Na lista das inquietações, a pandemia e o futuro surge em segundo lugar. Para um quinto das crianças e dos adolescentes (20,6%) o futuro e a doença são as principais preocupações. Estudo O que sentem as crianças e as famílias em isolamento social é apresentado esta quarta-feira pela Internet.
Quando se lhes pergunta o que mais as preocupa no contexto actual da pandemia, 40 em cada 100 crianças e jovens respondem que é a saúde. E quando o motivo de inquietação é este, surge à cabeça a saúde dos avós, seguida, da saúde dos pais, de outros familiares e dos amigos. Em último lugar, surge a inquietação com a sua própria saúde.
Os restantes 60% repartem-se pelos que se preocupam em primeiro lugar com o futuro e a pandemia (20%), a escola (12,5%), o isolamento social (4,2%), o afastamento dos amigos (1,6%), o afastamento das actividades (0,5%) ou o impacto económico no rendimento familiar (0,5%), entre outros.
A conclusão resulta do estudo O que pensam e o que sentem as famílias em isolamento social. Foi feito com base num inquérito entre 15 de Abril e 10 de Maio a 807 famílias com crianças entre os 4 e os 18 anos e a 431 crianças (dessas mesmas famílias) entre os oito e os 18 anos.
A investigação surgiu da constatação de que os apelos de ajuda ou aconselhamento dirigidos à Linha SOS Criança entre Março e Junho deste ano aumentaram relativamente ao ano anterior. Nestes quatro meses de 2019, 707 crianças usaram a linha, enquanto em 2020, esse número subiu para 1115 crianças nos mesmos meses de Março, Abril, Maio e Junho.
Cada uma destas crianças usa a linha uma ou várias vezes. As situações de perigo (negligência, maus tratos físicos ou psicológicos e maus tratos na família) motivaram muitas das chamadas, mas também houve crianças a ligar por questões relacionadas com a covid-19 (no mês de Março), e saúde mental e solidão (nos meses de Abril e Maio).
“Quisemos perceber o que estava a acontecer”, explica Fernanda Salvaterra, coordenadora do estudo e responsável pela área do conhecimento e da formação do Instituto de Apoio à Criança (IAC), a entidade que gere a Linha SOS Criança.
“Dos resultados, destacamos a importância dos avós, tanto para as crianças como para os pais”, diz Fernanda Salvaterra, doutorada em Psicologia do Desenvolvimento. Há mais stress e ansiedade dos pais associados a uma alteração das rotinas com os avós e há mais preocupação com o seu estado de saúde por parte dos netos, conclui.
O futuro, a pandemia e a escola
Na lista das inquietações das crianças, a pandemia e o futuro surge em segundo lugar. Para um quinto das crianças e adolescentes (20,6%) o futuro condicionado pela doença é a principal preocupação. Também as questões relacionadas com a escola se destacam para 12 em cada 100 crianças.
Dentro do universo de 40% das crianças que se preocupam com a saúde, mais de metade (53,8%) destacam a inquietação com a saúde dos avós. Entre 40% e 45% pensam mais na saúde dos pais, dos outros familiares e dos amigos. E só 27% estão inquietos com a sua própria saúde. Neste inquérito, cada criança pode preocupar-se com vários aspectos e estas percentagens são apresentadas em função da importância que dá a essa inquietação.
A apresentação do estudo, também desenvolvido pela investigadora Mara Chora, será feita da mesma forma como foram realizados os inquéritos – através da Internet. Para participar só é preciso fazer a inscrição gratuita no IAC, no site ou nas redes sociais (ou através do link https://forms.gle/Y8dFTRghFZngD2v6A).
O Webinar terá como oradores Margarida Mesquita, docente e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Lourdes Mata, docente e investigadora do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e Tiago Miranda Delgado, da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas (APFN).
Identificar factores de risco para a saúde mental, devido ao sofrimento psicológico, às mudanças nas rotinas e nas relações familiares, mas também à perda de emprego e ao acesso à educação foi um dos objectivos; outro objectivo foi perceber a relação entre os comportamentos e os sentimentos dos pais e dos filhos. “Os resultados são ligeiramente preocupantes” neste último ponto, diz Fernanda Salvaterra.
Um exemplo: quase 20% das crianças disseram ter dificuldade em dormir e mais de 16% reconhecerem estar amedrontados. Mas num e noutro caso, apenas 12,8% dos pais sabem que os filhos têm dificuldade em dormir e só 6,3% têm consciência do medo que as crianças sentem.
Além de um questionário único em duas partes (a primeira preenchida por um dos pais e a segunda preenchida por um dos filhos), foi possível extrair conclusões sobre os níveis de stress, depressão e ansiedade que cada uma das situações provoca em cada pessoa através de escalas que fazem a associação.
Ainda naquilo que diz respeito à relação com os pais, é quando estes lidam melhor com o stress, a ansiedade e a depressão resultantes da pandemia que os filhos também demonstram níveis de ansiedade mais baixos.
Ansiedades acima da norma
Mesmo assim, quase 10% das 431 crianças e dos jovens inquiridos (42) demonstraram níveis de ansiedade superior à norma. E quase 14% dos adultos manifestaram sinais severos ou muito severos de ansiedade, stress ou depressão.
“Não sabemos se já existia ansiedade nestas famílias”, diz a coordenadora do estudo que, apesar disso, considera estes valores elevados quando relacionados com o isolamento.
Os níveis de ansiedade baixam na criança quando a estratégia dos pais é brincar com ela, e “não só estar com ela”, reforça Fernanda Salvaterra. “Ter mais tempo para brincar revelou-se como tendo um efeito apaziguador”, acrescentou.
Aspectos positivos?
Pais e filhos não deixaram em branco as perguntas sobre os aspectos positivos do isolamento em casa. Para as crianças, foi positivo ter mais tempo para estar com os pais e com os irmãos e ter mais tempo para brincar. Para os adultos foi positivo passar mais tempo com os filhos.
Mas isto, ressalva a psicóloga e investigadora, revela também uma contradição: tanto as crianças como os adultos catalogaram como “aspecto negativo do isolamento” ter de estar 24h por dia em casa com toda a família. Este convívio a todas as horas aumentou os níveis de ansiedade para 15% das crianças e os níveis de ansiedade, stress e depressão para 19% dos adultos.