo uma linha de calibração entre consolidação orçamental de médio prazo e crescimento. Os países avançados e emergentes, onde houver margem orçamental, deverão deixar funcionar "os estabilizadores automáticos orçamentais".

No caso da zona euro, o comunicado final fala da "determinação" dos seus membros presentes na cimeira em "avançaram expeditamente com medidas de apoio ao crescimento, incluindo a conclusão do Mercado Único Comum, um melhor aproveitamento do Banco Europeu de Investimentos, obrigações para projetos piloto, fundos de coesão e estruturais com vista a investimentos mais dirigidos, a par do compromisso de implementar a consolidação orçamental".

Por outro lado, a preocupação com evitar que as crises bancárias e financeiras de desalavancagem na zona euro penalizem as dívidas soberanas ainda mais, o G20 afirma em comunicado: "Apoiamos a intenção [da zona euro] em dar passos concretos em direção a uma arquitetura financeira mais integrada, incluindo supervisão bancária, recapitalização e resolução e garantia de depósitos". Uma abordagem que tem sido defendida por Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, e que é apoiada por diversos membros importantes da zona euro, como França e Itália, e especialmente tendo em vista o "convidado permanente" do G20 - Espanha (que não é membro do grupo, mas que ganhou esse estatuto de "convidado") - que tem estado sobre pressão dos mercados da dívida.

Segunda linha de defesa com 456 mil milhões

Como meio adicional, a cimeira ressaltou o trabalho de recolha de reforço de fundos do Fundo Monetário Internacional levado a cabo por Christine Lagarde com vista a criar, como a diretora-geral desse organismo disse, "uma segunda linha de defesa" para apagar fogos que abalem a economia mundial.

Lagarde conseguiu atingir uma cifra de cerca de 456 mil milhões de dólares (cerca de 362 mil milhões de euros) de reforço, com o particular envolvimento do Japão, com 60 mil milhões de dólares, da Alemanha com 54,7 mil milhões, da China com 43 mil milhões, da França com 41,4 mil milhões e da Itália com 31 mil milhões.

Muitos analistas referem que essa "segunda linha de defesa" tem em vista a crise da zona euro, caso os mecanismos europeus se atrasem (o próprio Mecanismo Europeu de Estabilização que deverá entrar em vigor a 1 de julho ainda não foi ratificado pela Alemanha e pela Itália) ou se revelem insuficientes.

Desequilíbrios globais a corrigir

A cimeira voltou a levantar a bandeira da resistência "ao protecionismo em todas as formas" e a acentuar a importância de resolver os desequilíbrios globais e o risco sistémico que continua a vir do sistema financeiro.

Por desequilíbrios globais, o G20 refere-se a um aspeto sublinhado pelo economista inglês John Maynard Keynes há muitas décadas atrás, de que o ajustamento tem de ser feito em simultâneo por países excedentários e países deficitários.

O comunicado da cimeira aponta, por isso, para que os países deficitários "rodem" a procura do sector público para o privado (ou seja do sobreendividamento soberano e da orientação dos bancos para suportar a dívida soberana local em vez da economia real) e que os países excedentários "rodem" da exportação para o consumo interno. Os dois alvos desta recomendação, no que toca aos excedentários, são a China, com um impacto à escala global, e a Alemanha, com um papel decisivo na zona euro. O comunicado faz inclusive menção aos "recentes desenvolvimentos nos rendimentos reais das famílias na Alemanha".

Outra preocupação global, menos mediatizada, centrou-se na questão do sistema financeiro e do seu impacto sistémico, de que a crise iniciada em 2007 é um exemplo recente. O comunicado aponta "áreas de vigilância" em direção às instituições financeiras globais "sistemicamente" importantes (designadas por um acrónimo, em inglês, a fixar, G-SIFIS), o sistema bancário sombra e outras entidades financeiras não bancárias "sistemicamente" importantes, os derivados financeiros over-the-counter (OTC) e a excessiva volatilidade dos preços nos mercados físicos e financeiros das commodities. O comunicado frisa inclusive que devem ser adotadas medidas que impeçam que qualquer entidade financeira seja "demasiado grande para falir" - TBTF, no acrónimo inglês para too big to fail.