19.6.12

Para sobreviverem IPSS recorrem a mecanismos de exclusão social

por António Figueiredo, in Setúbal na Rede

“São instituições de particularidade social as constituídas, sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos...” – artº1º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de fevereiro.

Nos últimos três anos o agravamento da situação social passou a ser notícia e uma realidade que não se consegue já manipular. A pobreza duplicou, a fome tortura os mais desfavorecidos e a sociedade média a caminho da falência acaba no suicídio. As instituições particulares de solidariedade social tornaram-se o recurso de proximidade para procurar a sobrevivência. Mas há três anos já uma grande maioria das instituições passava por crise financeira que as tornava insustentáveis…

Encontramos, em vários documentos oficiais, que os protocolos de cooperação entre a Segurança Social e as instituições de solidariedade social assentam num princípio de que estas atribuem prioridade a pessoas e grupos social e economicamente, em que a Segurança Social garantiria a sustentabilidade das mesmas em respeito ao princípio da subsidiariedade, conforme já referi em crónica anterior. Leio, num estudo recente encomendado pela Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social, “a sustentabilidade financeira a prazo e até mesmo a sobrevivência de muitas IPSS, passa em larga medida por estas serem capazes de encontrar a combinação de estratégias de redução de custos e de aumento das receitas próprias que lhes permita atingir o equilíbrio económico-financeiro num quadro de quebra das transferências públicas.”

Estamos perante uma afirmação banal, de pensamento liberal e mercantil, que já anteriormente se encontra em documentos idênticos, sobre a problemática da sustentabilidade e futuro das instituições da rede solidária. Frontalmente, deveria ser dito que face à quebra de responsabilidade social dos Governos e falência do Estado Social, as direções das IPSS devem avaliar a capacidade de continuação das instituições. De uma forma simples, como o padre José Maia disse há uma dúzia de anos, quando presidente da CNIS, “perante a eminência da falência do Estado Social, as instituições deveriam abandonar o modelo de subsidiariedade e voltar à sua ação caritativa, expressão que choca os vanguardistas que nada dão à solidariedade.”

A afirmação acima referida é totalmente recusada por mim porque há anos que temos instituições, para o aumento das receitas próprias que lhes permita atingir o equilíbrio económico-financeiro, recorrem a medidas a mecanismos que provocam a exclusão não dando prioridade a pessoas e grupos social e economicamente, como deve ser a sua missão. Recentemente fui ao norte, e encontrei lá na aldeia alguns idosos, quebrados pelos anos e pelo isolamento, a manifestarem a sua amargura porque a pensão não dava para pagar a mensalidade exigida pelo lar duma IPSS. Na realidade o lar exige uma mensalidade que é o dobro da maioria das pensões rurais! E não existem diretivas da Segurança Social a respeitar, como as Normas Reguladoras das Comparticipações de utentes e famílias? E não existe um registo dos pedidos e uma explicação da exclusão? Afinal o que fazem as técnicas da Segurança Social tão empenhadas em visitas técnicas?

Como a situação referida outras existem, se navegarmos na internet e lermos com cuidados os regulamentos internos das IPSS, que são causa de exclusão dos mais desfavorecidos. Quando encontramos instituições que exigem pagamento de inscrição, sem garantia de admissão, de valores que chegam a 25% do rendimento mínimo garantido, como podem famílias em desespero encontrar apoio para os seus filhos? Encontramos mesmo mensalidades para as respostas de infância com um valor mínimo de cem euros! E as técnicas da Segurança Social, sabendo da infração, pactuam com as situações, porque sabem da falência de muitas instituições. Somos um país sem leis, do salve-se quem puder, mesmo recorrendo a mecanismo de exclusão social. Felizmente são só algumas instituições…

Há dirigentes da rede solidária que colocam as instituições no limiar da atividade privada e mercantil, num quadro de concorrencia ilegal apoiado por comparticipações de dinheiros públicos. No momento como o que o país atravessa, talvez seja aconselhável rever o quadro de ajuda social, para que não se esteja a tapar o sol com a peneira.

Dizia santo Agostinho que “onde não há caridade não pode haver justiça social”, e alguns dirigentes da rede social já enveredaram por este caminho. Mas mais grave é quando existem centros paroquiais e sociais que perderam a noção da caridade, recorrendo às mesmas medidas de exclusão social. Não seria mais justo responsabilizar o poder político e entregar-lhes as respostas sociais, seguindo o caminho de caridade como ajuda aos mais desfavorecidos? Defendo que sim, mesmo que reconhecendo a verdade na frase de Madre Teresa de Calcutá: “por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota na água do mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.”

A água do mar da solidariedade é bem menor, quanto mais a missão das instituições de solidariedade social se afastar dos pobres, dos desempregados, das crianças vitimas de violência, dos que trilham caminhos desviantes, dos idosos isolados e sem recursos financeiros. Sem justiça social os dirigentes perdem o sentido da caridade e sinto alguma amargura por haver cristãos nos centros paroquiais que não tenham nos pobres o reconhecimento de Cristo.

O recurso a expedientes que afastem os mais fragilizados do acesso às respostas sociais deve ser rejeitado por todos os dirigentes da rede solidária, devendo intervir politicamente, não na política partidária, mas na denúncia das práticas sociais que geram exclusão dos pobres. Não estou a falar de coragem, mas de dignidade pelo respeito ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos...