15.7.20

Metade das famílias só acaba de pagar a casa depois da reforma

Carla Sofia Luz, in JN

Estudo da Gulbenkian alerta para risco futuro e dá conta das desigualdades geracionais no acesso à habitação.

Muitas famílias ainda estarão a pagar o empréstimo da casa ao banco depois dos 70 anos. Mais de metade do montante da dívida será suportado já por pessoas em idade de reforma, período em que, por norma, os rendimentos baixam. Os prazos alargados de maturidade das hipotecas em Portugal e a incapacidade crescente dos jovens de recorrer ao crédito antes dos 30 anos poderão ajudar a explicar esta situação, que corresponde a um risco de empobrecimento futuro de muitos portugueses.

A antecipação desta "vulnerabilidade" que atingirá muitas famílias é retratada no estudo "Habitação própria em Portugal numa perspetiva intergeracional", promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito do projeto Justiça Intergeracional. Romana Xerez, um das autoras, a par de Elvira Pereira e de Francielli Dalprá Cardoso, sublinha que Portugal é um dos países europeus onde há mais tempo para amortizar o empréstimo e "mais de metade do montante em dívida será pago por pessoas com mais de 68 anos".

Para isso, concorre a "baixa percentagem de Millennials (geração nascida entre 1982 e 2000) a adquirir casa com crédito antes dos 30 anos. Começam a ter condições para comprar habitação cada vez mais tarde", atenta Luís Lobo Xavier, responsável pelo projeto Justiça Intergeracional. Em 2017, 15% dos jovens até aos 29 anos tinham uma hipoteca. Seis anos antes, a percentagem era de 43%.

Ação pública é residual

Será por opção? "O estudo não nos permite perceber isso, mas há indícios que terão mais restrições de escolha" do que as duas gerações anteriores: os Babyboomers e, sobretudo, a Geração X, explica Elvira Pereira. Certo é que há cada vez mais jovens entre os 18 e os 34 anos que ainda moram em casa do pais (63,4% em 2017). E, nos últimos sete anos, foram as famílias com menos de 35 anos que sofreram a maior quebra de riqueza líquida: mais de 50%.

Não admira que a percentagem de arrendatários jovens seja muito superior (45,3%). Nas restantes faixas etárias, não vai além dos 17%. E é quem arrenda que suporta uma maior sobrecarga de despesas com habitação. Curiosamente, entre 2011 e 2017, duplicou a percentagem de jovens com acomodação cedida gratuitamente ou a título de salário (de 12,6% para 24,6%). Olhando para a população em geral, esse tipo de alojamento corresponde a 8,9%.

"Quando se percebeu que esta geração tinha um acesso diferente à habitação, pensou-se que seria uma questão de opção. Não é assim. É uma opção de contexto. Estão a ser empurrados para esta solução, o que cria desigualdades entre gerações", adverte Romana Xerez. Apesar da nova lei de bases e da nova geração de políticas de habitação, a investigadora entende que "estas medidas têm uma intervenção muito residual" e a dimensão pública do apoio especificamente para jovens (ler Saber Mais) é muito reduzida. "Há necessidade de maior intervenção pública e de abordagens novas para situações novas".

Porta 65 não chega

O programa Porta 65 não chega para responder às dificuldades dos jovens no acesso à habitação. Além do subsídio à renda só durar três anos, "os valores despendidos com esse programa" pelo Estado "diminuíram substancialmente quando ele substituiu, em 2007, o Incentivo ao Arrendamento por Jovens.

Jovens pagam mais

Seja qual for o tipo de ocupação (proprietário com ou sem hipoteca ou arrendatário), os jovens até 29 anos têm de ter um rendimento médio superior às restantes faixas etárias. O rendimento médio anual de um jovem com hipoteca é de 14,4 mil euros. Mais três mil euros do que nas outras faixas etárias.

Novas investigações

O objetivo do projeto Justiça Intergeracional da Fundação Calouste Gulbenkian "não é indicar políticas concretas, mas lançar o debate" e "dar ferramentas para criar políticas públicas que se adequem à nova geração", sublinha Luís Lobo Xavier. Os próximos estudos temáticos do projeto Justiça Intergeracional debruçar-se-ão sobre as Finanças Públicas e a fatura que será deixada às gerações vindouras; sobre o mercado de trabalho e sobre a utilização dos recursos biofísicos em Portugal.